Em um momento tão disruptivo da humanidade – e, por consequência, tão disruptivo para a nossa profissão -, é suicida ter a postura de quem sabe tudo. É fatal ter a postura de quem sabe tudo. Para seguir em frente é preciso ter um coração de estudante. Foi com esse espírito que cheguei ao Festival de Cannes 2016. Com a minha sacolinha debaixo do braço, chegando bem cedinho no Palais, comendo um almoço qualquer ali mesmo naquele café, para voltar e ver os trabalhos e palestras.
É tão grande a quantidade de conteúdo gerada por Cannes, que estou articulando com profissionais de planejamento do meu grupo de fazer um apanhado do trabalho do festival. Como é praticamente impossível cobrir tudo, pedi que focassem nas categorias que estão dando tom à indústria: Cyber, Mobile, Entretenimento, Titanium e Inovação. A mesma coisa com as palestras.
A verdade é que preciso ter um GPS ou um Waze para andar em Cannes. Como acabei indo de última hora, já que estou completamente focado no dia a dia do ABC neste momento de grande crise no Brasil, caí meio de paraquedas no festival deste ano. Mas o alto nível da organização do Cannes Lions me ajudou muito. Pude ver todo o trabalho de agências que admiro e são referências para mim, como a Dentsu de Tokyo, por exemplo. Pude ver trabalhos que não ganharam Leão, mas que deveriam ter ganho. Vi peças que não tinham ideia, mas tinham soluções maravilhosas. Pude também acompanhar anunciantes como Google, Netflix e The New York Times, que são powerhouses de ideias e inovação. Ou seja, é exaustivo, você chega morto no voo de volta no domingo, mas é uma injeção de informação e uma bela provocação profissional. Além de uma boa oportunidade para separar o joio do trigo.
Naquele mar de informação, um monte de coisas instigantes, relevantes e milhares de outras que não, você tem de se nortear por algumas perguntas fundamentais:
1 – O que eu preciso aprender?
2 – O que é importante para melhorar o meu trabalho para os meus clientes?
3 – Como falar com os clientes dos meus clientes?
Então é preciso ter uma visão de ROI: qual é o retorno que tiramos do festival?
O Phil Thomas, senhor do Cannes Lions, tem feito um trabalho brilhante. Ele já merece o Leão de São Marcos pela contribuição que deu ao festival e à propaganda. Ele pegou uma competição que caminhava para ficar obsoleta e o ressignificou. É claro que num evento dessa magnitude você pode perder seu tempo e o seu dinheiro vendo o que não interessa ou coisas que só são “oba oba”. Então é preciso, como tudo na vida, ter foco, logística e disciplina para aproveitar realmente o festival. E aí eu conclamo a nossa classe publicitária a fazer uma verdadeira catequização junto aos nossos clientes para que eles levem suas equipes de marketing ao festival.
Os clientes devem fazer reuniões paralelas ao festival. Todo grande cliente precisa montar pequenas convenções de marketing paralelas a Cannes. Vi muitos anunciantes globais fazerem isso, é inteligente. Em tempos de passagens com milhagem e Airbnb, leve as suas pessoas até o conhecimento, em vez de gastar dinheiro trazendo conhecimento até você. Eu repito: nossa classe deve fazer esse trabalho de catequese junto aos clientes. Vale a pena ir para Cannes. Os clientes devem ir a Cannes. Aí você pergunta “Mas mesmo na crise?”. Sim. Porque no festival você vai ver soluções em todas as plataformas, todos os tipos de economia, todos os tamanhos de países. Grandes ideias que vêm de países modestos e são soluções interessantes a nós nesse momento de pouca verba.
Eu encerro este texto com as sábias palavras do sir John Hegarty na palestra que fez em um almoço do Google: “A tecnologia não é o fim, é o meio. O que ela gera é a oportunidade para que a criatividade encontre a solução que ilumina”. Como bem lembrou, os sujeitos que criaram a guitarra elétrica não foram os sujeitos que inventaram o rock and roll. Portanto, marque na sua agenda de 2017: que Deus permita e – a crise também – estar no festival. Mas não esqueça de levar o seu coração de estudante, porque sem ele, sem organização, disciplina e foco, não adianta nada você ir até lá.
Nizan Guanaes é fundador do grupo ABC