Nesse tempo que passei internado no hospital, vítima de uma nada charmosa pneumonia, veio me visitar um velho amigo gaúcho, bom de prosa barbaridade, capaz de transformar um quarto de hospital num galpão festivo. Ainda que cada vez que eu ria a tosse quase me matava, não deixei ele parar de me dar notícias da terra lá dele, Amaral Ferrador, próspera e mui bonita cidade do Rio Grande, a 42 km de Camaquã, cortada pelo Arroio dos Ladrões.

Pois, não é que Tavinho, filho do coronel Guedes, figura importantíssima que conheceu uma prenda de Porto Alegre e se enrabichou a ponto de querer casar na igreja, com apenas quatro meses de noivado? Pois foi. Prima Deolinda, alçada à gloriosa função de mestre de cerimônias, para dar um certo requinte à festa, chamou o melhor e mais reconhecido buffet de Pelotas para caprichar nos comes e bebes, e convocou um padre de Porto Alegre, conhecidíssimo pelos sermões emocionados.

Duzentas pessoas compareceram à capela local para ver o casório e conhecer a noiva, uma loura deslumbrante que, após uma hora de atraso, brindou os circunstantes com um vestido branco perolado, ousadamente tomara-que-caia, revelando um colo de alabastro, onde se sobressaía uma estrela vermelha artisticamente tatuada. O padre, vestindo uma batina colorida, de tênis e rabo-de-cavalo, visivelmente cansado da viagem e com a língua levemente enrolada, começou o sermão: “Queridos irmãos! A data de hoje é muito significativa para todos nós. Dois filhos de Deus vão se unir pra sempre, sob as bênçãos da Igreja. Queria lembrar a vocês a necessidade do amor, compreensão e cumplicidade num casal. Mas, também, recomendar que não esqueçam do bom e velho sexo, sem o qual não há matrimônio que resista”. Os convidados se entreolharam. Mas, afinal, são coisas da capital, pensaram. O padre tomou um gole do vinho da missa, pigarreou e foi adiante.

“Mas nessa área, o sexo, eu queria lembrar que não basta um papai-e-mamãe burocrático, aos sábados à noite, só para cumprir tabela. O sexo precisa ser bem feito, garantindo a satisfação do homem e, por que não, a fidelidade da mulher. Aliás, a mulher de hoje gosta da coisa quase tanto quanto o homem. E quem não tem em casa procura na rua”. A mãe do noivo apertou a mão do marido. O que poderia vir a seguir? “Minha filha – voltou o padre, dirigindo-se à noiva – tu não deves vir com frescuras de dor de cabeça, enxaqueca e outras desculpas na hora de partir pra sacanagem. Não tem coisa pior do que cavalo passarinheiro e mulher com não-me-toques. E tu – disse ao noivo – vai ter de também ir com calma e respeitar as vezes em que ela não estiver a fim. Que sejam poucas vezes, desejo eu, mas, enfim, um dia ou outro pode acontecer. Quando for o caso, nada de porrada (outro gole e depois pausa dramática) e muito menos ir às putas por vingança”. A essa hora a igreja já estava indócil. As mulheres se abanavam. E o padre ia se entusiasmando com a própria eloquência:

“Outra coisa, eu me dirijo à deliciosa noivinha aqui presente, não permita que vocês fiquem só no papai-e-mamãe, que isso acaba enchendo o saco e incentiva o marido a levar a linguiça para outras farinheiras. Experimente de tudo. Quem faz gostosinho e com alegria está de certa forma louvando. E isso é bom para os ouvidos do Senhor! A essa altura alguns fiéis estavam dispostos a cobrir o padre de porrada. As mães dos noivos desmaiaram. Ouviu-se um tiro. No silêncio assustador que se seguiu, o padre gritou: “Esperem aí! Eu não sou padre! Sou ator. Fui contratado pelo Estevão, padrinho do Eduardo, para fazer essa brincadeira no casamento do Edu com a Tatiana! Não me matem!”. Foi a vez do coronel, pai da noiva, se espantar: “Eduardo? Tatiana? Ficaste louco, bagual?” Ao que o falso padre tenta se explicar: “Porra, desculpem. Enganei-me de igreja. Era outro casamento. Mas seja como for, os conselhos que eu dei continuam servindo, ainda mais pra vocês que moram nesse cu de mundo”. E saiu correndo, perseguido pelos homens e pelos cachorros vadios de Amaral Ferrador. Pode ser mentira. Mas um bom cronista não confere os casos que ouve contar.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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