Alguns trabalhos de branding são realizados com tanta competência, esmero e qualidade que acabam por proteger, blindar mesmo – algumas e poucas marcas – para quase todos os acidentes de percurso. Só um acidente de brutal gravidade faz a marca tremer. Tremer, sim, morrer, jamais! Mas, para todos os demais acidentes do cotidiano, que mais cedo ou mais tarde acabarão por acontecer por maiores que sejam os cuidados que se tome, a marca tira de letra. Ainda que por alguns dias, no máximo uma ou duas semanas, ainda revele alguma machucadura ou inchaço. Mas, em pouco tempo, tudo está superado tal é o apreço, carinho, admiração e respeito que a marca construiu no correr de sua trajetória, e junto à totalidade de seus stakeholders.

E aí, o tênis. Talvez de uma das maiores promessas do basquete americano, Zion Williamson (pronuncia-se Zaion Wilhanson), partiu-se ao meio durante o jogo entre os times universitários da Duke e North Caroline. Milhões de americanos assistiam e vibravam com o jogo quando, de repente, aconteceu o que seria, para outras marcas, acidente, mas, para aquela marca, um pequeno incidente, como se constatou dias depois. Um tênis de reconhecida qualidade jamais protagonizaria esse vexame público. Foi o que passou na cabeça dos milhões que assistiam à cena naquele momento pela TV, smartphones, tablets. Parou o jogo, e durante minutos as câmeras transmitindo para os Estados Unidos e dezenas de outros países mostravam o lamentável tênis da… isso mesmo… Nike!

No dia seguinte, repercussão em todo o mundo e a foto em mais de mil jornais e revistas. Na hora, direto nas redes sociais. Dentre os milhões que acompanhavam a partida, ele, Barack Obama. Em 2018, 14% do total das receitas da Nike vieram da venda dos tênis para basquetebol. Conclusão, no dia seguinte, quarta-feira, as ações da empresa caíram quase 2%, e o prejuízo estimado pela Bloomberg dado o impacto da falha no produto significou para a empresa uma perda de valor de mercado de US$ 1 bi. Um tênis, US$ 1 bi.

Nos pés de qualquer Zé Mané, nós, andando pelas ruas, who cares. Poderíamos até nos ralar e quebrar a perna e nada. Nos pés de uma das maiores promessas do basquete universitário americano, com milhões de pessoas assistindo e testemunhando e repercutindo o vexame, em tese, prejuízo brutal e definitivo. Fosse outra marca qualquer, em estágio de lançamento, teria sido abatida inexoravelmente na decolagem.

Marca respeitada e consagrada que é, sinônimo de tênis mais que qualquer outra marca, o desconforto durou um fim de semana. Na semana seguinte, as ações recuperaram o prejuízo e voltaram a subir. Branding é seguro de vida, também. Esse não é o objetivo, mas decorrência natural de trabalhos de excepcional qualidade. Como o que o treinador Bil Bowerman, seu discípulo amador preferido, Phil Knight, começaram a correr atrás e construir na Universidade de Oregon, dia 25 de janeiro de 1964. E nunca mais pararam. Just Did It.

Em tempo: A primeira vez que falei da importância da marca, como profissional, foi numa reunião de diretoria do Itaú em 1971. Fui expulso da sala. Um dos diretores me disse: “Madia, você com sua mania de marketing e branding. Vamos falar de coisa séria e parar de perder tempo com essa bobagem”. Vinte anos depois, fomos contratados pelo Bradesco para orientarmos no planejamento e construção de uma nova marca pelo trabalho realizado no Itaú. Supostamente, pelas empresas que se dizem especialistas em precificar marcas, as duas marcas de maior valor do Brasil. Marca: ou você tem, ou você não é!

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)