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Escrevo este artigo ainda em Cannes e apenas no segundo dia do festival. Portanto, ainda é cedo para conclusões. Mas já percebo tendências claras quanto à “pegada” do festival este ano. Nas páginas deste PROPMARK e, ainda mais, na versão online você encontrará a melhor cobertura do evento. É uma tarefa difícil para este colunista não chover no molhado. Espero que a abordagem que identifiquei contribua com a avaliação do Cannes Lions deste ano.

Eu sempre vejo o maior festival de criatividade do mundo como um divisor de águas. As suas tendências ficam ecoando por semanas, meses, após o festival, provocando uma reflexão que faz muitos publicitários redirecionarem sua atenção e seu trabalho. Por isso, falar de tendências é uma grande responsabilidade. Mas, vamos lá! O que já dá para perceber são duas linhas predominantes, não só nos cases premiados, como também no vasto conteúdo do festival.

A primeira delas é: o fato é maior que a campanha. Causar impacto e conquistar a disputada atenção do público-alvo está cada vez mais difícil. Não basta mais ter apenas uma excelente direção de arte ou um texto primoroso. Também não basta simplesmente ter uma estratégia de mídia muito bem feita. Isso tudo é condição básica, mas não necessariamente diferencia empresas e produtos. Mais do que uma campanha bem feita é preciso ter um fato. Um fato que extrapole as peças da campanha. Um fato que, por si só, gere o impacto desejado e norteie todas as ações da campanha.

Veja, por exemplo, o Grand Prix da categoria Print & Publishing. Trata-se do case McWhopper, da Y&R de Auckland, Nova Zelândia. O anúncio tem um layout banal, alltype. É uma carta aberta do Burger King para o arquirrival McDonalds propondo fazerem um sanduíche que misture ingredientes do Whopper com os do Big Mac, com a venda de um dia, o 21 de setembro, conhecido nos Estados Unidos como Peace Day, revertida para a instituição Peace One Day. O anúncio “esperto” do Burger King colocou o megaconcorrente contra a parede, com uma inusitada proposta de trégua na guerra dos hambúgueres. Essa é a sacada! Esse é o fato! A forma, nesse caso, era irrelevante. O fato era matador! E ganhou enorme repercussão na mídia e o prêmio máximo na categoria Print &Publishing do Cannes Lions 2016.

O outro ponto que destaco também não é novidade, mas ganha maiores proporções a cada ano. Refiro-me aos cases de cunho social, comunitário. Até agora, aqui em Cannes, a maior parte dos cases vencedores tem essa conotação social, seja uma campanha de uma instituição ou de uma empresa, parece que se associar a uma causa, a um propósito que demonstre um interesse social, além de simplesmente vender produtos, é uma condição básica para se obter sucesso.

Mas não é tão simples assim. É preciso ser genuíno, verdadeiro, sem parecer oportunista. De nada adiantará uma iniciativa isolada, mostrando um lado altruísta, se isso não estiver claramente representado nas atitudes da empresa, numa postura institucional consistente e verdadeira. Tentar enganar um público cada vez mais antenado e mobilizado pode ser um tiro no pé.

A proliferação de cases com essa pegada pode ser vista como algo positivo, visando um mundo melhor para todos. Pode até ser um reflexo desse momento complicado da humanidade, com ameaças de todo o tipo. Olhando sob o ponto de vista do festival, porém, acho preocupante essa avalanche de cases sociais ganhando prêmios. Há gente que critica o festival, considerando-o um mundo de criatividade distante da realidade dos produtos, das empresas. Essa proliferação de cases de instituições pode reforçar essa percepção.

O festival já criou uma categoria Lions for Good, que premia esse tipo de iniciativa. É louvável um direcionamento das empresas e das pessoas para o bem da humanidade, mas a dura vida dos negócios nem sempre comporta abordagens excessivamente institucionais. Para pensar…

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda)