“Não existe almoço grátis.” A máxima popularizada pelo economista Milton Freedman defende a ideia de que nenhum resultado pode ser obtido sem esforço ou trabalho. Nesse sentido, o número pequeno de Leões brasileiros em categorias que valorizam a tecnologia e a inovação não surpreende em nada os criativos da área. Há um consenso entre os profissionais de que o país está muito atrás de Estados Unidos, Reino Unido e Ásia em relação às soluções criadas para um novo tipo de economia que exige maior proximidade com o dia a dia dos consumidores, mais do que atender somente os anseios das marcas.
Até mesmo André Chueri, presidente da Isobar Brasil, única agência brasileira a classificar um case no shortlist de Innovation, revelou ao propmark, ainda em Cannes, que vê o Brasil atrasado no desenvolvimento de ideias inovadoras dentro do mercado publicitário. “A indústria brasileira está pouco orientada na entrega de inovação aos clientes. O Brasil inscreve muitas peças em categorias de mídia tradicional como Press e Outdoor, mas nas categorias que envolvem inovação e tecnologia ainda estamos na rabeira. Se não houver uma mudança de pensamento, podemos perder relevância no festival. Não dá mais para criar coisas que não fazem mais sentido para a vida das pessoas”, afirma.
A própria Isobar Brasil ficou sem Leão pelo case “Safe Key”, desenvolvido para a Fiat, porque os jurados concluíram que, apesar de ser uma boa ideia, a chave que impede o carro de ser ligado caso o motorista tenha consumido álcool não resolve o problema proposto – evitar acidentes ocasionados por motoristas embriagados. Para acionar a tecnologia, o motorista precisa assoprar voluntariamente a chave. “É criativo, mas não ficamos convencidos se a chave representa uma solução real”, explicou o presidente do júri de Innovation, Nick Raw, líder global de criação da R/GA.
O Grand Prix da categoria ficou com a startup What3Words London pelo projeto institucional “3 Words to Adress the World”, um aplicativo que cria endereços em todas as partes do mundo a partir de códigos formados por três palavras de fácil memorização em vez de números complicados. A ideia é substituir coordenadas por um tipo de informação mais acessível ao compreedimento de todos e que pode ajudar inclusive em trabalhos de ajuda humanitária em locais remotos do planeta. O fato curioso a ser observado é que o maior prêmio de inovação do festival mais tradicional da publicidade não foi para uma agência, mas sim uma startup.
No ponto de vista do diretor de criação da Grey Brasil, Adriano Matos, uma das deficiências observadas no país é justamente a distância que existe entre as agências de publicidade e as empresas de tecnologia. “O mercado brasileiro dialoga muito pouco com startups. Ainda precisamos amadurecer nesse sentido e conversar mais com laboratórios de tecnologia e desenvolvedores de produtos, por exemplo”, analisa. “O Brasil tem uma força e uma fraqueza. A força é que somos um país extremamente criativo. A fraqueza é ser um país que investe muito pouco em tecnologia. Há uma alta correlação entre o ranking de Leões inovadores e o investimento em tecnologia”, afirma Matos.
De fato, segundo o World Competitiveness Yearbook, ranking de desempenho em inovalação tecnológica dos países, elaborado pela IMD Foundation Board, entre 60 países avaliados, o Brasil aparece em 56º lugar no mundo, atrás de Estados Unidos e Reino Unido (principais vencedores de Leões nas categorias mais tecnológicas de Cannes) e também de Suécia, China, Índia e Malásia, além de vizinhos latino-americanos como Chile, México e Peru. “Existe uma atrofia tecnológica no Brasil”, opina Matos.
Silmo Bonomi, diretor-executivo da VML, concorda com a análise. “Temos um problema grave de infraestrutura. É muito mais fácil a China, por exemplo, ganhar um Leão de inovação do que o Brasil. Temos dificuldades até mesmo de banda larga, conexão. Inovar custa caro e leva tempo”, afirma o criativo.
Perda de terreno
Fora o desempenho fraco no festival Lions Innovation – o país ganhou apenas um Leão de bronze em Creative Data com “Conhecendo Murilo”, da Mood para a marca Huggies, da Kimberly
Clark e nada em Innovation –, o Brasil perdeu espaço em categorias do Cannes Lions mais voltadas à tecnologia e à integração digital como Titanium & Integrated, que concedeu os dois Grands Prix a trabalhos criados nos Estados Unidos – “Re2pect”, da W+K Nova York para a Jordan Band e “Emoji Ordering”, da CP+B para a rede de pizzarias Domino’s.
No entanto, o maior golpe veio na categoria Mobile, na qual o Brasil, no ano passado, havia vencido o Grand Prix com a FCB Brasil e mais 11 Leões e este ano ficou sem nada. A presidente do júri, a brasileira Joanna Monteiro, chegou a acusar os jurados de analisar os trabalhos por um viés exageradamente tecnológico (leia mais na pág. 13), justamente a fraqueza apontada no Brasil. O GP de Mobile, inclusive, ficou com a house agency do Google pelo case “Cardboard”, um produto de realidade virtual. Dos 57 Leões em disputa na categoria, os Estados Unidos conquistaram 23.
“Estamos em nível muito atrás. Criação não é mais uma exclusividade de agências. Antes, pessoas talentosas e criativas emprestavam seus talentos à publicidade. Agora o cenário está mudando. A criatividade virou forma, conteúdo e tecnologia”, observa Bonomi.
O diretor-executivo de criação da VML ressalta que a criatividade ainda é o elemento mais importante e essa é a esperança do Brasil, porém alerta que há poucas perspectivas positivas nas áreas de inovação dos grandes festivais. “Não é só a tecnologia que traz a inovação, mas por um bom tempo veremos grandes cases de tecnologia ganhando esses prêmios”, aposta.
Na opinião do publicitário Rodrigo Toledo, que depois de seis anos na J. Walter Thompson assumiu o desafio de trabalhar com uma nova proposta de publicidade ao COO da Santa Clara, o modelo de negócios da indústria da propaganda no Brasil cria obstáculos para uma mudança que priorize projetos de inovação demandados pela nova economia. “Nosso mercado ainda está muito voltado para a compra de mídia. Além disso, anunciantes e empresários brasileiros não estão preparados para a criação de soluções tecnológicas”, diz.
Segundo Toledo, o modelo publicitário operado no Brasil é baseado no cálculo do investimento e quantos consumidores serão impactados por determinada campanha, valorizando primeiramente métricas como viewability, cliques em anúncios e números de audiência. Para se destacar em inovação, no entanto, seria preciso se desprender dos relatórios de retorno sobre os investimentos. “Ainda não estamos preparados para remunerar a verdadeira criatividade. A inovação passa por tecnologia ou não. Há produtos e campanhas inovadores que não são altamente tecnológicos e funcionam por máquinas. Mas, quanto vale uma grande ideia?”, provoca.
Para Toledo, a ambição de inovar nas criações de soluções reais como plataformas, aplicativos e produtos tecnológicos que também comunicam acabaria mudando a maneira como as agências seriam remuneradas. Uma saída seria por participação nos lucros do cliente com o projeto desenvolvido pela agência. “Um modelo parecido com sociedade mesmo”, acredita. “Criar inovação é trabalhoso, custoso. Precisa ter sangue no olho e contratar praticamente um exército. E quem está disposto a pagar para ter um exército?”, deixa no ar o publicitário da Santa Clara.