Além do boom midiático, especialistas projetam que o bilionário impulsionará discussões sobre liberdade de expressão na plataforma
O mercado acordou na segunda-feira (4) com a notícia de que o Elon Musk, fundador da Space X e da Tesla, era o mais novo acionista do Twitter, após a aquisição de 9,2% das ações. A notícia ganhou uma continuação, com a entrada do executivo para o conselho da companhia.
Usuário assíduo da plataforma de microtexto, Musk é também conhecido por criticar as diretrizes da rede. Recentemente fez uma enquete para saber o que os usuários achavam da política de liberdade de expressão e até cogitou a criação de uma rede social própria.
Agora, no papel de maior acionista individual e membro do conselho, vários cenários têm sido projetados. A plataforma avisou, no entanto, que a operação é feita pela diretoria e seus colaboradores, não pelo conselho, a quem cabe a função de "aconselhamento e feedback em todo o nosso serviço", declarou o porta-voz ao site The Verge.
Essa é a posição oficial da companhia, mas o mercado trabalha com outros horizontes. A expectativa é de que o executivo dê uma “chacoalhada” na empresa, segundo Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação e professor convidado da FGV e TEDx speaker.
Ele acredita que a chegada de Musk pode representar um ganho de audiência e presença midiática para o Twitter, que também poderá contar com o know-how de um executivo envolvido em diversos projetos. “Ele pode influenciar nos rumos estratégicos da empresa porque ele tem a maior parte dos votos e dos assentos”, afirma.
Alê Alves, CEO da agência CL, também vai na mesma linha e diz que poder contribuir para a realização de mudanças significativas deve fazer parte do acordo. "Por outro lado, quem não queria ele como sócio, trazendo a visão de negócios e a velocidade de ação que ele tem? Acredito que ele já chegou com o plano desenhado e colocou na mesa para comprar”, opina.
Entre empresas digitais, representadas pela Abradi (Associação Brasileira de Agentes Digitais), a compreensão é de que iniciativa de Musk pode representar mais atenção ao mercado. “É muito bom para o mercado ver um bilionário como o Elon Musk investindo em rede social. Para quem é da área de publicidade digital, isso é um fortalecimento da indústria”, diz Carolina Morales, presidente da entidade.
Carlos Pereira Lopes Filho, CTO e sócio-diretor de tecnologia da Raccoon.Monks, também acredita que deve usar todo o seu repertório e poder de influência para fazer as transformações que julga necessárias.
“O Elon Musk já faz um tempo que critica a falta de "livre discurso" no Twitter. Apesar de ser um tema polêmico e contraditório, acredito que ele deva trazer esse ponto para os holofotes nas próximas semanas”, analisa.
Ele lembra que o executivo mal chegou e já perguntou aos usuários sobre a ideia de implementar o "Botão de Edição", um pedido antigo dos usuários da plataforma. Logo após, o Twitter anunciou que lançará o recurso no "Twitter Blue Labs", serviço de assinatura premium da plataforma, como uma forma de testes.
Essa “visão” de usuário de Musk, cultivada também a partir das suas interações, pode ajudar a convencer a plataforma na adoção de novas ferramentas e funcionalidades, de acordo com o professor Tiago Souza, do curso de Publicidade e Propaganda da Belas Artes.
“O que é benéfico pra empresa, porque os usuários vão ter mais vontade de estar mídia com essas melhorias. E no fundo, no fundo, quanto mais vontade e melhor a mídia é, mais tempo você fica dentro dela. E quanto mais tempo fica dentro da mídia, mais dinheiro ela ganha, porque esse share of time do usuário faz com veja e clique em mais anúncios.”
Na concepção de Weverton Guedes, diretor de inovação e negócios na REF+, a busca de Musk por influenciar a rede, priorizando a liberdade de expressão, é um caminho para a cultura de algoritmo open source, onde a comunidade tem mais poder de influência em relação ao que é publicado. Uma estratégia que, segundo o profissional, pode trazer desafios não só para a empresa como para o mercado publicitário.
“Com essa democratização na forma da plataforma lidar em prol de maior liberdade de expressão, alguns impactos como a redução do volume de propaganda disponibilizada na plataforma também pode acontecer”, explica.
Para ele, essa mudança afetaria o modelo de negócios do Twitter, e Musk teria a ajudar encontrar caminhos para manter a empresa com saúde financeira, seja com a integração de serviços com as suas empresas ou usando a base de dados massiva do Twitter para fomentar modelos de inteligência que possam ser utilizados por outras empresas.
Bilionários no mercado de mídia
Entre os especialistas, há também que não espere grandes mudanças, como é o caso do João Finamor, professor de marketing digital do Prime MBA ESPM. “É algo muito mais pessoal, pró-Elon Musk do que efetivamente algo para a plataforma, que vai trazer grandes mudanças e impacto”.
Ele analisa essa movimentação do executivo da Tesla com a atitude que busca competir com um outro bilionário, Jeff Bezos, fundador Amazon, que comprou o The Washington Post em 2018. O mercado de mídia se tornaria mais um ambiente para as famosas rusgas entre os dois líderes, competidores na corrida espacial.
Daniela Graicar, sócia e coCEO da PROS, analisa que o movimento de aquisição ou participação de bilionários em veículos de comunicação e canais de mídia tem dois lados. O positivo, como uma forma de garantir a existência desses meios; e o negativo, o poder do controle da informação e da opinião.
"Já há pessoas pedindo que o Musk intervenha de formas estranhas, como trazendo de volta a conta do Trump. Então, é preciso questionar: até que ponto, como acionista e com o poder que ele ganha, ele será isento e manterá o Twitter como essa plataforma aberta expressão de pensamento, de reclamar e dizer o que você pensa?", questiona.
Karan Novas, sócio e CCO da Tulom, recorda que a trajetória de Musk no Twitter é marcado por polêmicas e movimentos com os quais conseguia "manipular" seus próprios negócios, de concorrentes, a cotação de criptomoedas e até de bolsas de valores com um simples tweet. "Agora, como um executivo oficialmente ligado à companhia, ele passa a ter um nível mínimo de comprometimento com sua postura, principalmente diante dos demais acionistas e da reputação da empresa. Isso pode deixá-lo mais comedido", complementa.
Os próximos capítulos - ou tuítes - devem dar mais clareza e visibilidade sobre a força e o poder de atuação do bilionário na plataforma.