Corte decidiu que plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por usuários

No fim da semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 3, que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por usuários mesmo sem ordem judicial.

Com a aprovação, a medida derrubou parte do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que desde 2014 exigia decisão da Justiça para esse tipo de punição.

A partir de agora, uma notificação extrajudicial já pode levar à responsabilização da plataforma, exceto nos casos de crimes contra a honra. Nesses casos, ainda será preciso decisão judicial para que a empresa tenha de pagar indenização.

A nova regra vale até que o Congresso aprove uma lei sobre o tema. Se isso não acontecer, redes como Google, Meta e X poderão ser punidas se não removerem conteúdos ilegais ou contas falsas após serem notificadas.

A Associação Brasileira dos Agentes Digitais vê a decisão do STF com preocupação. Na visão da entidade, um dos pontos mais sensíveis é a atribuição às plataformas da responsabilidade de determinar quais conteúdos devem ser removidos.

A Abradi entende que há uma inversão de papéis quando empresas privadas precisam fazer julgamentos que seriam de competência do Judiciário.

"Existem conteúdos claramente ilegais, como pornografia infantil e terrorismo, que geram consenso sobre a necessidade de remoção. No entanto, categorias como 'discurso de ódio' ou 'tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito' estão em uma zona interpretativa muito mais subjetiva", defendeu o presidente Paulo Jr.

Cenário promissor

Fundador da startup Myhood, Felipe Salvatore disse que esse novo cenário é promissor para quem vive da produção de conteúdo. Salvatore afirma também que, ao frear práticas nocivas, que antes se espalhavam com facilidade, a regulação contribui para uma internet mais ética e, por consequência, mais rentável.

"A expectativa é que os criadores de conteúdo, assim como as marcas, encontrem agora um espaço mais protegido para desenvolver suas atividades com menos riscos de serem vítimas de práticas abusivas."

Por outro lado, o especialista destacou que essa transformação impõe uma carga às plataformas digitais. Com a nova responsabilidade, empresas como Google, Meta e TikTok precisarão revisar e, em muitos casos, reformular seus modelos de operação.

"A tendência é que invistam cada vez mais em algoritmos e sistemas de moderação que visem a bloquear conteúdos potencialmente problemáticos - ainda que, nesse processo, aumente o risco de falsos positivos", enfatizou.

Para os criadores e anunciantes, Salvatore disse que pode significar uma convivência constante com desativações indevidas e bloqueios automáticos que afetam sua visibilidade e monetização.

"O impacto dessa nova abordagem será sentido sobretudo por pequenos produtores de conteúdo e negócios emergentes, que muitas vezes carecem de estrutura para lidar com disputas contra gigantes do setor."

E a liberdade de expressão?

A Abradi diz acreditar que, diante do risco de penalização daqui em diante, as plataformas tenderão a adotar posturas excessivamente cautelosas. "Uma empresa privada que pode ser multada ou penalizada tenderá a remover qualquer conteúdo que desperte a menor suspeita, mesmo sem clara ilegalidade, o que pode afetar a liberdade de expressão", disse.

Marcelo Crespo, coordenador dos cursos de direito da ESPM e especialista em direito digital, ressalta que a decisão do STF não negará a liberdade de expressão, e sim, reconhecerá que ela não pode ser usada como escudo para a prática de crimes ou violações sistemáticas de direitos.

"No Brasil, a liberdade de expressão é garantida, sim, mas ela convive com outros direitos constitucionais igualmente importantes: privacidade, honra, imagem e, agora mais do que nunca, a integridade democrática", disse.

O professor explica que o equilíbrio vem de três elementos: transparência, recurso e proporcionalidade. "As plataformas precisam ser claras sobre por que removeram algo, oferecer caminhos acessíveis de contestação e evitar a censura preventiva em massa."

Posicionamento

O Google e a Meta se manifestaram, na semana passada, sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal. A Meta, dona do Facebook e Instagram, disse que "enfraquecer o Artigo 19 do Marco Civil da Internet traz incertezas jurídicas e terá consequências para a liberdade de expressão, inovação e desenvolvimento econômico digital, aumentando significativamente o risco de fazer negócios no Brasil".

O Google, por sua vez, manifestou preocupação sobre as mudanças que, como afirmou, podem impactar a liberdade de expressão e a economia digital. "Estamos analisando a tese aprovada, em especial a ampliação dos casos de remoção mediante notificação (previstos no Artigo 21), e os impactos em nossos produtos. Continuamos abertos ao diálogo.”

(Crédito: Foto de William Hook na Unsplash)