Hunt: “Novas plataformas de distribuição se tornam uma ameaça para qualquer emissora, a menos que se esteja criando o próprio conteúdo”

 

O consultor americano Lee Hunt veio ao Brasil falar para o comercial e marketing da Globosat, dando exemplos de “dos and dont’s” na área, em uma era em que o conteúdo manda e o futuro dos canais está na competência de se tornarem curadores desse conteúdo. Hunt gosta de dizer que a inércia ainda é a melhor amiga dos canais de TV a cabo – a velha preguiça de mudar de canal. Confessa que ainda está assistindo “Breaking Bad” e adora “The Americans” (FX) e “Game of Thrones”. Trabalhou em várias emissoras e canais como VH1, TNT, MTV e montou uma empresa para aproveitar o boom do mercado de TV paga e ajudar no lançamento de diversos canais que foi comprada pela Razorfish e desde 2001, atua como consultor, com sua Dynamic Brands.

O Netflix é o elefante na sala. Boa parte da indústria se pergunta: “e agora”?
Sim, a indústria está mudando. E os espectadores lideram essa imensa mudança no negócio. As plataformas de internet são a maior preocupação, sendo que o Netflix é a maior. A Amazon e a HBO acabaram de firmar uma parceria, o que torna a Amazon um player mais robusto. E há o Hulu, que pertence a algumas redes de TV, mas que vem ficando para trás de todos os demais. No fundo essas novas plataformas de distribuição se tornam uma ameaça para qualquer emissora, a menos que se esteja criando o próprio conteúdo. Quando se cria conteúdo e quanto mais possibilidades de distribuição, melhor e maior o ganho em volume de espectadores.

Qual a importância de manter os números dos canais? A linearidade ainda faz sentido para esse espectador tão revolucionário?
O ambiente linear ainda faz diferença. Quanto menor o número do seu canal, maior o número de pessoas que o acessará. Isso ainda é fato. As pessoas têm, ainda, uma série de canais que tendem a seguir. Nos Estados Unidos as emissoras mais importantes estão nos primeiros números do dial. E a verdade é que a maioria dos telespectadores fica em uma determinada área na escala e não vai para muito longe dela. É um hábito antigo. E temos tido provas de que quando um canal é movido do 25 para 378, sofre com a queda de audiência. Porque num primeiro momento as pessoas não conseguem encontrá-lo. Claro que tudo isso começa a mudar com o IPG (Interactive Program Guides) e a possibilidade da busca, mas é um recurso ainda muito complicado com o controle remoto. Diferente da busca no iPad ou no computador.

Mas isso deve melhorar no futuro. Não estamos indo rumo a uma indústria movida a conteúdo e não canais?
Acredito que sempre haverá um equilíbrio entre o linear e o on demand. É como ter rádio no carro. Pode-se também ouvir CD ou o iPod no carro, há uma escolha. E às vezes queremos programar o que queremos ouvir. Mas em outras queremos que alguém escolha pela gente.

Isso tende a mudar em quanto tempo?
É difícil prever, mas podemos nos inspirar no que ocorreu com a indústria da música, da telefonia e encontrar paralelos com a indústria do vídeo de entretenimento. As coisas já estão se transformando muito rapidamente. Achei que as mudanças ocorridas nos anos 80 e 90 foram significativas e rápidas, mas agora algo novo acontece em pouquíssimo tempo – um novo desafio, uma nova oportunidade. Tudo depende, principalmente, dos decodificadores que teremos e dos recursos que estarão disponíveis. Existe um decodificador chamado “X2” que acessa tudo na nuvem. Seus recursos são praticamente ilimitados. Quanto tempo vai levar para todos serem assim, vai depender da velocidade das mudanças. Tudo depende, realmente, de tecnologia. Se a Apple fizer um acordo com a ComCast, mudarão a maneira como acessamos e assistimos TV, da mesma maneira que transformaram a forma como ouvimos música. O modo como usamos o telefone hoje é completamente diferente da era pré-iPhone e outros smartphones.

Qual é a maior preocupação dos canais e emissoras de TV hoje, quando o procuram para ajudá-los?
Todos querem saber como monetizar as novas plataformas. Há uma frase antiga de um dirigente da NBC que dizia: “não vou trocar dólares analógicos por digitais”. Em algum momento essa moeda digital vai ultrapassar os dólares analógicos, mas o fato é que até agora ainda não se encontrou a fórmula para ganhar dinheiro.

E qual é a fórmula?
Como saber? O que eu acho que faço bem é observar o que o restante da indústria está fazendo e procurar entender porque estão fazendo daquela maneira. Consigo conversar com os players e entender o que os motiva, o que os faz agir de uma determinada maneira, algo que um concorrente, por exemplo, nunca será capaz de fazer. Consigo compreender o que a TNT está fazendo, de que maneira, ou porque a Discovery está tomando determinadas decisões. Por que determinados canais estão fazendo diferente, que vantagens possuem? Analisando a indústria pode-se encontrar oportunidades que os concorrentes não viram, novos caminhos.

Quem está fazendo dinheiro com as novas plataformas?
Sem dúvida a HBO, mas ela tem uma situação única. Acredito que eles nem terão mais canal por assinatura nos próximos cinco anos. Ou talvez tenham uma rede de TV por assinatura, mas este não será o seu negócio. Se olharmos para a plataforma digital HBO Now, ela proporciona talvez a melhor experiência digital de qualquer emissora de TV. Poder acessar toda a sua biblioteca é incrível e não é possível em qualquer outra plataforma, onde o acesso é bem mais limitado.

Em seu workshop você defende vídeos promocionais de conteúdo dos canais no lugar de comerciais tradicionais. Por quê?
Sou um cara de promo, este é o meu histórico. Mas independentemente disso, penso que filmes promocionais ajudam o telespectador a decidir mais rapidamente se aguentará 30 segundos ou uma hora diante de um programa na TV. A amostra do conteúdo de um programa é mais potente do que um comercial. Quando se avalia que tipo de conteúdo em vídeo as pessoas mais assistem, em primeiro lugar estão trailers de filmes, e em segundo lugar estão os vídeos promocionais. O segundo motivo dos promos serem tão potentes é que se está falando com uma audiência disposta a ver aquele conteúdo. Se estou assistindo a uma série no GNT, um promo de uma outra série certamente vai me interessar. Ele gruda nos telespectadores. E outro motivo é que funciona como propaganda no ponto de venda. Está se falando de algo que vai acontecer nas próximas horas ou no máximo alguns dias. Quanto mais próxima a data de realização do evento à qual o vídeo promocional se refere, mais potente ele se torna. Se assisto algo que vai ao ar dali a cinco minutos, há grandes chances de eu ficar por lá mesmo. Eu diria que a inércia é nossa melhor amiga. Se você está assistindo ao meu canal, não quero que você faça nada além disso, quero que apenas fique sentado, aproveite, e se mantenha conectado ao próximo programa que virá.

Agências de propaganda produzem bons promos?
Precisamos especificar aqui que falo de promos de episódios de programas, que devem ser produzidos semanalmente. Eu diria que esses têm uma vida, em geral, de cerca de três dias. Um comercial deve, idealmente, ficar no ar umas 13 semanas. No caso dos promos, um volume excepcional de spots tem de ser produzidos. Um produtor de promos faz em média 30 spots por semana, bem mais do que uma agência costuma produzir. É outra escala. Precisa-se funcionar quase como uma fábrica: trabalhando rápido, de maneira eficiente e com muita criatividade inserida em um período muito curto.

Quais são os principais erros cometidos pelos canais?
Acredito que um dos principais refere-se a programas que começam a fracassar. As emissoras entram em pânico e começam a promovê-los mais, acreditando que esta seria uma das soluções. Mais promos. O que sabemos é que eles não podem salvar um programa fraco – pois se é ruim, morrerá por si só. Estamos apenas mentindo, tentando convencer alguém de que algo é bom, quando de fato não é. Isso coloca nossa marca em perigo, pois faz com que as pessoas duvidem dela. Outra tendência é promover excessivamente programas que serão um sucesso e deixarmos de lado aqueles que precisam de um empurrãozinho para chegarem lá. Para algumas atrações são realmente impactantes, fazem a diferença.

No fundo, o que importa mesmo é o conteúdo de qualidade, certo?
Sem dúvida. No final do dia, é o que importa. Como divulgá-lo, torná-lo conhecido entre as pessoas, é outra parte. Há programas ótimos dos quais nunca ouviram falar, seja porque não foram divulgados adequadamente, ou porque não estão na plataforma adequada.

Qual é, afinal, o futuro para as marcas neste cenário? Branded content?
Sem dúvida, em parte sim. Mas acredito que a tecnologia fará a diferença também. Se as pessoas odeiam os comerciais, certamente há momentos em que estão abertas a eles. Se quero comprar um carro, prestarei atenção a comerciais de carros. Mas se acabei de comprar um, não quero saber deles. No momento em que a publicidade na TV de fato fizer sentido para mim, sobre produtos que me interessam ou quero comprar, ela torna-se mais relevante, interessante e deixa de ser perda de tempo para o anunciante. Isso também vai transformar o tipo de conteúdo a que se assiste. É a outra parte de como a tecnologia pode transformar o processo. Em geral, acredito que voltamos aos velhos tempos da TV, que integrava marcas ao conteúdo. Patrocinar era parte do show. Nos anos 50 os canais não faziam programas. Os anunciantes sim, as agências de publicidade faziam. Canais eram distribuidores.

Por que manter as marcas dos canais fortes e relevantes?
Essa é a grande questão. As pessoas se perguntam: se um determinado programa não será exibido, para que investir na marca do canal? Mas o interessante de uma marca de canal é que ela se torne uma curadora de conteúdo. Há uma expectativa sobre o tipo de programa que se espera de um determinado player. E essa curadoria pode me dar alguma ideia do que esperar em termos de qualidade, pois pode-se relacionar a outros programas exibidos naquele mesmo canal.

Mas isso faz diferença para algumas poucas marcas, como Disney, HBO, Discovery, BBC, Nat Geo…
Pois é. No mundo linear, sempre tivemos canais muito “nichados”, lançados no final dos anos 1990 e início de 2000, e que foram bem no começo, mas caindo. Sabemos que as áreas comerciais precisam ampliar sua audiência a cada trimestre, e a única maneira de fazer isso é também ampliando a audiência. Ao mesmo tempo, canais muito amplos acabam não carregando nenhuma mensagem. O que eu acho é que nesse novo mundo as marcas não devem se posicionar como uma coisa só, ou defender apenas um determinado ponto de vista. Devem partir para uma curadoria, algo mais amplo e mais consistente.

E faz mais sentido construir marcas de canais, no lugar de emissoras e redes?
Eu diria que com o amadurecimento da indústria e mais dinheiro vindo para a TV paga, ajudando canais a produzir conteúdo original, com certeza. Há uma regra que chamo de “90/10”. A maior parte da força das marcas dos canais americanos por assinatura vem de apenas 10% de seu conteúdo. Porque a maior parte de seu conteúdo vem de filmes ou programas comprados de outras redes. Têm em média umas oito séries originais, ao redor das quais constroem sua identidade de marca. E pode ser que o maior retorno venha dos outros materiais, e não das séries originais. Ao longo do tempo, esse se manterá como a estratégia a ser seguida, porque filmes eu posso ver em qualquer lugar, virou commodity. Não há nada de exclusivo neles.