“Sem mimimi, mulheres.” “Vocês são devagar, homens.” Citando o mote de duas campanhas publicitárias que neste ano foram acusadas de sexismo – a primeira do medicamento para cólicas Novalfem, criada pela Publicis Brasil, e a segunda, da Bombril, assinada pela DPZ&T – é possível fazer uma comparação rápida da publicidade brasileira com um ringue onde gêneros se enfrentam, protegidos pelo escudo do bom humor, em uma disputa que em nada contribui para a igualdade entre homens e mulheres.
Atenta ao cenário, a Heads Propaganda lidera desde o início do ano um projeto sobre empoderamento feminino e equidade de gênero. Em abril, a agência se tornou a primeira empresa de publicidade signatária dos princípios da ONU Mulheres na América Latina, com o objetivo de estimular a igualdade de gênero no mundo dos negócios e na mídia. Carla Alzamora, diretora de planejamento da Heads e líder da iniciativa, acredita que, no caso específico da Bombril, houve um equívoco.
“Ela mostra um desvio de entendimento nas questões que a gente vem levantando sobre como representar os gêneros na publicidade. Quando a gente fala de representar a mulher de um modo mais justo, um caminho óbvio é inverter a balança. E inverter esse poder nada mais é do que colocar uma mulher em posição de superioridade. Quando você coloca a piada com a mulher como diva e o homem como devagar, por mais que a gente entenda de onde veio a ideia, trata-se de uma questão cultural que precisa ser mudada.”
Já Marcos Scaldelai, presidente da Bombril, declarou, durante o 6º Fórum de Marketing Empresarial, que o filme é apenas uma brincadeira. “Fizemos esse trabalho sem a intenção de denegrir a imagem de alguém. É uma brincadeira que ocorre no dia a dia. Se fosse sério, colocaríamos a Fátima Bernardes e não a Ivete com outras duas humoristas”, explicou Scaldelai. O executivo falou ainda de hipocrisia. “Olha como esse país às vezes é hipócrita. O filme só coloca as mulheres brincando com o público masculino”, disse, esquentando ainda mais a polêmica envolvendo o novo comercial da marca, que acabou parando no Conar.
De um lado, homens que reclamaram de “discriminação de gênero” e consideraram a campanha “uma ofensa à figura masculina”, do outro, mulheres não gostaram de ser ver como protagonistas das tarefas domésticas. “Quando a gente fala de empoderamento feminino é porque esse é um meio para alcançar a equidade de gêneros. Para ter um equilíbrio, a gente tenta minimizar algumas questões, como ridicularizar um gênero ou outro, que não contribui em nada para a equidade ”, defende Carla, que é responsável também por conduzir, na Heads, um estudo sobre campanhas publicitárias na TV.
Pesquisa
A pesquisa de representatividade, intitulada Um olhar crítico sobre a Publicidade Brasileira, analisou, durante uma semana, 100% dos comerciais veiculados nacionalmente na Globo e no canal a cabo Megapix. Ao todo, mais de 2.823 inserções comerciais, 256 marcas, 42 segmentos de mercado, 242 programas de TV e 84.960 segundos de publicidade foram analisados.
Ainda em fase de conclusão, o estudo já revela alguns dados importantes: 28% das amostras analisadas estereotipam algum gênero, 12% empoderam, 5% usam a ideia de que para empoderar precisam diminuir e 55% são neutros. Dentro dos comerciais que estereotipam, 55% mostram mulheres sendo estereotipadas. “Seja pelos papéis limitados, padrões de beleza e comportamento inatingíveis ou a conhecida objetificação de campanhas de cerveja que comparam o corpo feminino à bebida”, explica a executiva.
O estudo mostra, ainda, que os segmentos que mais estereotipam são bebidas alcoólicas, alimentos, produtos de limpeza e varejo. Do outro lado, estão os anúncios que empoderam os dois gêneros, que somaram apenas 12% dos avaliados.
Para Carla, a publicidade passa a promover a igualdade entre os gêneros no momento em que compreende que se trata de uma questão cultural, que precisa ser mudada no âmbito cliente versus agência. “As agências precisam rever o processo criativo, a análise do cenário, os caminhos estratégicos, as referências. E o cliente também. Algumas marcas, inclusive, precisam rever sua cultura – se ela não está mais em sintonia com o que o mercado quer, ela vai ser prejudicada”, comenta Carla. “O Brasil se nivela a outros países que têm uma cultura machista enraizada. Não acho que exista um país livre de cometer erros, mas alguns já deram um passo à frente”, acrescenta.
#SemMiMiMi
Com a ideia de transmitir a mensagem de que o analgésico Novalfem, do laboratório Sanofi, pode acabar com os desconfortos das mulheres por cólicas menstruais, dores de cabeça e enxaquecas, a ação criada pela agência Publicis chamou a celebridade Preta Gil para estrelar um videoclipe intitulado “#SemMimimi”. O comercial, lançado em junho, foi definido como machista ao reduzir esses tipos de problemas enfrentados pelas mulheres a “Mimimi”, causando repercussão negativa nas redes sociais e levando a marca a retirar a propaganda do ar após avaliar a opinião das consumidoras. “Algumas coisas não são mais aceitáveis, e quem não entende isso, não vejo explicação melhor, desperdiça dinheiro e precisa tirar uma campanha do ar”, comenta Carla, que contribuiu ainda para a criação do quadro ao lado, que mostra campanhas que acertaram e outras que erraram a mão neste sentido.
Igualdade salarial
Outro assunto em discussão no que diz respeito à igualdade entre gêneros no mercado, incluindo a publicidade, é a composição das empresas e a igualdade salarial. Na Heads, a causa é definida internamente – entre os 200 funcionários dos escritórios de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, 60% dos funcionários são mulheres.
Nessa mesma esteira, a DM9DDB, no primeiro semestre do ano, desenvolveu um projeto que visa valorizar as empresas que demonstram promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. A agência se destacou dentro DDB Worldwide com o projeto “The Same Salary Project”. A criação foi a vencedora da primeira edição do Ideathon – desafio proposto pela holding com o tema “desigualdade entre gêneros” que contou com a participação de 22 agências DDB da América Latina.
Com uma proposta de tecnologia bastante atual, “The Same Salary Project” utiliza Big Data e propõe, por meio de uma ferramenta online, captar dados anonimamente e identificar a desigualdade salarial entre gêneros em cargos semelhantes, em empresas de diferentes países do mundo. A partir dos dados coletados, um índice será gerado e as organizações que demonstrarem uma maior igualdade salarial entre gêneros ganharão o selo “The Same Salary Company”.
Eles Por Elas
Na mídia, o canal GNT vem desenvolvendo, em apoio à ONU Mulher, a campanha “#ElesPorElas”, versão brasileira da mundial “#HeForShe”. O objetivo é conscientizar sobre a importância do empoderamento feminino e a igualdade de direitos entre homens e mulheres com a coleta de 100 mil assinaturas masculinas de adesão à causa. O canal preparou um pacote de ações para mobilizar seu elenco, estudiosos, pensadores sobre o assunto, empresários e interessados no tema. “O GNT vem acompanhando o universo da mulher há anos e, por isso, enxergamos a importância de disseminar essa causa”, afirma Daniela Mignani, diretora do GNT. Desde o lançamento da campanha “#HeForShe” em Nova York, já são mais de 326 mil adesões registradas, sendo que o Brasil é o líder do ranking de adesões nas Américas do Sul e Central.
Glass Lion
Este ano, pela primeira vez, o Festival de Cannes teve uma premiação para valorizar os trabalhos mais relevantes no incentivo à igualdade de gêneros, a categoria Glass Lion: The Lion for Change. Segundo a organização do festival, o dinheiro arrecadado com as inscrições da categoria será doado para um programa de apoio à neutralidade do tema de gênero na mídia. A campanha “180 Make up Line”, da NewStyle para Avon, que abordou a luta pelo fim da violência contra mulheres, foi shortlist da categoria.
Confira o que ‘vai bem’ e o que ‘vai mal’ segundo Carla Alzamora, diretora de planejamento da Heads e líder do projeto sobre empoderamento feminino e equidade de gênero.
Vai bem
Like a Girl – Always
A campanha levou um GP em PR no Festival de Cannes de 2015 e foi divulgada no intervalo da final do Super Bowl. Criada pela Leo Burnett, “Like a Girl” convida algumas pessoas a fazerem coisas “como uma menina”. Adultos e um garoto fizeram gestos de forma caricatural, mas as crianças chamam a atenção por realizar as ações com orgulho.
Caixa – Mais do que ganhar
Mostra mulheres e homens igualmente fortes, esforçados, superando seus desafios e vencendo seus objetivos. A campanha criada pela Heads reforça o apoio da Caixa ao esporte, seus investimentos nas confederações esportivas e nos atletas brasileiros. O objetivo foi destacar os atletas homens e mulheres, profissionais ou não.
https://youtube.com/watch?v=_k3R7qq1E0Y
Budweiser – Ronda Rousey
Ronda Rousey sempre se manteve obstinada em ser a melhor. Manteve suas raízes e acreditou em quem ela era. Budweiser, a cerveja oficial das Sports Nights, apoia a lutadora de UFC e, em um vídeo criado pela Africa, mostra cenas do treino da atleta. De forma positiva, a marca consegue alinhar seu posicionamento com a determinação de Ronda.
Vai mal
Schin – Oktoberfest 2015
O vídeo, de criação da Leo Burnett Tailor Made e produção da Cine, estereotipa e extrapola a questão da representação da mulher. A população de Blumenau se manifestou e falou de boicote para mostrar para a Schin como a propaganda é ofensiva. Resultado: ficou poucas horas no ar, dinheiro jogado fora e uma marca arranhada.
iFood
Ao mesmo tempo em que tentam mostrar uma mulher decidida, os filmes mostram um homem idiotizado que depende dela ou da mãe para tomar uma decisão simples como escolher comida. A NBS assina a campanha, que mostra como o consumidor pode fazer pedidos de forma muito fácil usando o humor em uma situação cotidiana.
Sazon
O comercial “Mau Olhado”, criado pela Dentsu, traz a atriz Guta Stresser como protagonista. Entre os problemas identificados, dois se destacam. Primeiro, o produto é tido como um herói – se cozinhar com Sazon, a consumidora vai conseguir segurar o namorado. E ainda estimula a competitividade entre as mulheres, o que é chamado de falta de sororidade.