“No meu tempo era melhor”. Quem nunca ouviu tal frase? No contexto da propaganda e do marketing, há um sentimento de nostalgia misto. Muitos sentem falta do passado. Outros sabem que antigamente a publicidade era cruel de diversas maneiras.

Os tempos mudam, a atividade publicitária também. Pensando nisso, PROPMARK ouviu alguns nomes do mercado para saber quais campanhas eles amam, mas não passariam hoje. Aqueles cases clássicos, mas extremamente datados.

Algumas das campanhas questionadas hoje em dia foram criadas ou tiveram a participação de Washington Olivetto. O clássico “Meu Primeiro Sutiã” ainda rende discussões no Youtube. “Pedofilia”, dizem alguns. “Se tirassem o cara olhando pra ela na rua como se fosse algo legal, o comercial seria perfeito”, comenta outro.

Propaganda infantil

Perguntado sobre o tema, Olivetto escolheu um clássico. “Gosto muito dos comerciais da ‘Menina da Melissinha’, brilhantemente escritos pela Camila Franco e muito bem dirigidos pelo Julio Xavier da Silveira, nos anos 80, quando eu era diretor de criação da DPZ. Nesses comerciais, que fizeram enorme sucesso e venderam milhões de pares de sandalinhas acompanhadas de pochetezinhas e reloginhos, uma menina sapeca e irreverente infernizava a vida da sua professora”, conta.

Para Olivetto, hoje esses comerciais seriam acusados de “incentivadores da deseducação infantil”. Se ele acha justo? “Não acho bom que comerciais como os da ‘Menina da Melissinha’ não possam ser feitos nos dias de hoje. Eles continham atuais e com uma qualidade criativa de alto nível, com situações extraídas da vida real e bom humor, coisa que nunca fez mal a ninguém”, reflete.

Rafael Pitanguy, VP de Criação da Y&R, tentou não pensar muito na resposta, para que a campanha viesse da maneira mais espontânea possível e sem muitos filtros. “O que me veio instintivamente foi toda a sequência da campanha de tartarugas da Brahma”, relata. A comunicação, conta Pitanguy, foi veiculada antes de seu primeiro estágio. “Logo, eu fui impactado apenas como consumidor. Lembro do quão leve e divertidas eram as campanhas e de como foram comentadas. Lembro também de como as crianças adoravam”, explica.

“Aí penso outra vez e percebo que elas realmente não poderiam ser veiculadas hoje. Além da não autorização formal pelo Conar […] há também um compromisso social maior onde consumidores adotam cada vez mais um papel fiscalizador do que é ou não ético. O que a principio pode parecer que está diminuindo o espaço e a voz da publicidade, a meu ver, está na verdade aumentando o espaço e a voz da sociedade”, constata.

Inaiara Florêncio, diretora de Social Media da SunsetDDB (Divulgação)

Para Inaiara Florêncio, diretora de Social Media da SunsetDDB, hoje o mercado é mais consciente sobre os impactos da comunicação. “Acredito que é possível fazer uma publicidade responsável, levando em consideração a autoridade que os pais precisam ter na educação dos seus filhos e qualidade de vida dos mesmos”, analisa. Para ela, a clássica – e polêmica – campanha do chocolate Baton, da Garoto, feita nos anos 90, não passaria nos dias de hoje.

“Eu me lembro da menina falando ‘Compre Baton’ toda vez que como ou vejo nos pontos de venda. Eu lembro que minha avó sempre voltava da rua com Baton pra minha irmã e eu, então tenho uma memória afetiva mesmo. Sem dúvida a estratégia usada ajudava a fixar a mensagem na mente das pessoas”, analisa.

E por que não passaria hoje? “Basicamente, porque a propaganda era feita por uma criança que interpretava uma ilusionista e hipnotizava as pessoas usando o chocolate como um pêndulo e repetindo insistentemente a frase ‘compre baton, compre baton, o seu filho merece baton’. Hoje as marcas são cada vez mais desafiadas na busca de relevância, verdade e propósito. Sendo necessário pensar em todos os pontos de atrito com o consumidor, que hoje tem o poder de responder nas redes sociais e amplificar discussões que antes não se tornavam grandes pautas em outros canais”, argumenta.

Realmente, a propaganda direcionada para as crianças era, no mínimo, curiosa. O que dizer do clássico “Não esqueça minha Caloi”?

“Muito antes de nós falarmos em campanhas integradas, esse case já demonstrava poder de guerrilha. Cada anúncio das revistas infantis se transformava em um adesivo para ser colado pelas crianças em objetos dos seus pais. Naquela época, como consumidor, eu fui atingido pela campanha, tendo inclusive tentado o engajamento dos meus pais colando um adesivo na bolsa da minha mãe”, recorda Wid Souza, associate creative director da WPP Red Fuse New York.

“A campanha era extremamente eficaz, em um momento em que a discussão sobre as restrições da propaganda infantil não tinha ganhado força. Propagandas como essa transformavam crianças em porta-vozes de marcas que estimulavam única e exclusivamente o consumo. Hoje, com o grande debate sobre os limites da propaganda infantil, uma campanha como essa não poderia existir”, analisa.

Ainda no campo infantil, Paulo Areas, sócio e CCO da ForeverBeta, lembra que cresceu empurrado pela televisão em direção a uma ignorância coletiva imposta, que só poderia ter sido vencida pelo diálogo. “Mas não havia diálogo”, rememora. E na falta do diálogo, os grandes canais de televisão determinavam as regras. “Hoje, olhando para trás, eram tantas coisas fundamentalmente equivocadas que me parece quase injusto falar apenas de propaganda. A propaganda era um reflexo da sociedade que a gente comprava na telinha. Começando segunda pela manhã, com crianças disfarçadas de mulheres, até domingo a noite, com o humor que difamava classes e raças. Aquilo estava tudo errado”, reflete.

À época, como todo mundo, Areas também se deixou levar pela pouca informação. “E entre outro equívocos, me enamorei das mulheres das propagandas de Bombons Garoto. Não fui capaz de entender que aqueles meninos de 10 anos, apaixonados por mulheres mais velhas, estavam, na verdade, alimentando a cultura de objetivização. Mas ainda era uma criança, não fui capaz de questionar. E menos ainda, de entender as consequências daqueles 30 ou 60 segundos, somado a tantos outros”, lamenta.

“Felizmente, não vejo mais espaço para propagandas assim. A evolução da comunicação por fim ajudou que o consumidor tivesse voz, tornando possível muitos questionamentos às marcas. A sociedade empurrou (e está empurrando) as empresas a serem mais repensáveis com seu público”, completa.

Cigarros

Além das crianças, outro tipo de propaganda polêmica é lembrada com saudade por muitos criativos: os comerciais de cigarro. Ricardo John, CEO/CCO da FCB Brasil, é fã das campanhas do Hollywood. “Mas hoje elas não seriam aprovadas por diversas razões e a principal delas é que o cigarro é um vilão mortal. As campanhas da época (de 1973 a 1998), glorificavam o mundo do fumante com foco principal na juventude amante de rock e esportes radicais”, relembra.

Ricardo John, da FCB (Reprodução/Instagram)

Era um verdadeiro case de branded content, conta John. “Hollywood lançava artistas, festivais, músicas, sempre com uma produção impecável. A mais famosa delas tinha como trilha Sonora ‘Breaking All the Rules’ de Peter Frampton. Vendo por este lado, eram incríveis. Conseguiam construir um imaginário que todo mundo gostaria de fazer parte. Era um marketing muito bem feito, infelizmente por uma causa polêmica. E começou a despencar em 1993 quando Kurt Cobain fez o pior show da sua vida ao descobrir que o festival que o trouxe ao Brasil era patrocinado por uma marca de cigarro”, conta John relembrando o show do Nirvana no Hollywood Rock daquele ano (sim, havia um festival de rock com o nome de uma marca cigarro). Relembre a propaganda mencionada pelo publicitário e a cena em que Kurt – e o resto da banda – tiram um sarro da marca Hollywood.

Outra que certamente não veria a luz do dia, conforme relata Gustavo Bastos, sócio e diretor de criação da Onzevinteum, é a campanha “O importante é ter Charm”, da DPZ para a marca da Souza Cruz.

Zaragoza em anúncio da marca Charm (Reprodução)

“Se Charm fosse um automóvel e não um cigarro, essa campanha estaria no ar até hoje. O auge dela foi o anúncio protagonizado pelo Zaragoza. O filme da mesa de sinuca, em que o cara faz aquela pose e depois rasga o feltro é muito bom também. Amo”, revela.

Diversidade

Outro ponto que a comunicação de hoje se preocupa é a diversidade. Alex André, da área de planejamento da Grey Brasil, é fã das campanhas de Nescau. Mas, o publicitário tem lá suas ressalvas. Os filmes, conta o publicitário, sempre eram rodados em cozinhas e casas luxuosas com pessoas brancas. “No único comercial que lembro ter pessoas negras, elas eram moradoras de favela e os brancos novamente na casa luxuosa, mas na sua maioria sempre são pessoas brancas padrões, faltando assim uma enorme representatividade de consumidores como eu”, analisa o publicitário. “Parece que os negros não tomam café da manhã, não se divertem ou não moram em boas casas”, comenta.

Ricardo Silvestre, também publicitário, vê as campanhas de Qualy, com a família reunida, com bons olhos. “Porque é um momento importante pra mim, de conexão e proximidade com as pessoas que eu amo”, confessa. Entretanto, os filmes não trazem a representatividade defendida pelo profissional. “Em cada filme novo, a mesma cena tradicional, da família reunida ao redor da mesa, feliz e sem representar os 55% da população brasileira, que é negra”, comenta.

“Os consumidores cobram cada vez mais das marcas, a criação de campanhas que os representem principalmente no quesito diversidade. Se não representa o consumidor, ele não compra. Se ele não compra, a campanha não cumpre o seu papel. E se não cumpre o seu papel, é justo que ela não passe”, explica Silvestre.

Ricardo Silvestre (Divulgação)

Mas não só a inclusão racial é necessária nos novos tempos. Para Douglas “Dogura” Kozonoe, diretor de criação executivo da Cheil Brasil, o universo predominantemente masculino não seria aceito nos dias de hoje. “Gosto daquele filme icônico da Talent, ‘Bonita camisa, Fernandinho’. Marcou uma geração e virou um jargão popular”, revela. Por que não passaria? “Um board diretivo de uma empresa formada somente por homens brancos, onde a única mulher é a secretária. Felizmente hoje, essa realidade mudou”, celebra. “Não é mais sobre ser justo ou injusto com o criativo. A comunicação é o reflexo da sociedade, ajuda a formar pessoas e é nossa obrigação passar mensagens e valores que condizem com a época em que vivemos. Ainda dá pra ser divertido, mas sem ser incorreto”, complementa.

Para Marlon Klug, sócio e diretor da Fantástica Filmes+Vfx, a política entraria no crivo dos dias de hoje. Ele relembra o clássico filme sobre os presidentes do Brasil lançado pela Folha de S. Paulo, assinado pela W/Brasil e datado de 1997.

“O texto é brilhante e faz as vezes de crônica da vida pública, coisa que não se faz mais hoje em dia”, explica Klug. Por que não passaria hoje? “Porque nosso presidente vetaria dizendo que é perseguição da imprensa marrom contra ele. E que o Washington Olliveto é comunista”, finaliza.