Nátaly Neri é, hoje, uma das principais vozes do país na luta por uma sociedade mais igualitária. Cientista social e influencer, ela é participante ativa de movimentos negros e feministas. “Causas sociais são a pura e simples ação frente às desigualdades do mundo, são o clamor de corpos e grupos subjugados desejando melhoras”, afirmou.
Em conversa com o PROPMARK, a influencer – que também é diretora editorial da edição do YouTube Black de 2021 – falou sobre as expectativas para o evento deste ano, a importância de marcas se engajarem em causas sociais, a representatividade de influencers negros, entre outros assuntos.
Qual é sua expectativa para o YouTube Black deste ano e qual é a importância de um evento deste peso no Brasil de hoje?
Como uma criadora que esteve presente desde o primeiro YouTube Black, pude ver as mudanças e melhoras a olho vivo. Ver o evento acompanhando pautas atuais, tocando em temas necessários, valorizando grandes nomes da nossa comunidade, e inspirando cada vez mais pessoas e criadores negros a terem orgulho da própria história e voz, eu sigo esperando o que sei que virá: muita informação, muito orgulho de sermos quem somos, muita qualidade como tudo o que fazemos e acima de tudo, muitas referências, algo que precisamos tanto no Brasil de hoje.
Qual a importância de grandes marcas estarem envolvidas em causas sociais?
Causas sociais são a pura e simples ação frente às desigualdades do mundo, são o clamor de corpos e grupos subjugados desejando melhoras! Causas sociais em um país tão desigual representam pessoas, representam a população. Logo, entender quais são as necessidades, dores e dilemas estruturais e pessoais daqueles que existem no país que você, como uma marca, quer estar, é o básico. Não só para compreender seu “público consumidor” mas principalmente para não reiterar erros ao longo da história como vimos a comunicação publicitária fazer ao ignorar a maioria negra da população na representatividade de seus pares ou no desenvolvimento de produtos pensando nesse e em outros grupos.
Você falou uma vez que a internet se tornou uma potência muito grande na sua vida. Qual é o papel dessa ferramenta na luta contra o racismo?
A maior parte das violências que sofremos enquanto população negra são estruturais, ou seja, nos afetam independentemente da nossa consciência de sua existência ou não. Temos dificuldade e precariedade no acesso à saúde e qualidade de vida, majoritariamente estamos em desvantagem em processos estudantis, tanto no sentido de permanência quanto do ingresso no ensino superior. E por isso, respostas sistêmicas são fundamentais para resolver esses problemas como são as cotas raciais, por exemplo. Só que mesmo lidando com problemas estruturais que precisam ser resolvidos a partir da ação do poder público, a desinformação também é uma grande inimiga da equidade racial. Não só nas relações interpessoais e na educação antirracista de pessoas que nascem achando que piadas contra negros são engraçadas, mas também no próprio lidar da população negra brasileira com a sua opressão. Vide o fato de até hoje termos pessoas negras que acham que cotas raciais são ofensivas e representam uma “não capacidade” de entrar na ampla concorrência, o que não poderia estar mais errado. É a informação e o acesso a ela de forma gratuita por meio das redes sociais principalmente (espaço em que as pessoas passam muito tempo de sua vida) que vai conscientizar sobre as violências sofridas e mostrar a necessidade de ainda mais avanços para resolvermos cada vez mais os problemas raciais brasileiros.
Como o mercado pode evoluir na questão de equidade racial, principalmente em projetos com criadores de conteúdo?
Assumindo que é necessária uma postura e ação intencional frente à desigualdade. O que quero dizer? Criadores negros infelizmente por conta dos limites estruturais e pessoais (do lidar com as violências racistas online) tem trajetórias diferentes da de criadores brancos na internet. Usar as mesmas regras que usam para criadores brancos ao avaliar qualidade, público, engajamento, e relevância desses criadores negros, não só é injusto como não faz sentido. O mercado precisa entender a potência de criadores negros, a variedade de produção, a conexão real e verdadeira com suas audiências e o desejo por parte desses criadores de realmente mudar suas realidades. Um olhar intencional é compreender que nossas referências são outras, nossos objetivos são outros, mas nossa capacidade de imaginação, criação e movimento é tão ou até maior do que a que o mercado está acostumada a ver. É necessário valorizar isso.
Quais os efeitos do racismo estrutural no mercado de comunicação e quais são os potenciais caminhos para solução?
A sub-representação de corpos negros é visível e óbvia. Não só a sub-representação mas a representação monolítica do que é a negritude, sem levar em consideração que a pigmentocracia que faz com que corpos pretos sofram de forma muito mais evidente com a violência racista, ou sem levar em consideração nossa diversidade como comunidade negra e também LGBTQIAP+, e também PCD, e também fora dos padrões midiáticos de beleza. Somos plurais enquanto negros e compreender e agir buscando essa pluralidade de discursos, corpos e vivências, é fundamental.