Na semana que vem as atenções da publicidade mundial voltam-se para o maior evento da área que, apesar de a cada ano inflar em categorias e delegados, ainda não ficou grande demais para a pequena e charmosa Cannes. Lá, onde a Provence salpica com um leve aroma de lavanda a brisa quente dessa época do ano e o Mar Mediterrâneo tem um tom de azul único, a vida parece passar despreocupada, distante de expressões como “crise econômica”. O evento se repete, ano a ano, mas nunca é igual. Nos primeiros anos ele quase parecia um cíclico “mais do mesmo”.
Acrescentavam-se meios, mas a publicidade seguia festiva e inflada de criatividade e autoestima. No ar, a paixão incondicional e quase infantil pelos cobiçados Leões – e, mais do que isso, pela profissão.
O cenário foi mudando. Difícil esquecer um debate, não me lembro exatamente o ano (mas já se vão quase dez) em que os sócios de duas agências inovadoras e “disruptivas” – Crispin, Porter + Bogusky e Goodby Silverstein & Partners – estavam claramente confusos sobre o futuro do negócio, e diante da plateia, talvez pela primeira vez na história, foram incapazes de definir o que estavam vivendo, desconsertados com a ausência de respostas para tantas novas perguntas que começavam a surgir. De lá para cá, agências de publicidade dividem a cena com empresas de tecnologia e inovação e falam sobre startups, robótica, realidade virtual, wearables e toda sorte de traquitanas e temas futuristas. E também sobre filmes e anúncios impressos, talvez eternas “pièces de resistence” das categorias de premiação.
Algo naquela paixão pela profissão e pelos Leões se dissipou, e aparece só aqui e ali. Como no ano passado, quando nosso Fábio Fernandes conquistou um dos Grands Prix de Filme com um trabalho brilhante para Leika, numa espécie de justiça divina antes que tudo se acabe, eu pensei, pois só quem viveu aquele arrebatamento dos primeiros anos sabe o que um prêmio desses significa para um profissional claramente apaixonado pelo que faz. E eu me pergunto, e uso uma reflexão feita por Jeff Goodby, no Wall Street Journal, no ano passado, se o Cannes Lions torna-se a cada ano maior ou menor. No ano passado, muitos deixaram o festival com essa reflexão provocada também pela instigante palestra de encerramento do CCO da DDB, Amir Kassaei, que bradou, diante de um auditório lotado, que a propaganda está perdendo a relevância e se deslocou da realidade.
Ficou claro, para mim, junto com a sensação de que muitas empresas de comunicação seguem perdidas em relação ao futuro, que a profissão procura desesperadamente por sentido. Chegou a uma espécie de limite e parece ávida para voltar a falar de pessoas e menos de coisas. Sei que pode soar naïf, mas torço para que este ano saiamos de lá com a sensação de que algo foi resgatado, que vamos mostrar menos tendências de Silicon Valley e mais criatividade genuína para emocionar pessoas. Que não soe feio ou errado falar de produtos e serviços, feitos por empresas de verdade, atentas e cuidadosas com as pessoas e com o planeta, mas que precisam dar lucro e têm na propaganda uma ferramenta essencial. Menos tecnicismos e frases de efeito, mais alma e resultados. Que tal? Entre goles de rosé, claro, porque ninguém é de ferro.
Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK