Diretor de criação da Lew’LaraTBWA, Felipe Luchi irá representar o país no júri de Radio no Cannes Lions 2014. Ele, que inclusive já conquistou o cobiçado GP da área – com “Rádio repelente”, para a revista Go Outside, em 2012, quando atuava na Talent –, acredita que em rádio a ideia e a produção caminham juntas. E diz que ideia ruim não premia um trabalho com boa produção, e vice-versa. Daqueles que acham a propaganda em geral enfadonha, e que isso é fundamental para se tentar fazer algo diferente, Luchi acredita que Cannes dita os rumos do mercado. “Nenhuma agência do mundo escolhe estar fora do festival”, diz.
Imaginação
“O julgamento passa pelos mesmos critérios que qualquer outra área do Cannes Lions. No nosso caso, passa obviamente pelo craft, que é a parte técnica do negócio, onde analisamos coisas como adequação e produção, e a capacidade que a ideia tem de testar os limites da categoria. As boas ideias têm essa coisa intrínseca, e no rádio devem mexer com a imaginação, pois é um meio em que só existe o som para se apoiar. Há o desafio de levarmos o consumidor para onde queremos que ele vá. É outra qualidade que deve estar nas peças, além do craft.”
Craft x Ideia
“O Radio Lions tem uma característica muito especial, onde grande parte do júri vem de produtoras de som, e não das agências. Porque o jeito de produzir é fundamental. Os recursos de rádio são muito específicos e possuem uma tecnicidade diferente. Não que isso não exista em outras categorias. Mas não é a mesma coisa. Acredito sim que o jeito de produzir seja fundamental para uma peça se destacar. Porém, não é o único critério. A boa ideia, o jeito de abordar o segmento do produto, a maneira de trazer esse segmento para o meio, toda essa mistura que irá fazer um trabalho ganhar notoriedade. É impossível uma ideia ruim ganhar em uma subcategoria onde o craft é mais importante. Assim como naquelas outras onde julgamos mais a criatividade, também não teremos peças mal produzidas premiadas. São dois aspectos que se complementam. E quando falo em craft, não é algo técnico a ponto de passar despercebido pelos ouvintes. E sim de elementos que ajudam a ideia se fixar – uma trilha, um sound design, uma locução diferente, uma história emocionante com um spot sendo interpretado por uma voz bem empostada, um grande ator. Coisas que não falam ao ‘cérebro técnico’, mas a todos. Então, não podemos separar o craft da ideia. As coisas vêm juntas.”
Storytelling
“Tem se falado de storytelling quando se abordam novas mídias, para descrever um cenário que mostra o jeito das marcas conversar com os consumidores por meio dessas mídias. Um cenário mais moderno, contemporâneo, ditado pelas tecnologias. E é algo que sempre foi fundamental no rádio. Nós ouvíamos histórias de nossas mães para dormir, quando crianças. Era storytelling, uma voz te contando uma história, às vezes até encarnando personagens, que ativava nossa imaginação. E rádio é isso. Vários Leões vencedores em Cannes são justamente alguém te contando uma história que transporta o ouvinte para dentro dela. Temos vários exemplos, como aquele famoso trabalho da Budweiser que conquistou GP em Cannes (Real Men of Genius). Outro da Mercedes-Benz, onde a locução vai contando sobre um cara que sempre aparece para outra pessoa, em tudo que é lugar. Só no final que se descobre que essa pessoa vê a imagem de alguém que ela atropelou. É uma viagem, que é uma característica do rádio.”
Tradução
“Todo país que não é de língua inglesa sofre. E no meu júri boa parte dos profissionais são desses países. É lutar para que isso não seja determinante na hora da escolha dos Leões. Mas países como Estados Unidos, Inglaterra, África do Sul têm trabalhos realmente bons. Não é só a língua que os favorece.”
África do Sul
“Acho que eles vão muito bem no Radio Lions por causa da realidade do país – muito próxima à nossa realidade aqui, por sinal. Por ser um país mais pobre, é uma mídia que se destaca no papel de integrar a população. A diferença é que no Brasil temos uma TV aberta muito forte, que acaba canalizando nossos investimentos publicitários. Eles não. E eles são bons, criam para o meio com muita determinação. Se nós colocássemos ‘mais energia’ também melhoraríamos muito nossa criação para o rádio.”
Brasil
“Acho que até temos olhado para o rádio. Inclusive alguns anunciantes, que chegaram a criar há poucos anos emissoras proprietárias, casos da Oi, Mitsubishi. Também há anunciantes explorando formatos diferentes. A própria ‘Rádio repelente’, da Go Outside, é um caso. Recentemente teve a transmissão dupla do Itaú, no jogo da Libertadores do ano passado entre São Paulo e Atlético-MG. Tivemos este ano o trabalho da DM9Rio para a Anistia Internacional, que quando o carro entrava no túnel e perdia o sinal, automaticamente sintonizava no spot criado para a organização. São iniciativas legais. Só que o Brasil tem avançado em várias categorias ao mesmo tempo. Prova disso são os GPs do ano passado, em Promo, em Titanium. Então, não fica tão enfático o avanço em rádio.”
2013
“Não sei porque o Brasil caiu em relação aos anos anteriores no Radio Lions (foi apenas um Leão de bronze, contra cinco Leões – incluindo o GP – em 2012). Acho que tem ‘anos e anos’. Uma performance pode ser analisada a longo prazo. De um ano para o outro, não creio. Pode ter sido apenas uma circunstância. Às vezes há trabalhos que mereciam ser premiados e passaram despercebidos. É preciso mais anos tendo um desempenho ruim para que se analise os motivos.”
Radio Lions em 2014
“Estou otimista. Há um componente novo que são as rádios online, que devem trazer discussões inéditas. Deve vir daí um material que não veio antes e que deixa a dúvida: o que essas novas plataformas possibilitam para o meio? Tanto no sentido de ativar a imaginação do consumidor quanto de quebrar barreiras tecnológicas. Outro ponto é que o presidente do júri é um cara que está nas Filipinas (Tony Hertz, sócio e diretor de criação da Radio & Brand Sound). Eu imagino que a Ásia, junto com a África, a América do Sul, compartilham de uma realidade parecida, onde o rádio vai além do papel da mídia. Como no Brasil, onde a transmissão de futebol pelo rádio é genial. E a publicidade precisa competir com isso. O spot não compete apenas com outros spots, mas também com o conteúdo das emissoras. As rádios de notícias daqui também são incríveis, os radialistas possuem credibilidade. Isso tem um lado bom e outro ruim – do mesmo jeito que os anúncios publicitários devem ser bons para competir com esses caras, existe o atalho que é pagar para este cara fazer sua propaganda.”
Trabalhos
“Começaram a chegar algumas coisas para mim não só do Brasil, como de outros lugares da América do Sul – Paraguai, Bolívia, Chile. Há trabalhos bem interessantes, e muita coisa que extrapola o spot. O que é legal, pois o meio é muito flexível – bem mais do que a TV, por exemplo. E acho bom que isso esteja acontecendo. Tem uma ação do Paraguai, onde os caras tinham uma hora da programação com um baita barulho de chuva por trás – da música, do locutor. E em cada break vinha um spot para que todos pensassem nos que perderam suas casas nos temporais e que haveria pessoas nos sinais de Assunção recolhendo recursos para os desabrigados.”
Papel social
“Pelo rádio ter uma característica própria e um grande alcance, atingindo todas as classes, ele pode desempenhar um papel social com mais eficiência do que outros meios. Também não está restrito a um horário nobre. As pessoas ouvem rádio no trânsito, na rua, dentro das empresas, enquanto trabalham. Se você tem uma ideia legal, conta com a participação de um radialista, mexe no formato da emissora – coisa que o meio permite –, isso faz um efeito incrível. E que pode ser estendido das marcas para ações sociais.”
Dumb Ways to Die
“Foi um ótimo GP (a australiana McCann Melbourne conquistou o prêmio máximo em 2013). A música é brilhante, o conceito é simpático, é fácil de captar. Agora veja, antes deles tivemos premiados com GPs a “Rádio repelente” e os spots da Mercedes. Três características completamente diferentes. O que prova que o rádio é muito acessível e comporta qualquer coisa. Não só na forma de mídia como também para os criativos desenvolverem trabalhos diversos. Um exemplo legal mais recente é o brasileiro ‘Vem pra rua’ (da Leo Burnett para a Fiat, criado às vésperas da Copa das Confederações de 2013), que tem algumas qualidades do ‘Dumb Ways to Die’ – uma música forte, que conversou com os ouvintes. E acabou até virando depois tema de manifestações.”
Jurado
“Foi a segunda vez que meu nome esteve entre os cotados. Da primeira só me falaram isso, mas acabou não vingando. Nem a categoria me disseram. Agora eu soube, às vésperas da coletiva que anunciara o júri, que eu era o representante do país em Rádio. Fiquei muito feliz de ir a um festival que frequento há tantos anos, mas agora com outra responsabilidade.”
Rumos do mercado
“Cannes ainda dita os rumos do mercado, aponta caminhos. Creio que nenhuma agência do mundo escolhe estar fora do festival. Aqueles que falam que ‘Cannes é uma bobagem, que prêmio não é importante’… O próprio festival foi muito hábil de trazer junto a ele os clientes e os grupos mais atuantes. Porém, foram as próprias agências que pararam com esse discurso. O festival tem a capacidade de trazer uma luz, de mostrar coisas que vão mudar o rumo da comunicação, apresentar novos formatos. E de apresentar trabalhos clássicos de propaganda, brilhantemente executados. Cannes é igual a internet – você não escolhe estar ou não. Você está lá e pronto.”
Propaganda
“Eu não sou daqueles caras que acha propaganda incrível. Pelo contrário, é muito enfadonha. E eu gosto de acreditar que pessoas que pensam assim é que vão lá e tentam fazer algo diferente, bacana. Pego Cannes como exemplo – sempre detestei ver o longlist. É uma tortura. Já o shortlist é bem legal, pois tem um imenso corte do que é inscrito no festival. Quase tão legal quanto assistir aos Leões.”