Armando Strozenberg, chairman do Grupo Havas no Brasil, recebeu no último dia 16 o Jeca Tatu. O prêmio, criado pelo publicitário Hiran Castelo Branco, em 2006, durante o encontro de Redação Publicitária, organizado pela Alap, destaca a boa escrita e a preservação da língua. Strozenberg, que exerceu a profissão de jornalista por muitos anos, teve duas agências icônicas, Estrutural e Contemporânea, mas escolheu não ficar na linha de frente da criação porque sua natureza multifacetada o levou, continuamente, a se envolver nas várias áreas da agência. Logo após receber o Jeca Tatu, Strozenberg conversou com o propmark. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Divulgação

Leitura

“Monteiro Lobato foi, disparado, a minha maior influência literária, particularmente ‘Reinações de Narizinho’. Foi uma grande inspiração e talvez tenha sido naquele momento que a escrita apareceu como algo que eu poderia fazer no futuro. A palavra, que é capaz de construir a fantasia. Li também muitos gibis, muito Peanuts, de Charles Shultz (outra grande influência), e todos os super-heróis americanos, como Capitão Marvel e Capitão América. Essa foi minha iniciação. Mais tarde, tive a oportunidade de ler praticamente todos os clássicos nacionais e internacionais, mas um livro talvez tenha sido o início do publicitário. Aos 16 anos, meu pai me deu de presente um livro chamado ‘A Metamorfose’, de Franz Kafka. Talvez tenha sido aí que a metáfora do livro e a capacidade de um autor de transgredir tenham chamado muito a minha atenção, e ficou. É, talvez, o livro que mudou a minha vida. Passei a ver o mundo de um jeito diferente.”

Curiosidade

“Acho que um comunicador dificilmente vai chegar a ser bom se, por trás dele, não houver um atributo. Esse atributo chama-se curiosidade. Só os curiosos podem exercer profissões em comunicação. O curioso é aquele que está permanentemente de olhos abertos. Literalmente. O mundo interessa, as pessoas interessam, a capacidade de ouvir é muito grande. Independentemente da atividade na comunicação, seja ela informação, persuasão, o que fará um comunicador ser diferente do outro é o grau de curiosidade que ele terá. E foi isso que me levou a escolher essa profissão.”

Convite
“Cursava jornalismo na Faculdade do Brasil, hoje UFRJ, que funcionava no prédio onde atualmente fica a Academia Brasileira de Letras. Numa das aulas, apareceu um professor brilhante, com uma extraordinária capacidade. Durante duas horas fiquei encantado, tudo o que eu tinha ouvido reforçara meu interesse pelo jornalismo. Ao final da aula, o professor não me deixou sair da sala e me convocou para estar no dia seguinte na redação do jornal Diário Carioca, às 15 horas, para me tornar jornalista profissional. O nome dele era Zuenir Ventura. Ele era um dos editores internacionais do Diário Carioca, que talvez fosse um dos cinco jornais mais modernos do planeta. No dia seguinte, com 17 para 18 anos, ingressei na redação, que tinha pessoas extraordinárias como Armando Nogueira e Evandro Carlos de Andrade.”

Jornal do Brasil

“No JB acabei fazendo um pouco de história. Fui repórter e redator – primeiro em geral, depois na internacional e no Caderno B. O Caderno B foi absolutamente histórico. Lá nasceu o movimento concretista, todos os grandes movimentos literários brasileiros. Sua concepção se perdeu com o tempo, como espaço de debate. Tive o privilégio de ganhar uma bolsa do governo da França, para fazer naquele país uma pós-graduação em sociologia da comunicação. Fui para lá no início de 1968, quando o mundo estava se preparando para mudar. Fui licenciado do Jornal do Brasil, mas acabei recebendo o convite do diretor, Nascimento Britto, para ser correspondente do jornal em Paris. Foi quando fiquei dos dois lados das barricadas: era jornalista e estudante ao mesmo tempo. De volta ao Brasil, como editor de reportagem, percebi que os reporteres trabalhavam de maneira superficial, eram generalistas, aqueles caras que aparentemente sabem, mas não sabem. Então inventei a especialização na imprensa brasileira. Dividi os repórteres em cerca de 12 editorias/especialidades.”

Multifacetado

“Faço parte da geração de criativos que decidiram, nos anos 1970/1980, liderar sozinhos os próprios projetos. Precedidos pelo D, P e Z, eu, Mauro, Washington, Nizan e Serpa formamos este time. É o momento em que cai a predominância quase absoluta do modelo dos que mandam fazer a criação (Mafuz, Petronio, Macedo, Geraldo Alonso, Mauro Salles, Caio Domingues, Sepp Baendereck, Oriovaldo Vargas e cia.) e surge o modelo das agências dirigidas pelos que fazem a criação. Os criativos assumem parte do poder. E, nesta nova categoria, tem lugar para os unifacetados (só sabem criar – e bem) e para os multifacetados (que são capazes de não só criar, mas também atender, planejar, inspirar e liderar equipes multidisciplinares, assumir tarefas institucionais).”

Propaganda

“Tive uma pequena agência, chamada Detalhe, durante pouco tempo, mas a experiência me fez entender as pequenas nuances e diferenças entre o jornalismo e a publicidade.”

Estrutural

“O Rogério Steinberg era diretor de arte e basicamente um pintor. Apesar de toda a minha experiência com a escrita, eu nunca tinha feito um anúncio na vida. Acho que posso deixar como herança da minha trajetória talvez ter introduzido a ideia de que o jornalismo, a informação do dia a dia, da vida, pode ser usado na publicidade. Ficamos juntos de 1976 a 1982.”

BarraShopping

“A campanha mais importante da minha vida foi a de lançamento do BarraShopping, que revolucionou a publicidade em vários aspectos: foi o primeiro comercial a ocupar um break inteiro na TV Globo, indo ao ar em todas as repetidoras, ao mesmo tempo, o que gerou uma mudança no horário do ‘Jornal Nacional’ para dois minutos e meio mais tarde. O nome do produto era Shopping Center da Barra, mas, durante a concorrência, eu sugeri que o nome fosse reduzido para BarraShopping. Fiz uma conta mostrando o quanto o longo nome ocupava de espaço no comercial e quanto aquilo representava em dinheiro. Isso influenciou os nomes de toda a rede.”

Contemporânea

“A Contemporânea foi feita contra a minha vontade. Eu fui procurado em casa por seis clientes da Estrutural, que me pediram para montar uma agência. Eu não conhecia o Mauro Matos, mas ele era o criativo por trás das campanhas do Jornal do Brasil. Quando nos conhecemos, passamos oito horas seguidas conversando, terminamos completamente bêbados e apaixonados um pelo outro. A agência deu certo porque foi transgressora, respeitou muito seus profissionais e o clima era muito bom. O nome nasceu do compromisso com o novo e isso mantivemos o tempo todo, brigávamos por isso. Por ela, passaram alguns dos melhores profissionais do Brasil. É uma agência que conseguiu equilibrar as suas áreas: todas eram igualmente importantes, o que é raro. E talvez a coisa mais importante, que é encarar o cliente. Isso infelizmente é uma coisa que acabou na publicidade. As agências hoje têm medo dos clientes. Um dos segredos de uma empresa de serviços de talento é não ter medo do cliente.”