O Cannes Lions 2021 ficará marcado pelo fato de ter sido o primeiro da história full digital, um ano depois da suspensão da premiação por conta da pandemia de Covid-19. Mas o festival foi ainda mais além ao reconhecer trabalhos com temática social e inclusiva, a começar pelos três GPs conquistados pelo Brasil.

Em Entertainment Lions for Sport, a Africa jogou luz às mudanças climáticas, que vêm afetando até Salla, uma das cidades mais frias do planeta, localizada na região da Lapônia finlandesa. Para chamar a atenção sobre o problema, a agência e a House of Lapland decidiram anunciar a candidatura para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2032.

A VMLY&R levou o Grand Prix em Glass, o primeiro da história do país no festival, com Eu Sou para Starbucks. O case tocou em um ponto essencial às pessoas trans, que têm dificuldade para retificar seus nomes. Por isso, no Dia Nacional da Visibilidade Trans, a agência transformou Starbucks em um local para eles fazerem essa alteração sem tanta burocracia.

Já a GUT São Paulo, GP em Music, ajudou a promover um dos maiores encontros LGBTQIA+ do mundo.  A Parada no Feed, feita para o Mercado Livre em parceria com a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, lotou virtualmente a Avenida Paulista, palco tradicional da Parada do Orgulho, que ficou vazia com o cancelamento do evento por conta do avanço da pandemia, à época.

Jurado em Industry Craft Lions, Marcelo Reis fala que temas sociais e inclusivos prevaleceram, de fato, no festival deste ano, o que o CCO e co-CEO da Leo Burnett Tailor Made vê com bons olhos. “É uma visível e saudável, engajada e respeitosa transformação humana vivida pela sociedade mundial se refletindo na comunicação das marcas. Ou seja, as marcas estão liderando a conversa; às vezes, sendo até mais ativas que governos”, afirmou.

Marcelo Reis, da LBTM e jurado em Industry Craft: ‘visível e saudável, engajada e respeitosa transformação humana’ (Divulgação)

A Covid-19, e seus impactos, também foi tema de um dos trabalhos premiados de Cannes. Criado pela Ogilvy UK e Ogilvy Toronto para a Dove, Courage is Beautifil mostrou o mundo sob a perspectiva de quem estava – e ainda está – à frente da luta contra o coronavírus. O vídeo exibia profissionais da saúde sem as máscaras e mostrava como elas deixam marcas na pele.

“É um trabalho em que, se avaliado separadamente, o craft de cada um dos seus elementos se destaca: o conceito impecável, a foto verdadeira e emocionante, a direção de arte precisa. Mas, quando reunimos esses três elementos em uma peça, temos uma obra-prima”, destacou Reis, que foi jurado em Industry Craft, que premiou o case da Dove como GP.

As consequências geradas pela Covid e a busca para amenizá-las chamaram a atenção de Domenico Massareto, CCO da Publicis e jurado em Social & Influencer Lions. “Este Cannes foi o ano do impacto. Causas sociais foram temas recorrentes em todas as categorias: igualdade de gênero e racial, pobreza extrema, desemprego, questões ambientais”, disse. “Foi o ano em que as ideias transformaram negócios e foram além com ambição para mudar o mundo”, completou o executivo.

CAMINHO SEM VOLTA
Outro movimento percebido por Luciana Rodrigues, CEO e presidente da Grey, foi sobre o que ela acredita ser um movimento sem volta: o foco no consumidor. “O grande aprendizado é que as marcas estão percebendo, cada vez mais, que é sobre o seu consumidor. Falar mais sobre o impacto na sociedade, sobre serviços, sobre como as marcas podem ajudar as pessoas no seu dia a dia”, disse. “Se Cannes, que é o maior festival de publicidade do mundo, já está mostrando isso, então, estamos falando de um caminho que não tem mais volta”.

CEO da Grey, Luciana Rodrigues: foco no consumidor e nas mudanças no seu dia a dia (Divulgação)

Além disso, Rafael Pitanguy, CCO da VMLY&R, diz ter notado uma evolução de papéis em relação às marcas. “A partir de agora, fica mais evidente que falar sobre um tema, fazer awareness sobre um assunto já não é o suficiente. Pelo contrário: é fundamental que marcas criem ideias e realizem trabalhos capazes, de fato, de implementar as mudanças que são hoje tão urgentes na sociedade”, enfatizou.

Renata Bokel, CSO da WMcCann, concorda e destaca que a pandemia trouxe um choque de realidade, sobretudo, para os consumidores. “A pandemia mostrou que ou você assume um espaço no debate e se torna uma marca relevante para o consumidor, ou perde o trem da história e fala para ninguém”, disse.

A WMcCann, inclusive, ganhou um Leão de Ouro em Entertainment com Black Santa, trabalho sobre inclusão racial. Feito em parceria com a Globo e Coca-Cola, o filme conta a história de um avô – negro – que, deprimido pela morte repentina da sua mulher, tenta ocupar o tempo e se candidata a uma vaga de Papai Noel no shopping. Recusado e ironizado por sua cor, ele é salvo por um plano de sua neta de distribuir presentes na vizinhança às vésperas do Natal.

A iniciativa, segundo a WMcCann, apostou na oportunidade de transformar um cenário de intolerância em um espaço de representatividade para a maior parte da população brasileira.

O projeto 360º envolveu ações de conteúdo na programação da Globo, branded content, product placement e naming rights, entre outros. Diretor de criação da WMcCann, Ricardo Weitsman garante que a conquista do Ouro com esse trabalho vai além do reconhecimento. “Trata-se de uma iniciativa que fala de representatividade, equidade racial e legitimidade. É a primeira vez que trouxemos um Papai Noel Negro para TV, justo no especial de Natal da TV Globo. Além disso, aproveitamos a oportunidade para iniciar um debate cultural. Unimos ficção e realidade e mostramos que a magia acontece, juntos”, disse.