A publicidade brasileira entrou na temida era das “supernegociações” de contratos entre anunciantes e fornecedores. Comuns em outros países, as áreas de procurement ou “mesa de compras” vieram para ficar. Estima-se que pelo menos entre 40% e 50% dos anunciantes do Brasil já se utilizem da “mesa de compras” para negociar preço com os fornecedores que compõem a cadeia da comunicação.
A mudança é profunda e ambos os lados do balcão admitem que há prós e contras. O que fica claro é que tudo funciona melhor quando a área de marketing se dá ao trabalho de entrar em cena e participar da estruturação do preço no segmento. Cada vez menos a mesa de compras trata a comunicação da empresa como se comprasse borrachas ou parafusos. Este mito cai, gradativamente – embora ainda exista, em alguns casos – e entra em cena um processo melhor estruturado.
Entre os prós, para alguns anunciantes, há o alívio de não ter mais que sentar e negociar preço. “A área de compras torna a relação entre fornecedor e cliente estritamente comercial. Isso é bom e vejo minha área de compras como uma aliada. É útil, preserva a relação com a agência, não há o desgaste que havia antigamente”, disse João Ciaco, presidente da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e diretor de publicidade e marketing de relacionamento da Fiat.
Mas nem tudo são flores nesse processo. Muitas vezes, o alívio gerado para alguns profissionais de marketing é na realidade um ato de covardia. Gustavo Diament, vice-presidente de marketing da Nextel, que implantou o procurement em 2010, não acredita em concorrências e não permite que sua área de compras desidrate os orçamentos ao máximo. Muitos profissionais de marketing estão comemorando o fato de “a bomba ter saído de seu colo”. “O futuro é a concentração cada vez maior na mesa de compras e não haverá volta ao modelo antigo. Mas o marketing não pode se esconder atrás da mesa de compras. Não é justo. Infelizmente isso ainda acontece muito”, disse. Para ele, o essencial é que os anunciantes busquem, hoje, parceiros de negócios.
Para as agências, é colocado como ponto negativo a frieza com que se trata uma área que trabalha com fatores considerados menos tangíveis, pertencentes ao plano das ideias. Como valorizá-las? Como reduzi-las a homem/hora? Quanto compor o preço de uma excelente ideia da minha agência, que talvez revolucione o negócio do meu cliente? Luiz Lara, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), concorda que há hoje uma enorme pressão das empresas na questão dos custos e um papel mais fortalecido da mesa de compras. “Mas, nas concorrências, ainda prevalece o critério técnico e são chamadas a negociar seus honorários com maior pressão, que se estende aos parceiros de produção. Aí cabe nosso papel de defendermos a qualidade do nosso trabalho, a necessidade de uma boa remuneração para termos talento e criatividade, a defesa permanente dos parâmetros do Cenp e a garantia da boa execução do brilho de uma ideia pelos parceiros de produção. Podemos ter certa flexibilidade negocial, mas temos que saber conciliar, respeitando os parâmetros do Cenp, a capacidade de construir e posicionar marcas, com a nossa rentabilidade enquanto agência”.
Positivo
Alguns executivos de agência já veem o movimento da mesa de compras como positivo, porque justamente obriga as agências a deixar a subjetividade de lado e gerir melhor seus negócios. É o momento das agências valorizarem de verdade o que oferecem e provar seus custos e margens. “Os departamentos de compras estão absolutamente por dentro de nosso negócio, sentam conosco para falar de cases, criatividade e marketing. As agências têm que encarar o fato e aprovar nossos custos e margens. Nossos clientes buscam o lucro em suas atividades e isso não é diferente e nem um pecado para um parceiro estratégico como sua agência”, garantiu Marcio Oliveira, vice-presidente da Lew,LaraTBWA.
Ele acredita que ideias são sim mensuráveis e valoráveis. “Se meu produto é ideia, então minhas máquinas são pessoas. E se o cliente forçar muito a redução de custos corta-se as ‘máquinas’ e ele, cliente, sairá perdendo. Então, qual é a solução? Falando a linguagem de compras, vamos mudar o diálogo da redução de custo para a precificação do valor. Precificar valor é mostrar ao cliente o ganho. Atrelar seus resultados ao dele”.
Oliveira sugere, por exemplo, que a remuneração da agência passe a ter uma parte variável atrelada ao bônus dos principais executivos de marketing e área comercial dos clientes. “Se a empresa deles determina KPIs (Key Performance Indicator – medida ligada ao desempenho de um produto/marca) para pagar esses bônus é porque espera deles um tipo de performance, certo? Então, por que não esperar o mesmo tipo de performance de sua agência estratégica de comunicação?”, questiona.
Jogo
Orlando Marques, ceo e presidente da Publicis Brasil, disse que a mesa de compras faz parte do jogo na busca pelo lucro e que não é um mal em si, quando colocam o marketing para participar da conversa e da decisão sobre comunicação. “A mesa é ruim se objetiva unicamente o menor preço e a decisão for tomada por um especialista em compras, apenas. Já lidei com as duas realidades, e do lado das agências é preciso ter preparo dos negociadores”, observou.
Sergio Amado, presidente do Grupo Ogilvy Brasil, disse que a mesa de compras, no final do dia, é o cliente. “Não precisamos ter receio de que a mesa não é necessária. É necessária e nós também temos que ter a nossa mesa de compras”. Ele concorda que o time da agência tem que estar bem preparado para conhecer, sustentar, defender e, sobretudo, estimular a discussão em busca de uma boa negociação para ambos os lados.
Hábito do mercado norte-americano e exacerbado pela crise econômica, a mesa de compras de solução pontual torna-se praxe. Martin Montoya, presidente da WMcCann, afirmou que é preciso ver o processo com cautela. “Precisamos tomar cuidado porque estamos passando do ponto de equilíbrio e indo para o outro extremo, em que a pressão financeira é tão grande que afeta a qualidade. Não há dúvidas de que a pressão gera impacto na qualidade. Ideias de qualidade valem mais. Naturalmente, há clientes que entendem isso. Mas há outros para quem apenas as metas financeiras interessam. Nesses casos, a qualidade cai. Temos que olhar para isso com visão de futuro”, disse Montoya.
Gustavo Diament, da Nextel, reconhece que há um risco de queda da qualidade do produto criativo, apertado pela mesa de compras. “Deve acontecer uma deterioração do produto criativo e a ficha cairá coletivamente. Só então deve haver uma volta a uma consciência maior em torno da qualidade. Porque em última instância, menor qualidade na comunicação pode deteriorar o valor da marca – e isso corrói o valor da empresa”.
Ciacco, que montou na ABA um comitê dedicado à área de procurement, interrompeu o diálogo com as produtoras no momento em que elas manifestaram o desejo de aumentar seus preços. “Não concordamos com definições unilaterais. Não se pode definir aumento de custos no momento em que estamos discutindo a redução de custos. Mas é claro que continuaremos conversando”, disse Ciaco.
Na opinião de Sônia Piasa, diretora executiva da Apro (Associação Brasileira das Produtoras de Audiovisual), o processo é de extremo desgaste tanto para as produtoras quanto para o próprio cliente. “Principalmente quando ele resolve falar diretamente com as produtoras, achando que com isso vai diminuir os custos de produção”, comenta. Segundo ela, cada filme é único e autoral, com isso, podendo ter três orçamentos totalmente díspares dependendo da visão do diretor. “Querem e já nos chamam de insumos de produção de imagem e som, mas sabem que não somos. Estamos mais para artesãos que para linha de produção. O desgaste é muito improdutivo”, afirma.
A Apro tem recomendações claras para a situação: “As produtoras não devem falar diretamente com a mesa de compras. Devemos ter como nosso interlocutor o RTV da agência, pois é ele que entende de produção de filmes, que recebeu o briefing da criação, que participa do processo de criação de uma obra publicitária quando ela ainda não está sequer no papel, não o comprador de insumos de uma mesa de compras”, disse Sônia.
O processo de negociação longo muitas vezes acaba tirando tempo da produção. O presidente da Aprosom (Associação Brasileira das Produtoras de Fonogramas Publicitários), Kito Siqueira, concorda que a pressão por custos compromete a qualidade do trabalho. A Aprosom posiciona-se totalmente contra a mesa de compra. “Não adianta fazer com custo mais barato se compromete o resultado final. No caso do áudio eu acho uma visão míope, pois o áudio tem uma importância muito grande e, em termos percentuais, representa muito pouco no meio de uma produção”. O custo do som representa entre 3% e 7% do orçamento de um filme, por exemplo. “O custo do áudio é muito pequeno. Acaba espremendo as produtoras e comprometendo a qualidade final. O áudio tem a música que fala o nome do produto, o preço, tem os efeitos, é fundamental para o resultado global do trabalho e é um investimento muito pequeno dentro do total. A mesa de compra tem a intenção de achatar ainda mais esses valores, mas a música é um talento que não dá para ser medido como um insumo industrial”, completou Siqueira.
*colaborou Ana Paula Jung