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Premiada como uma das mais criativas do mundo nos festivais internacionais, a propaganda brasileira ganhou reconhecimento global nos últimos anos graças ao nosso principal produto: o talento dos nossos publicitários. No entanto, o mercado começa a perceber um movimento que pode colocar em xeque a nossa capacidade criativa: a fuga de novos talentos para outras áreas, como empresas de tecnologia, startups e veículos, além de outros países. A questão preocupa criativos que estão no comando de grandes agências, que avaliam as consequências disso em alguns anos e propõem uma revisão da cultura dentro das agências. 

“É uma atividade que até pouco tempo atrás atraía milhares de jovens saindo da faculdade, grandes talentos, que queriam trabalhar em propaganda. Isso já não ocorre bem dessa forma nos últimos anos por vários motivos. A gente está perdendo profissionais para outros países, para outras áreas, para startups e empresas de tecnologia. É preocupante porque se perdemos novos talentos, daqui a cinco, dez anos, não teremos o nível de talentos que temos até agora há pouco. E esse é o grande produto final que a gente vende para os nossos clientes. Sem talentos, não consigo diferenciar uma marca da outra, não consigo posicionar um produto. Preciso de talentos”, disse Mario D’Andrea, presidente e CCO da Dentsu, ao assumir a gestão da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) no último mês. D’Andrea citou a questão como um dos seus grandes desafios à frente da entidade. “Temos de recuperar a autoestima da atividade, não só das empresas e agências, mas dos profissionais mesmo”.

A reputação criativa que as agências brasileiras conquistaram nos últimos anos é apontada como um dos motivos por colocar os talentos na ‘vitrine’. “O Brasil construiu uma reputação ao longo dessa última década de uma maneira muito intensa, ficando entre os países mais criativos do mundo. Isso deixou o mercado internacional muito curioso com os brasileiros. Paralelamente a isso, os brasileiros que foram trabalhar fora também consolidaram essa reputação. Porque nós trabalhamos bem. A gente tem fama de se dedicar muito, isso encanta as agências internacionais. Todos os níveis estão sendo procurados, inclusive os estudantes, os mais jovens”, contou Paulo André Bione, diretor acadêmico da Miami Ad School/ESPM.

O headhunter Andy Knell, sediado em Londres, confirma a boa fama dos publicitários brasileiros. “Historicamente, há um forte interesse em criativos brasileiros porque a propaganda brasileira é famosa por ter um ótimo craft, particularmente nas mídias tradicionais, em Press e Outdoor. O Brasil ganha muitos prêmios, os criativos são conhecidos por irem muito bem nos festivais internacionais. Outra coisa é a cultura brasileira. Eles são muito positivos e apaixonados por propaganda. Isso é muito apreciado na Europa e nos Estados Unidos”, contou Knell, que recruta criativos brasileiros há cerca de dez anos. Segundo ele, contratou cerca de 20 nos últimos anos. “Eles são muito legais, flexíveis e apaixonados pelos que fazem”.

A crise econômica é outro fator que leva os jovens publicitários a buscarem oportunidades em outros países. A Miami Ad School, que possui 16 unidades espalhadas pelo mundo – no país a escola está em São Paulo e Rio de Janeiro -, tem um programa chamado “Quarter away”, que é um trimestre em que o aluno pode fazer fora do país. A escola já levou, nos últimos 15 anos, 300 estudantes brasileiros para outros países. Desse total, 20% dos jovens foram contratados para trabalhar em agências internacionais, como AKQA Nova York, Saatchi & Saatchi Londres, FCB de Nova York, Ogilvy de Londres, Young & Rubicam de Prada, McCann Londres e R/GA NY.

“Estamos há alguns anos numa crise política e econômica e quando eles vão para fora, as coisas parecem mais atraentes, fluem melhor, o que é um atrativo para eles. Quando a gente começou a escola, há 15 anos, trabalhar fora era uma coisa para poucos. A globalização deixou essas barreiras inexistentes”, disse Bione.

Quase um mercado do futebol

Apesar da vantagem em ter um mercado aberto, competitivo e cobiçado por agências internacionais, a falta de interesse dos jovens em trabalhar no Brasil chama a atenção. “O que me preocupa é que eu tenho visto um movimento em que as pessoas hoje saem de uma Miami Ad School ou até mesmo da Cuca e elas não estão mais nem passando pelas agências do Brasil. Isso não existia na minha geração. A nossa opção era primeiro ficar no Brasil, até porque o mercado internacional não estava muito aberto para talentos brasileiros. O problema maior que eu vejo hoje é que os jovens praticamente nem experimentam o mercado brasileiro. Muitas vezes eles dão um salto ou ficam muito pouco tempo aqui. É quase como o mercado do futebol. É óbvio que ainda é um movimento inicial, mas eu acho preocupante para os próximos anos”, destacou André Kassu, sócio e CCO da Crispin Porter + Bogusky Brasil.

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Kassu conta que a equipe toda da CP+B vê muitos portfólios e, segundo ele, morar fora é um assunto que aparece em quase 90% das conversas dos estudantes. “Para mim é uma surpresa quando um menino de 22 anos me fala que já está pensando em ir para fora”. O criativo revela que este ano a agência contratou 30 pessoas. “Temos uma equipe hoje com novos talentos. O nosso desafio é pelo menos conseguir manter eles no Brasil”.

Para ele, as agências estão sendo questionadas. “Temos um modelo de cultura de agência que é pouco falado. Eu acho que a transição de cultura de agência vai ser sobre absorver esses novos talentos. Mas se a gente não fizer uma revisão de cultura como agência, vamos continuar perdendo. E a gente não perde só para outras agências. E isso não é só um fenômeno no Brasil. Em qualquer lugar do mundo um menino que está começando no mercado de comunicação tem muito mais coisa para pensar do que tinha antes e é normal que comece a equacionar isso. E na equação dele, quando coloca o Spotify versus uma agência, talvez o Spotify, até por ser uma novidade, seja mais interessante. No fundo, todo mundo quer ser ouvido. Essa é uma geração mais inquieta”, opinou Kassu.

O diretor acadêmico da Miami Ad School/ESPM afirma que há uma discussão da escola com presidentes e diretores de criação de como reter esses talentos aqui. “Eu acho que a gente tem de tornar o nosso mercado mais interessante para eles. Oferecer mais oportunidades criativas, desafios. Essa juventude está buscando desafios. Esses jovens têm pressa. E eles são impactados com a crise e veem que as agências estão com quadros menores”.

Por outro lado, o especialista avalia que o movimento também é positivo, saudável, faz as pessoas se mexerem e faz o mercado querer ser melhor. “A competição é melhor em todos os níveis. O criativo tem um nível internacional, tem uma visão global do está acontecendo. Isso é bom para as marcas”, afirma.

Fernanda Antonelli, vice-presidente de operações e atendimento da mcgarrybowen, observa que a nova geração é mais preparada. “Uma grande parte deles tem fluência em dois ou mais idiomas, é viajada e está muito conectada, o que facilita para quem tem interesse de morar fora. Não podemos esquecer também que existem perfis diferentes de talentos, que têm interesse em trabalhar em empresas de tecnologia, veículos ou agências. São criatividades distintas. Acredito que o grande desafio para o nosso mercado é essa pressa em crescer rápido, o imediatismo que é próprio de uma geração que já nasceu com a internet”, afirma.

Já Maria Eduarda Lomanto, VP de RH da DM9, acredita que quando um jovem busca outros players é porque ele quer ser mais do que um publicitário e conta que a agência incentiva que eles devem ser empresários criativos e criativos empresários. “Uma ação de desenvolvimento é o intercâmbio entre agências da holding DDB. A DM9 tem um EVP (Employee Value Proposition) alto, com grandes clientes e grandes oportunidades. Estamos no momento de renovação com a chegada do Nizan, trazendo motivação e impulsionando a alta performance. Claro que a geração Y tem uma gana por mudança e isso é natural”.