1. Cerca de metade dos habitantes do planeta está ligada na Copa do Mundo da Fifa, vendo os jogos e conhecendo um pouco mais os brasileiros que grande parte deles admira pela alegria, apesar da pobreza, pela grande capacidade de improvisar ou deixar tudo para a última hora, e mesmo assim entregar, e pelo país realmente belo que habitamos.
O que talvez eles não saibam (entender) com profundidade são as nossas contradições, o povo hoje dividido politicamente, os escândalos sem fim nas altas esferas da administração pública, a violência crescente que a todos amedronta e outros absurdos dos quais tomam conhecimento e fingem compreender, para não comprometer seu desejo de um dia nos visitar.
Ajuda essa tolerância nas camadas mais importantes de cada país, o fato de sermos duzentos milhões em ação, o que, em termos de mercado, é sempre algo visto com muito apetite pelas multinacionais de todos os segmentos que, se ainda aqui não desembarcaram, com certeza têm nos seus planos de futuro imediato.
Quando o cineasta italiano Franco Zeffirelli cunhou a frase sobre o nosso povo, que logo correu mundo e é até hoje lembrada, mesmo após mais de três décadas proferida (“O brasileiro é o último povo feliz do mundo”), sabia o que aqui havia observado com a sua perspicácia de diretor e entusiasta da sétima arte.
Muito provavelmente, por todas as formas de reconhecimento que nos chegam, prosseguimos sendo assim vistos pelo mundo exterior e a realização da Copa da Fifa no Brasil transforma-se em outra grande oportunidade – e a curtíssimo prazo – de os estrangeiros nos aplaudirem e o motivo não reside apenas no futebol da nossa seleção.
Esta é a imagem do Brasil que nos compete preservar, em um esforço grandioso, quase heróico, para que ela corresponda cada vez mais à nossa realidade.
Não é fácil, mas também não é impossível. Temos para nós, inclusive, que demos nos últimos tempos (recentes) passos acelerados em direção a essa convergência.
2. O Brasil que deve impressionar de forma acentuada empresários e profissionais de outras partes do mundo é o da comunicação do marketing.
Uma vez mais, como tem sido praxe desde a virada do século – e até mesmo um pouco antes dessa marca temporal –, nosso país desponta no Cannes Lions, que este ano reuniu uma centena de países de comunicação avançada, sobressaindo-se nas diversas categorias dessa tradicional premiação mundial, com destaque para as novas plataformas de mídia.
Os constantes resultados do Cannes Lions, ano após ano, reconhecem no Brasil um trabalho avançado no que até há pouco chamávamos de mídias tradicionais – corrigindo a tempo distorções anteriores (anos 70 e 80) que puxavam vaias da plateia contra o nosso produto final publicitário – para um salto diríamos quase que inigualável entre pares da mesma estirpe, rumo ao admirável mundo novo digital.
Já não nos surpreendemos mais com algo em torno de centenas de Leões conquistados, um pouco abaixo de 2013, mas com menos inscrições de trabalhos em relação ao ano passado.
Pensar que no início da última década do século vinte, quando conquistamos o primeiro Grand Prix, os Leões ainda eram escassos para nós e os de ouro uma dificuldade maior.
Alguns profissionais, mesmo brasileiros, dizem que aprendemos a ganhar prêmios em Cannes. É possível, mas graças principalmente à evolução da atividade, exigindo o mesmo dos empresários, empreendedores e profissionais, com relevância ímpar para os responsáveis pelo marketing dos anunciantes, que passaram a entender a importância de uma comunicação comercial talentosa e bem produzida. Tudo porque a grande mudança, na verdade, ocorria com o consumidor brasileiro, já não mais um mero cidadão desinformado necessitando de bens e serviços.
Essa grande massa de cidadãos em função dos quais existem os governos (aqui ainda dá para melhorar bastante), as empresas, entidades e prestadores de serviços, silenciosamente foi se entregando às marcas que falavam a sua linguagem, respeitavam seus gostos e virtudes e, mais que tudo, rapidamente enxergaram as mudanças havidas e a estas se adaptaram.
Há muitas palavras que podem expressar essa revolução, mas acreditamos que a principal delas é respeito.
3. Nesta rápida e despretensiosa tentativa de justificarmos a evolução da comunicação comercial no Brasil, acelerada nas duas últimas décadas, cabe menção especial às nossas escolas que ensinam as principais disciplinas do marketing, com destaque para várias campeãs que têm se esforçado para igualmente não perder o trem-bala dessa história.
Premiações, seminários, eventos e outras ações de contribuição ao aperfeiçoamento profissional, também fazem parte desse edifício sólido que é o nosso marketing, com a publicidade tendo saído à frente e, como os puxadores das escolas de samba igualmente campeãs, atraiu para caminhar consigo outras atividades paralelas não menos importantes, como o marketing promocional (que hoje já se transforma em live marketing), o marketing direto, o design e outras disciplinas irmãs.
Tão grande e importante foi esse andar, que novas formas de comunicação estão surgindo desse vasto complexo de atividades próximas.
4. Quando lá em cima fizemos restrição aos nossos governos, é porque não se cansam, através dos seus múltiplos agentes, de com frequência darem um passo atrás.
Ainda na última semana, em São Paulo, repetiu-se uma ação destruidora dos black blocs, que se infiltraram entre adeptos do Movimento Passe Livre numa passeata no bairro de Pinheiros. Autoridades da Secretaria da Segurança paulista justificaram a falta de uma ação imediata da polícia argumentando que os responsáveis pelo Passe Livre oficiaram avisando da passeata e solicitando a não intervenção policial, comprometendo-se a manter a ordem. Segundo uma autoridade da PM, “demos voto de confiança (ao MPL) e fomos traídos”.
Embora pareça incrível – lembrando piadas de filmes cômicos de guerra –, aconteceu. Em São Paulo.
5. O melhor sobre o já saudoso Marcio Moreira foi dito por Orlando Marques, presidente do Grupo Publicis no Brasil e atual presidente da Abap: “Como publicitário e como presidente da Abap, eu quero dizer uma palavra sobre esse gigante que acaba de tombar: Marcio foi um dos maiores e mais talentosos representantes da nossa espécie.
Eu o vejo de fato como um monstro sagrado que engrandeceu e honrou como poucos essa nossa atividade de fazedores de anúncios, construtores de marcas que é esse animal publicitário que existe dentro de nós. Deixa um legado do qual todo publicitário brasileiro tem que se orgulhar. Ele foi o precursor, o abridor de caminhos, o cara que falava inglês fluente quando todos nós mal lidávamos com o português…
Que pena perder um gênio da raça como esse…
Perdem a McCann, a WMcCann que ele sonhou e ajudou a fazer, as marcas que ele construiu, perdemos nós uma fonte de inspiração e um carregador das nossas bandeiras”.
Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2503 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 23 de junho de 2014