Divulgação Globo/Raquel Cunha

A máxima “a vida imita a arte” é a prova de que as discussões sobre as barreiras entre ficção e realidade não são recentes. Em uma época onde já vivemos conectados a múltiplas telas, é claro que a publicidade também buscaria formas não apenas de estar presente, mas de se integrar a outros formatos de mídia.

Uma das primeiras ações nesse sentido veio da Globo há cerca de dois anos. Na época, a emissora realizou o primeiro licenciamento de um personagem de suas produções para a Natura. Abigail, a “Biga”, de A Força do Querer, tornou-se consultora de beleza da marca e, em ação desenvolvida pela mcgarrybowen, ganhou um perfil próprio no Instagram, onde falava sobre dicas de produtos e transmitia mensagens institucionais da Natura.

Mariana Xavier, a atriz que dava vida à personagem, também chegou a participar de encontros com consultoras; a iniciativa teve, no total, nove ações de conteúdo produzidos para o GShow.

Já em 2018, o cabelereiro Nicácio, interpretado por Fábio Lago em O Outro Lado do Paraíso, também começou a se transformar em influenciador digital. Ação foi uma estratégia da Talent Marcel para a Claro e conquistou cerca de 10 mil seguidores também no Instagram.

Neste ano, a emissora intensificou a sua atuação junto às agências e marcas para a criação de novos projetos. Em março, Eduardo Schaeffer assumiu como diretor de negócios integrados da Globo. Na ocasião, ele havia comentado a necessidade de integrar “empresas e competências com junção de equipes para oferecer o que há de melhor”.

Nesse sentido, a ampliação do cardápio de formatos já foi apresentada ao mercado para A Dona do Pedaço, atual produção do horário nobre da TV. “Com capacidade de compreender as demandas do público, podemos fazer com que as histórias, ficcionais ou publicitárias, façam parte de sua rotina diária. É nesse entendimento que temos nos inspirado para criar, experimentar e inovar em parceria com o mercado em A Dona do Pedaço”, explica o executivo.

Esse é o caso, por exemplo, do formato fechado com Dona Benta. Além de ações na novela e receitas no site da trama e no GShow, a marca lança uma nova linha de misturas prontas com os sabores dos Bolos da Paz.

As sobremesas da protagonista, a boleira Maria da Paz, também são a razão do primeiro grande projeto de multiplataforma entre Globo e Nestlé. A parceria foi viabilizada pela FCB Brasil, que acredita que a história se relacione com as marcas Leite Moça e Garoto em diversos níveis. “Uma protagonista de uma novela das 21h da Globo que é boleira: quando isso vai acontecer de novo? Entendemos que era algo fora do trivial e a Nestlé embarcou com a gente nesse projeto. Usamos a dramaturgia para falar com o Brasil inteiro – da doceira que vende no farol à que faz bolos de forma industrial. Isso é muito poderoso”, pontua Fábio Freitas, VP de mídia da agência.

A personagem vivida por Juliana Paes compartilha ainda de outras conexões com a empresa: ela é natural do Espírito Santo, mesmo local da Chocolates Garoto, e seu otimismo combina com o mote de Moça, Tudo o que pode dar certo, vai dar certo.

Em breve, a emissora promoverá com a Casas Bahia a segunda edição de Casa de Novela, projeto já executado pela Y&R no ano passado para levar os cenários do enredo para as lojas da varejista.

O fenômeno Vivi Guedes
Em meio a tantas tramas e projetos, uma trajetória específica de A Dona do Pedaço vem roubando os holofotes: a influenciadora digital Vivi Guedes, interpretada por Paolla Oliveira, conquistou uma legião de fãs nas redes sociais e também o mercado publicitário. O Instagram da personagem foi criado no fim de maio, logo no início da novela, e já conta com mais de 820 mil seguidores.

No último mês, a influencer fez sua primeira #publi nas redes sociais com a Avon. A marca, que já patrocinava a obra e fazia ações com Paolla, planeja ativações com Vivi durante os próximos meses.

“Avon é uma marca que tem de falar com todo mundo e se propõe a uma democracia. Começamos a definição do formato alguns meses antes de a novela entrar no ar, a parceria faz sentido do ponto criativo e complementa o plano de mídia. Como é um conteúdo novo, não sabíamos qual seria a reação, mas as pessoas entraram na brincadeira, é entretenimento puro”, reforça Danilo Janjacomo, diretor de criação do Hub Avon na JWT.

Na última semana, Vivi entrou para a história da emissora ao se tornar a primeira personagem a virar garota-propaganda de uma marca. Há um tempo o público acompanhava, tanto na novela quanto nas redes sociais, pequenas interações da influencer com a Fiat. A montadora também fez uma campanha despedindo-se de sua então embaixadora: ninguém menos do que a própria Paolla.

Na última quinta-feira, 8, a Globo realizou uma “integração fluida” entre o conteúdo da novela com o break comercial: após cenas onde Vivi gravava para a marca, uma vinheta especial fez a transição para o filme publicitário com o objetivo de que ele fosse entregue “de forma suave”, de acordo com Maria Lúcia Antonio, gerente de marketing e comunicação da FCA Latam. “A construção desse storytelling foi feita a muitas mãos. Tivemos papel fundamental da nossa agência, a participação do próprio Walcyr Carrasco e de equipes da Globo. Várias barreiras de fazer foram repensadas e mudadas para produzir uma narrativa interessante para o público”.

“Estamos quebrando paradigmas não só ao extrapolar o conteúdo comercial, mas ao realizar toda essa produção e gravação nos estúdios Globo, com a direção da novela”, reforça Andrea Hirata, VP de mídia da Leo Burnett.

A Pernambucanas, que também tem a atriz como sua garota-propaganda, confirma planos de promover ações com Vivi Guedes. Paolla é, inclusive, citada como importante fator para que as marcas decidissem apostar nesses modelos customizados. “Se fosse outra atriz, iríamos considerar da mesma forma, mas num trabalho de aposta. Ter a Paolla deu segurança à marca e facilitou o processo”, revela Janjacomo. “O fato de ser a Paolla faz uma diferença brutal. Talvez se não fosse ela, toda essa narrativa não funcionaria”, diz Maria Lúcia.

Schaeffer ressalta que a Globo por si só já possuía relação de longa data com as anunciantes, mas acredita que a conexão das marcas com a atriz proporcionou ganhos. “Desde o começo do ano, temos nos empenhado em identificar oportunidades de potencializar as campanhas comerciais através, também, da força das histórias e de nossos talentos nas diferentes plataformas em que estão”.

O executivo comenta ainda sobre a sinergia entre as áreas comerciais e de produção de conteúdo da Globo, que começaram a pensar em diferentes formatos para atrair o mercado publicitário assim que houve a definição de que a personagem teria um perfil nas redes sociais. Para o diretor, Vivi tem um “comportamento muito semelhante ao de influenciadores reais”, o que explicaria o sucesso da personagem.

Muito além dos likes, chama a atenção a quantidade de comentários nas postagens realizadas pela influenciadora, seja para alertá-la sobre as ações de outros personagens ou para reagir as suas ações do dia a dia. “Toda vez que a gente entra em contato com uma obra da ficção e mergulha nesse universo, ela se torna real. O real não é aquilo que é palpável, é aquilo o que faz sentido e impacta vidas. As pessoas que acompanham a história encontram na Vivi Guedes uma forma de preencher suas necessidades de referências com o conteúdo que ela oferece. Nesse contexto, acredito que ela seja uma influenciadora real”, reflete Tatiana Amêndola Sanches, professora do curso de ciências sociais e do consumo da ESPM.

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“Para gerar valor é preciso estar de olhos e ouvidos abertos para as mudanças pelas quais passam o mundo e a sociedade. Estamos traçando um caminho para falarmos cada vez menos em pacotes tradicionais”, assegura Schaeffer.