Depois de 63 anos sempre muito seguro de sua própria evolução e mudanças, muito bem recebidas e que resultaram, cada ano mais, no mais importante evento de nossa indústria, o Cannes Lions vive um momento de definição ou re-definição.

Não será a primeira vez.

O Festival Internacional da Criatividade Cannes Lions, que já foi Festival do Filme Publicitário e a partir de do final do milênio começou a incluir diversas categorias de peças publicitarias, já conta com mais de 20 categorias que, se de um lado transformaram o Festival no maior evento da criatividade aplicada, de outro gerou uma percepção de perda de foco, principalmente dos players e delegados mais tradicionalmente ligados à indústria da comunicação

Muito por conta das mudanças em nosso próprio negócio que, definitivamente, não se enquadra no que estávamos acostumados, não só aqui em Cannes, mas em qualquer atividade de nosso mercado.

Quem acompanha o que acontece aqui no Palais nesta última semana de junho, não se assustou. Cannes é um Festival que celebra a criatividade, mas principalmente a mudança, sem medo de ousar e assumir os mais delicados e revolucionários progressos, seja no conteúdo, seja no negócio.

Em 2009, Cannes Lions premiou a campanha que levou Barak Obama à presidência dos USA com um inédito Grand Prix de Titanium para uma campanha política. Na época, escrevi um artigo para este mesmo Propmark cujo título era “Change”, chamando atenção para os sinais de que mudanças irreversíveis estavam acontecendo na então indústria da propaganda, emulada pela já poderosa ferramenta da Internet, que não apenas possibilitava o contato direto com o consumidor como dava a ele o poder de receber e gerar comunicação e valores, a “moeda social” gerada a partir de novos relacionamentos com a marca (story telling) e  processos até então inéditos de troca e multiplicação da comunicação.

Seis anos depois, em 2015, escrevi outro artigo (“A mudança chegou. E agora”, desta vez registrando a consolidação das mudanças e o inicio de uma certo mal-estar com a perda dos “valores tradicionais” do Festival, inclusive com a quebra do paradigma de ser um festival de “premios”.

Esqueça tudo que conhece do Festival de Cannes, aquele que você conhece. Não existe mais. Era a advertência para os que não vieram nos últimos anos.

Em 2017, o que temos é um enorme evento de network, business, live action das poderosas marcas de tecnologia e consultoria, quase não se vê vestígios dos antigos players (agências e mídias). A premiação continua sendo um objetivo a ser alcançado principalmente pelas agências e profissionais, mas as peças e o trabalho publicitários são muito mais um produto artesanal de algo que se parece mais uma grande usina de conhecimento, inovação e criatividade aplicada.

Com muita, muita tecnologia. Cada vez mais.

E foi justamente esse shift para o viés tecnológico e de big business que provocou o alerta: Mauricio Levy e Martin Sorrel, os dois líderes dos maiores grupos de comunicação do mundo levantaram a hipótese de não virem ou inscreverem seus delegados e trabalhos em Cannes, já no ano que vem. A Publicis, com a justificativa de que vai investir no seu projeto de Inteligência Artificial (Marcel) enquanto Martin Sorrel foi direto ao ponto: o Cannes Lions está se tornando uma arena de players tecnológicos, em prejuízo justamente da criatividade aplicada à comunicação.

Os executivos da Ascential (a empresa dona do Cannes Lions) não esperaram nem o evento deste ano para responder: sexta-feira os jornalistas já receberam um comunicado oficial relatando a criação de um “advisory committee para moldar o futuro do Festival e assegurar que ele continue a responder às necessidade da indústria”. Já confirmados, os CEO’s dos grandes players do mercado (P&G, Unilever, Burguer King, ATT e Heineken) e outro virão logo após.

Enfim, Cannes vai mudar, Cannes é mudança e pelo que vimos aqui esta semana, vai continuar sendo nossa maior fonte de aprendizado, inspiração e network.

A diferença é que antes, você saia daqui com dicas de como criar e produzir um comercial, um spot, um anúncio, uma campanha.

Agora você sai daqui querendo fazer a diferença, criar algo que mude o mundo e melhore a vida das pessoas.

Nas próximas edições do Festival , vamos saber como, com quem e em que empresas/negócios poderemos fazer isso tudo.

Emmanuel Publio Dias é coordenador do Young Lions Brazil