Quando meus amigos mais de esquerda vêm me falar do mal que a Rede Globo poderia um dia ter feito ao país descaracterizando sua cultura e de certa forma pasteurizando suas diferenças regionais e unificando o acento no falar (sotaque), eu fico pensando: mal mesmo quem fez – e faz – é o Banco de Imagem gratuito.
O Banco de Imagem, aquele que dá acesso ao uso de milhões de fotografias, está criando um país que não existe.
E suas fotos estão na maioria dos sites, em milhões de outdoors espalhados pelo país, em incontáveis cartazes, folhetos e até mesmo material escolar, mostrando um povo que jamais viveu nesta terra.
São lourinhos, de olhos azuis, todos os dentes, tratados desde a tenra infância, negros cuja única característica é a pele escura, geralmente de traços nórdicos, com roupas e atitudes que estão mais para Noruega, Suécia ou Dinamarca do que para a terra descoberta por Cabral.
Dirá ainda o eventual leitor destas linhas: e isso é um mal que mereça figurar nas páginas desta tão importante publicação? Eu respondo que é sim, e continuo. O Banco de Imagem permite não só você criar uma nação irreal, mas também empresas irreais, entidades irreais e ambientes de trabalho irreais.
Se eu criar da minha imaginação um Centro Cultural Lula Vieira e afirmar que realizo centenas de eventos destinados ao aprimoramento da sociedade brasileira, o Banco de Imagem me fornecerá, sem ônus, milhares de opções de fotos de auditórios lotados, pessoas diante de PowerPoint fazendo exposições aparentemente seríssimas, plateias entusiasmadas, reuniões, debates e painéis.
Daí eu posso montar um site que de verdadeiro não existe nada, mas que a um desavisado vai parecer se tratar de instituição das mais meritórias. E o Centro Cultural Lula Vieira poderá existir de verdade, pois, com a maior desfaçatez, as fotos “meramente ilustrativas” passarão a validar qualquer mentira que eu queira escrever.
Quem andar na periferia de nossas cidades, nos lugares mais sujos e inóspitos, vai encontrar painéis oferecendo planos de saúde e de assistência odontológica com enfermeiras sensualíssimas, sorrisos de top model e médicos e dentistas de jalecos impecáveis, atendendo um povo bem nutrido e bem-vestido, geralmente com uma criança feliz e sem picada de mosquito.
E isso não custa nada, bastando baixar a foto na internet, colocar um texto tão falso como a foto e temos uma peça publicitária. E a moda pegou em todo lugar, até em propaganda governamental, de prefeituras, secretarias de estados e ministérios. Precisa ilustrar com alguma coisa?
Para que pagar um ilustrador, fotógrafo ou modelo? Basta pegar uma foto na internet, sempre tecnicamente perfeita, e está resolvido o problema.
A patuleia vê tanto filme americano que é capaz de acreditar que em Carajá da Fronteira o posto de saúde tem médicos louros, de terno e jaleco, e enfermeiras de coque prendendo os cabelos louros. Não tenho nenhuma ilusão que os consumidores passem a ter alguma desconfiança com um anunciante que ilustra sua mensagem com fotos irreais. Quem compra pílulas antibarriga merece levar de brinde uma foto falsa. Resta-me lamentar a quantidade de dinheiro que poderia estar nas mãos de modelos, fotógrafos e ilustradores que não estão indo para lugar nenhum.
E mais: fazendo a propaganda brasileira perder seu vigor criativo, iludida com os baixos preços das “ferramentas de produção”, tão ilusórias como a maioria dos produtos que anunciam. Banco de Imagem e slogans em inglês. I am out.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor