“F*ck programmatic!” Foi o que vociferou o lendário John Hegarty (o H da BBH) no Cannes Lions do ano passado, em debate com o moderno David Droga, da Droga5. Sua irritação se dava ao ser questionado sobre o crescimento de importância dos algoritmos no processo da propaganda, em detrimento da criação. Será que a ciência vencerá a arte na propaganda? Esta era a questão. De fato, a onda de uma comunicação mais baseada em cálculos do que na criatividade pura é crescente.
Ela vem na esteira do aumento impressionante da capacidade de se lidar com bancos de dados, trazendo a possibilidade de mapear pessoas – potenciais consumidores – e interagir com elas em tempo real, sabendo em que estágio da sua jornada de compra elas se encontram. É inegável esse avanço.
Enquanto no passado ficávamos satisfeitos em definir um público-alvo pelos dados demográficos, hoje é possível identificar personas, uma a uma, acompanhar a jornada de prospects e atingí-los na hora certa, com uma comunicação pertinente. E, melhor, se não funcionar, podemos alterar a comunicação em minutos e tentar outras abordagens, e outras e outras…
A tal Big Data, tão propalada e ainda pouco entendida, começa a fazer sentido em planos de grandes empresas. Nunca foi tão importante o gerenciamento de dados e o CRM, agora numa versão 2.0.
Com tudo isso, vem a era da automação de mensagens e da interação de marcas com pessoas. É o que alguns estão chamando de Modern Marketing. Mas será que tudo isso substitui o talento e a criatividade? Claro que não!
O fato de se poder abordar seu público-alvo (melhor chamar de “pessoas”), um a um, de forma pertinente e oportuna, não elimina a necessidade de um bom processo de criação. Afinal, de nada adiantará saber a hora certa e o tipo de mensagem adequada no momento, se ela – a mensagem – não for impactante, engajadora, vendedora. Além disso, não dá para ignorar a força dos meios convencionais – offline – no esforço de construção de marcas e de conquista de awareness, relevância e preferência.
A fórmula certa parece estar na conjunção do on com o off. Um pouco de Mad Men com Math Men. Entenda-se o lado Mad Men como o lado mais romântico (e ainda importante) da propaganda, retratado no famoso seriado, baseado na vida das agências da Madison Avenue, em NYC, na década de 1960. É a época da verdadeira big idea. Da iluminação de criativos, numa sacada genial. E o contraponto do lado Math Men, com a balança pesando para a matemática como forma de se comunicar com pessoas de forma mais assertiva.
Como todo movimento de inovação, há um momento de arrumação, que causa desconforto e angústia. Hegarty, do alto da sua experiência bem-sucedida de décadas criando campanhas memoráveis, merecedoras de prêmios, está certo em defender a importância da grande ideia central, norteadora de grandes campanhas. Mas não está tão certo quando resiste veementemente à evolução.
Não dá para resistir à tendência da mídia por performance, a programática, a automação. E novas tecnologias vão continuar surgindo, quer queiramos ou não, e em períodos de tempo cada vez menores, nos obrigando sempre a repensar formatos e estruturas.
A má notícia é a de que teremos um desconforto contínuo, sempre tendo a sensação de que estamos atrasados. Sempre aquela sensação que americanos definem como FoMO (Fear of Missing Out – medo de estar perdendo algo importante).
Mas também não devemos nos entusiasmar demais e romper radicalmente com o modelo vigente. Temos visto muita gente quebrar a cara partindo para um modelo de negócios radical antes da hora. Com a chegada da televisão, previu-se o fim do cinema, e ele está aí, firme e forte. Com a chegada da internet, previu-se o fim da TV, e ela continua super relevante.
O velho e bom rádio se digitaliza e continua presente nas nossas vidas, apesar dos inúmeros aplicativos de música no mercado. O que parece ser recomendável é colocar um pé no barco da tecnologia, do online, mas manter o outro firme, no barco do offline. Resista firme ao balanço das ondas que certamente surgirão. Entre o modelo Mad Men e o Math Men, fiquemos com os dois.
*Superintendente da Fenapro e VP da Ampro