Segundo especialistas ouvidos pelo propmark, o acontecido da última semana aponta para o desconhecimento do setor sobre direitos autorais
O mundo publicitário assistiu, na última semana, a polêmica envolvendo a campanha da Bauducco, assinada pela Galeria, que foi acusada de ter plagiado a música “AmarElo”, de Emicida, por conta da mensagem da peça e da identidade visual.
No comunicado enviado pelas empresas, ambas afirmam que a campanha tinha como principal objetivo "celebrar o amarelo característico da identidade e presente nas embalagens e comunicação da marca há mais de 30 anos". Além disso, elas também esclareceram que a tipografia usada é a mesma pela marca há anos.
Mesmo assim, a repercussão do caso foi tamanha que as empresas optaram pelo cancelamento da comunicação e da veiculação da canção “Magia amarela”, interpretada por Juliette e Duda Beat.
Reputação em xeque
O acontecido acendeu um alerta no mercado publicitário, uma vez que ter um cliente acusado de algo como plágio pode custar a reputação tanto da marca quanto da agência responsável pela peça. Além disso, segundo Gustavo Cesário, professor de Law Branding da ESPM, o caso também aponta para o desconhecimento do setor sobre direitos autorais, uma vez que, neste caso específico, a semelhança foi constatada pelo irmão e produtor do Emicida, Evandro Fióti.
“O plágio foi observado pelo irmão e produtor do Emicida. Não foi um publicitário que viu na criação de outro a violação de seus direitos autorais. Quem percebeu o plágio é um produtor e músico, que conhece sobre direitos autorais, um tema tão importante não somente para a música e para o mundo das artes, mas também para a publicidade, mas que não é ensinado na maioria das faculdades de comunicação”, ressaltou Cesário.
A “desatenção” do mercado também foi apontada por Fátima Pissarra, CEO da Mynd, que apontou que as agências precisam seguir uma série de processos burocráticos quando decidem fazer uma campanha que envolve uma música ou um artista já que existem vários fatores e uma cadeia que deve ser respeitada, analisada e entendida antes do desenvolvimento de um projeto.
“Cada autor ou produtor tem uma instituição de direito autoral que precisa ser buscada. E o direito autoral é uma condição personalíssima, ou seja, só pode ser liberado pelo próprio dono. Então um cantor, por exemplo, não pode liberar uma música se seu domínio for de terceiros”, explicou a executiva.
Fátima também apontou que as agências precisam se atentar às referências usadas nas construções de trabalhos e ideias uma vez que o material autoral envolve tanto as referências quanto as inspirações.
“Já existia um trabalho muito grande no mercado desenvolvido com o nome 'amarelo' e, além disso, tem a questão do 'amar elo', que é uma das principais partes da música. Quando vemos outro projeto que faz referência ao 'amar elo', logo relacionamos à música do Emicida”, alertou a CEO da Mynd.
Já para Geisler Bosso, CEO da Vilage Marcas e Patentes, o caso também coloca em xeque o papel das agências na criação de marcas, logotipo e jingles, mostrando que é cada vez mais fundamental que as empresas façam análises de viabilidade de suas ideias.
“É fundamental que durante o processo criativo as análises de viabilidade de uso de nomes, logotipos, imagens e possíveis plágios de obras sejam observadas, até para segurança dos clientes que utilizarão as criações nas divulgações de seus produtos e serviços. Os riscos de demandas judiciais por infringência da Lei de Propriedade Industrial e Lei de Direitos Autorais envolvem multas que podem ser altíssimas, que, dependendo do porte da empresa, a mesma poderá fechar”, alertou o CEO.
Indo ao encontro com o posicionamento de Bosso, Cesário concluiu que o resultado de casos como o da Bauducco, que teve uma grande repercussão nas mídias, não inclui apenas a mancha no nome de uma empresa, agência e profissionais envolvidos, mas também o afastamento de clientes e consumidores. “É muito importante que o meio publicitário valorize a temática sobre direitos autorais, trazendo a discussão para dentro das associações, tais como ABA e Abap, e para as universidades”, afirmou Cesário.
Histórico do mercado
O ato de plagiar é crime previsto em lei, no Artigo 184 do Código Penal, com penas que variam de três meses a quatro anos de reclusão ou o pagamento de multas, dependendo da gravidade do caso.
De acordo com a legislação, é considerado plágio se a violação consistir em “reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente”.
Apesar de o crime ser relativamente comum no mundo da música, o cenário é outro na publicidade. De acordo com o Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar), os casos de direitos autorais registrados são baixos, a ponto que, até o momento da publicação desta matéria, o órgão registrou apenas três denúncias.
Neste ano, o órgão registrou uma denúncia da Danone, que apontou semelhanças entre a campanha da Nesfit, da DPA Brasil, com a de Activia, que foi arquivada. Além desta, o Conar também recebeu a denúncia da Bayer, que recorreu ao órgão por considerar que teve seus direitos autorais violados de Gino-Canesten pelo Boticário na campanha de lançamento da campanha "Cereja Livre". Neste caso, o Conar decidiu pela alteração e arquivamento.
Outra denúncia recebida pelo órgão neste ano foi a da Lactalis do Brasil, que apresentou uma representação contra vídeos veiculados em perfis de redes sociais da Heineken. Segundo a empresa, as mídias violaram e depreciaram a campanha "Mamíferos da Parmalat", veiculada nos anos 1990. A denúncia foi acatada.
Já em 2022, o órgão regulatório teve apenas 2,1% dos processos de questionamento instaurados registrados sobre o assunto, totalizando dois casos. Segundo o Conar, os casos envolvem uma denúncia da Seara Alimentos, que alegou que o comercial de TV e internet da BRF buscou criar "confusão proposital com a peça criada por ela anteriormente, na divulgação do produto Levíssimo Seara — que foi arquivada —, e a Reckitt Benckiser Brasil, que denunciou uma campanha da Raid, da empresa Ceras Johnson. Neste último, o Conar ordenou a alteração da peça.
Em 2021, foram registrados quatro casos de direitos autorais, o que representou 1,3% das denúncias recebidas naquele período, sendo elas uma denúncia da P&G sobre uma campanha da Unilever Brasil — que foi arquivada; outra envolvendo o iFood e o Grupo Pão de Açúcar e Leji Intermediação — que foi acatada pelo órgão; uma envolvendo uma denúncia da Africa sobre uma campanha da Laticínio Tirolez — nesta, o órgão decidiu pela alteração da peça denunciada — e uma denúncia da Seb do Brasil sobre uma composição de embalagem da M.K. Eletrodomésticos Mondial, que foi arquivada.
Por fim, em 2020 o Conar recebeu três denúncias de direitos autorais que representaram 1,9% do total de pedidos no ano. Os casos envolveram uma denúncia da Ford e JWT sobre uma peça da Caoa Cherry, que foi arquivada; outra envolvendo a Uber, que denunciou a 99 Tecnologia pelo uso do slogan "Elas na direção", que também foi arquivada; e a última sendo o caso envolvendo a Unilever Brasil, que denunciou a Asa Indústria e Comércio por imitação da embalagem. Este último caso foi alterado.
Outros casos notórios do mercado foram lembrados pelo docente da ESPM, como a campanha “Cerveja nota 10”, criada por um publicitário paranaense em 1996, que, três anos depois, a Kaiser veiculou uma peça semelhante assinada pela Newcomm Bates — ambas foram condenadas pelo STJ e precisaram indenizar o publicitário, segundo o professor.
Já em 2015, o Conar suspendeu a campanha “Ode à comida”, da Sadia e criada pela F/Nazca, após a Vigor abrir uma denúncia onde afirmava que a peça copiava elementos da campanha “Faça sua mágica”, da manteiga dinamarquesa Lurpak, comercializada pela empresa.