Simões: 'não nos interessa o consumidor que bebe quatro litros de Coca-Cola por dia'

 

Marco Simões comanda a comunicação da Coca-Cola há 13 anos. Tornou-se pessoa-chave na empresa para integrar o discurso entre as 46 fábricas em todo o país. Recentemente, a companhia distribuiu documento que reforça a política de marketing responsável para crianças. Há preocupação declarada com o tema e também com o problema global do aumento da obesidade. A opção tem sido pela transparência. Simões ajuda a divulgar os valores da empresa em todo o sistema fabril. Nesta entrevista, ele fala desse desafio. Veja a seguir os principais tópicos.

Regra
“O anúncio que fizemos não é novidade. Tudo o que anunciamos já fazíamos. A regra de não fazer publicidade dirigida a crianças até 12 anos já existe há mais de dez anos. Os demais pontos temos desenvolvido ao longo dos tempos: oferecer produtos de baixa caloria, limitando a quantidade nas embalagens, ter presença discreta em escolas, intensificar mensagens educacionais de vida ativa e nutrição.”

Escolha
“No Brasil há uma lei para se colocar as calorias nas embalagens. Mas há cinco anos tivemos a ideia de colocar na frente da embalagem, em destaque. As embalagens menores foram criadas para ajudar no controle de calorias. Queremos oferecer quantidade de baixa caloria ou sem calorias. Quando falamos em baixa caloria, falamos de limitação de conteúdo – uma latinha de Coca-Cola tem 106 calorias. Em todos os nossos pontos de venda, até 20% da oferta é de produtos de baixa ou sem caloria, para que as pessoas tenham escolha.”

Controle
“O que é importante nesse anúncio é que queremos ser mais explícitos, nos encaixar ao que vai ser cobrado. É como política pública: há uma lei. Se você não fiscaliza a lei, ela não será cumprida. Na Coca-Cola, há mecanismos de fiscalização internas. Mas, às vezes, o tempo que se leva para conseguir passar uma mensagem para o último ponto da sua cadeia de valor demora muito. Uma ação desse tipo explicita isso de uma forma tão clara, que alinha muito mais rapidamente toda a cadeia. Não somos uma empresa, somos um sistema complexo. Alinhar as coisas dentro da Coca-Cola é muito fácil. Mas somos um pedaço relativamente pequeno do negócio. O braço do mercado são os nossos fabricantes. E eles têm que fazer as mudanças. Por isso temos que passar todas as mensagens para eles, e cobrar deles.”

Família
“Não anunciamos em nenhum programa que não tenha pelo menos audiência de 65% de adultos. Outra coisa: não existe publicidade da Coca-Cola sem adultos. Crianças podem aparecer, mas há sempre adultos. Você verá jovens ou adultos com filhos ou jovens adultos. É uma visão de consumo família. A publicidade não pode ser dirigida à criança que pedirá algo ao pai e, sim, o contrário.”

Racional
“Não há problemas em uma criança consumir nossos produtos. O que não queremos é que a criança tome a decisão sozinha e à revelia de seus pais. Os pais devem direcionar a decisão e a quantidade de consumo. Não nos interessa ninguém que tome quatro litros de Coca-Cola por dia. Queremos que as pessoas consumam racionalmente.”

Gula
“A obesidade e o sobrepeso são problemas globais. Em todos os países está instalada e há uma tendência global. Mas a obesidade é multifatorial. Não existe uma razão exclusiva para a sua existência e que simplifique o porquê disso. O principal problema é a falta de atividade física. É a pessoa não andar mais até a esquina para comprar um pão, não descer ou subir escadas, não levantar para virar o botão da TV. Tudo isso junto fez a humanidade diminuir a quantidade de atividade física. Nos EUA, dos anos 70 aos anos 2000, o gasto de calorias das pessoas foi reduzido em cerca de 25%. A pessoa que ia a pé para o trabalho passou a ir de carro. Junte a tudo isso uma disponibilidade global maior de calorias. Está mais barato se alimentar. O acesso à alimentação no Brasil, por exemplo, melhorou porque a renda melhorou. O custo por caloria diminuiu. O ser humano é guloso. As pessoas estão fazendo cada vez menos atividades físicas e consumindo mais calorias.”

Pelotão
“O Rio de Janeiro hoje é a capital mais obesa do Brasil. Em Fortaleza também há um forte aumento da obesidade. São capitais onde há um grande contingente de pessoas da classe C suburbana, com dieta baseada em comidas pesadas, como a feijoada. É algo muito carioca. No Brasil, a obesidade cresce muito, mas o país faz parte de um pelotão médio nesse assunto. Os EUA estão na frente, México, alguns países do Norte da Europa, da Ásia. Japão e outros que ainda sofrem com problemas de fome estão bem abaixo. Temos a sorte de estarmos em um mercado – de bebidas – em que se pode oferecer produtos de zero calorias com qualidade. O chocolate, por exemplo, que é bom para a saúde, precisa ser consumido em quantidades baixas. Nós não temos esse problema. Temos uma oferta de produtos de baixa caloria. Qualquer refrigerante pode ser zero. Ainda é pequeno o volume de pessoas que consomem essa versão, o que é um problema, mas as pessoas têm opção. E para a empresa, não faz diferença consumirem Coca-Cola comum ou zero. Nunca falamos que um produto nosso é mais saudável que outro.”

Interação
“Estamos adequando nosso site no Brasil para ter mais informações e interação com o consumidor. No site, hoje, já há muitas informações sobre nutrição, quantidade de calorias. Quem tiver interesse específico em assuntos científicos encontrará uma área para isso. Se for profissional de saúde terá acesso ainda mais diferenciado.”

Abordagem
“Somos uma empresa que não é um problema para a saúde. Mas queremos ser parte da solução. Nossos produtos sozinhos não são responsáveis por nenhuma questão de saúde. Mas dentro do mix geral da questão de saúde global e em especial a obesidade, queremos ser parte da solução. Queremos ajudar as pessoas a fazerem esportes, oferecendo opções, produtos de baixa caloria e informação nutricional. Queremos ser parte da solução, mesmo entendendo que não somos a razão de problemas de saúde na população. Continuaremos fabricando produtos deliciosos, que as pessoas querem consumir – e cada um tem um benefício diferente – e ser claros nesse debate. E puxar outras empresas para seguirem o exemplo de Coca-Cola.”

Momento
“Estamos na maior parte do mercado de bebidas. Cada bebida tem seu momento para ser consumido. O que queremos é dar ao consumidor a possibilidade de se hidratar de várias maneiras – suco, água, chá, energético, refrigerante. Há pesquisas que demonstram que as pessoas que tentam beber só água acabam não se hidratando adequadamente, porque não aguentam beber tanta água. O ideal é variar.”

Positivas
“Nossos produtos com ou sem calorias têm a mesma nomenclatura. São Coca-Cola. Fizemos no começo do ano uma campanha focada nas 123 calorias positivas – calorias que havia em uma garrafinha média. A mensagem focava em como gastar as 123 calorias consumidas: abraçar os amigos, dançar, conversar. E falávamos da opção sem calorias para quem não quisesse gastá-las. A Coca-Cola está no ar 52 semanas por ano – pode ser zero ou não – e há estratégias de marketing específicas para os produtos sem calorias.”

Diretrizes
“O nosso negócio é dirigir o sistema Coca-Cola no país. Nossa área técnica vai assegurar que as fábricas sigam as nossas diretrizes globais. Na minha área preciso assegurar que o que está acontecendo seja passado para os fabricantes e que ele receba as mensagens e tenha a visão que temos. Quando fazemos o relatório de sustentabilidade, temos que considerar nossas 46 fábricas espalhadas pelo país. Distribuímos para um milhão de pontos de venda. Nós somos uma empresa pequena, sem considerar o sistema todo.”

Tentáculos
“A área de comunicação deixou de ter a função de suporte na voz da marca para ser uma função-chave em assegurar o mercado. A quantidade de barreiras que passaram a existir para empresas – governamentais, barreiras de exigências de valores da companhia e de saúde – são tão grandes que você tem que pensar em todos os seus tentáculos o tempo todo. As áreas de comunicação e de marketing passaram a trabalhar de maneira mais próxima. Nós temos que falar 360º, com todos os públicos. Uma campanha que será lançada muitas vezes não precisa ser testada apenas com o consumidor, mas com todos os públicos de interesse. É preciso avaliar todos os aspectos da campanha – que não tenha elementos que a caracterizem como publicidade destinada ao público infantil, não afete nenhum público de interesse. Há tantas nuances que o jurídico passa a ter uma atuação proeminente no dia a dia e a direcionar as campanhas. A área de comunicação, pelo lado positivo, ajuda a trazer uma abordagem que não era tradicional.”

Expressão
“Eu parto do princípio que corremos um risco em relação à publicidade em função da ação dos xiitas. Regulação é bom, obviamente. Acho que há questões dramáticas em alguns segmentos – como o de medicamentos, por exemplo, no qual precisa haver limitações mais sérias. Não se pode anunciar medicamentos para qualquer um. Tem havido uma tentativa de limitação da voz das empresas. Tanto que nos dois últimos Congressos Brasileiros de Comunicação esse tema foi central.”

Reclamações
“Acreditamos na autorregulamentação. O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é a instância jurídica mais bem-sucedida do Brasil, mais eficiente e mais rápida. Estamos vendo uma escalada de reclamações. O Conar tem que cuidar, hoje, de mais reclamações do que no passado. Atualmente, o consumidor tem mais canais para se manifestar.”

Tripé
“Meu ponto de vista é o da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes). Minha maior defesa é dos direitos do anunciante. Tenho críticas ao modelo de remuneração, ao BV, são discussões em que defendo o ponto de vista dos anunciantes. Mas é uma defesa que não exclui a do mercado de comunicação. É uma briga dentro de casa. Quando se fala de anunciantes, agências e veículos, são três pernas de um negócio que interessa a todos nós. As três áreas estão muito próximas. É uma briga entre irmãos. Obviamente, temos que bater para defender nossos pontos de vista. Quando se fala em capacitação, as agências cobram caro e muitas vezes não são capacitadas para os serviços que prestam. Discutimos a remuneração das agências direta e indireta, por meio dos veículos. Levamos para os fóruns corretos e discutimos. Mas a defesa do mercado de comunicação tem que ser feita por todos, indistintamente.”

Propaganda
“Temos uma área central que faz a avaliação das agências. A partir daí, as agências se qualificam a criar campanhas da Coca-Cola. Os critérios são de qualidade, inventividade. As campanhas são avaliadas, o porte, estrutura no Rio (embora não seja obrigada a ter um escritório). Há vários itens. Nenhuma agência hoje trabalha com uma marca em especial. Isso varia. Nenhuma agência tem uma conta permanentemente. Elas têm projetos. Trabalhamos com várias. A McCann sempre foi a agência, muitas funções eram terceirizadas na agência – como acompanhar mercado, a mídia. Com o tempo, muitos desses job descriptions foram incorporados pela companhia. A WMcCann continua sendo uma grande parceira, criando campanhas excelentes, é uma agência muito importante. E nos ajuda muito na área de planejamento de mídia.”

Criação
“Temos um vice-presidente mundial de criação em Atlanta, que é o Jonathan Mildenhall, que veio da Mother. Ele estimula as agências, é muito mais um inspirador do que um criativo. Ele faz cocriação. Tem que buscar as agências certas, e trabalhar junto com elas. Ele faz briefings que são verdadeiros presentes para as agências. No Brasil, temos ainda uma gerente nacional de design.”

Teste
“Quando desenvolvemos nossa visão global de sustentabilidade, o fizemos no Brasil com uma agência chamada Alexandria, em São Paulo. Eles tinham até publicitários. Mas tinha antropólogos, psicólogos, um monge budista (Gustavo Pinto). A criação do briefing é feita de maneira diferente. Leva-se para as agências ideias já avançadas. Quando se precisa desenvolver uma nova campanha, grande, uma nova visão, seleciona-se uma agência que vai desenvolver com você a grande ideia criativa central. E não necessariamente será ela a desenvolver a ideia. Aí chamamos as agências que trabalham com comunicação interna, internet, outros meios, e alguém que fará algo totalmente inovador. Hoje investimos 80% em meios sólidos, tradicionais, 15% em novos meios emergentes – coisas já testadas –, e a internet entra nesse bolo. E 5% em coisas completamente novas. O caminhão que chegava na comunidade, por exemplo, entra nos 5%. Há um pedaço do orçamento dedicado a isso. Porque se não testarmos novos meios, nunca iremos saber. Não há focus group que teste algo desse tipo.”

Classe C
“Nosso foco fundamental hoje é o jovem de classe C/D. Claro que o produto perpassa todas as classes, mas o maior grupo de consumidores potenciais está na classe C, que é a maior parte do Brasil. Por isso a maior parte da comunicação tem que ser dirigida para esse grupo. Em segundo lugar, para as pessoas que fazem as compras em casa – mães, família. Nosso trabalho de comunicação é muito centrado nesse grupo.”