A morte trágica do jornalista Ricardo Boechat significa ainda mais do que a perda de um profissional competente e criativo. Ele era uma prova evidente de que, usados de um jeito competente e criativo, todos os meios são potencialmente atrativos, mesmo aquelas mídias sempre anunciadas pelos especialistas em digital como em fim de linha.
Não há como negar que sua perda só gerou tamanha comoção por ser ele um comunicador de massa na melhor acepção da palavra. Fosse Boechat um blogueiro ou youtuber, com muitos milhares de seguidores, provavelmente teria recebido as devidas homenagens entre seus fãs, mas, para a grande maioria dos brasileiros, o acidente fatal que o matou seria, talvez, uma notícia curiosa.
Certamente, muitos recorreriam a seus vídeos pela primeira vez, interessados em saber quem era, afinal, e o que fazia de tão especial esse cidadão, cuja morte mereceu um registro no Jornal Nacional.
Tendo brilhado onde brilhou, Boechat não precisa de explicações. Seu desempenho foi testemunhado nos lugares e nas horas certas o suficiente para alcançar sua suprema consagração: os horários nobres do jornalismo do rádio e da televisão aberta. Boechat não era apenas um âncora de noticiário, era o que se pode chamar de showman.
Fosse um artista, talvez se apoderasse das tardes de sábado ou despontasse na novela das oito. Conhecia o ofício da mídia eletrônica como poucos e juntava a esse conhecimento, uma sensibilidade aguçadíssima. A Bandeirantes já havia investido nesse padrão de jornalismo “de atitude” antes. Foi lá que começou Joelmir Beting (depois fisgado pela Globo para ocupar horários mais elitizados) ou Boris Casoy em seu momento interessante.
Mas nenhum deles conseguiu o que Boechat trouxe para o horário nobre das notícias: a espetacularização crítica das narrativas, antes reservada aos vespertinos policialescos. Enquanto os Datenas da vida massacram delinquentes miseráveis, Boechat pisava no pescoço dos bandidos poderosos com a mesma falta de piedade.
Dosando indignação e um humor ácido, alcançava preciosa adequação ao que o momento pedia. Não fazia concessões a cores partidárias, provocando sobressaltos, muitas vezes, entre os que o admiravam. Aí residia seu grande mérito: seguir a linha reta de seus valores éticos, deixando para nós, ouvintes e telespectadores, a oportunidade de refletirmos sobre o sentido das posições que assumimos.
Afinal, o Brasil em que ter um lado se tornou mais importante do que estudar o porquê de existirem lados, é um ambiente perfeito para que a estupidez das convicções absolutas seja provocada e exposta ao ridículo o tempo todo.
Boechat fazia isso com maestria, até com uma necessária crueldade, daí somar à sua audiência parcela determinante de sádicos e masoquistas. Com a perda de Boechat, a gente, por um tempo pelo menos, vai ter de voltar a confortar-se apenas com o âncora “portador de um elegante quase enfado”. A quem, aliás, sempre assisti depois do Boechat. Por entender que ancoravam programas complementares.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)