Diretor de criação, designer de moda e fundador da Musgu, Yanly Kassin Erh é filho de um dos ícones da publicidade brasileira, Erh Ray
Se tem uma coisa que fica evidente para quem tem algum tipo de contato com o trabalho do jovem diretor de criação, designer de moda e fundador da Musgu (@musgu.inc), Yanly Kassin Erh, é que a ele não falta imaginação.
Então, não seria uma linha imaginária como a do Meridiano de Greenwich que o impediria de ir atrás de suas inspirações para criar, ainda que do outro lado do mundo.
E foi rompendo esse eixo entre o ocidente e o oriente, além de tantas outras barreiras, que Yanly, filho de um dos ícones da publicidade brasileira, Erh Ray, foi morar em Tóquio, no Japão, como conta na entrevista a seguir.
Como é ser um jovem criativo brasileiro em Tóquio, no Japão, e como você acha ser percebido por esse mercado?
Eu diria que o Japão acaba me abrindo oportunidades para outros mercados. Sendo um jovem que cresceu no Brasil, onde a cena de moda nem sempre foi tão forte – embora esteja crescendo cada vez mais –, eu encontrei um espaço especial no Japão, porque acredito que a cena de moda aqui é uma das melhores do mundo, no sentido de que cada um usa o que gosta e não tem essa questão de tendência. Com isso, muitas das tendências vêm do Japão, porque as pessoas acabam tendo uma expressão criativa muito maior do que em outros países. E eles têm a confiança de criar outros estilos, que nem sempre são aceitos pela maioria das pessoas. Então, no fim, é o que acaba gerando as tendências que depois todo mundo começa a gostar. E isso me abre um espaço de inspiração muito grande, onde consigo olhar várias coisas que estão nascendo no mercado da moda e, muitas vezes, são inovadoras. Além de que também me dá um público para criar coisas que são mais diferentes, que sei que serão aceitas por eles. Também não deixa de existir dificuldades por conta da barreira cultural e da língua, mas acho que isso pode ser visto até como uma oportunidade — acabo sendo percebido como uma “novidade” dentro desse mercado.
Você se apresenta como diretor de criação, mas também é um empreendedor, dono da própria marca, a Musgu. Como gerencia esses papéis no seu dia a dia?
A Musgu faz parte do meu dia a dia desde que eu saí da MSCHF. Minha prioridade agora é a Musgu, quero trabalhar na marca o máximo que eu conseguir. Uma vez ou outra trabalho na direção criativa ou na direção de arte para campanhas e outras marcas, mas esses projetos acabam sendo de curto prazo. Tento balancear de uma forma que eu não perca meu foco na Musgu, mas, ao mesmo tempo, dou o meu máximo nesses projetos separados que, para mim, acabam sendo um privilégio. Por meio destas campanhas tenho a oportunidade de trabalhar em outras ideias e outras áreas da moda, já que a Musgu é uma marca mais de hiking, uma coisa mais militar e tem um universo mais fixo, o que não me permite explorar outros tipos de estilo.
E como é lidar com a questão da língua japonesa nessa rotina? O quanto é uma questão de fato ou não?
Sim, a língua é uma barreira bem complicada. Eu já sabia que queria vir para o Japão desde os 18 anos, ou pelo menos queria experienciar uma vida no Japão por um tempo, então comecei a estudar japonês por conta própria e tive aulas no Brasil. O resto aprendi na prática. Hoje em dia, eu consigo sobreviver no Japão, mas a falta de saber o japonês complica, por exemplo, no quesito de negócios, de criar relacionamentos e amizades. Entretanto, principalmente na área de moda, os japoneses estão tentando aprender inglês. E eu acho que quando estamos falando de design, de arte, de moda, a linguagem é única, então mesmo tendo essa dificuldade, existe a possibilidade de trabalhar com outros criativos ou ter um negócio por aqui. E agora ainda tem ferramentas como ChatGPT e todos esses mecanismos de IA, o que tem feito com que a linguagem não seja mais tanto uma barreira como era antes.

Qual foi o principal fator motivador para você tão jovem se mudar para o Japão?
A cultura japonesa. É uma das culturas nas quais eu mais me inspiro, tanto no trabalho quanto no meu dia a dia. Eu gosto muito da cultura de respeito do japonês, a cultura da moda, da arte, de como eles trabalham e fazem negócios por aqui. Eu gosto da Ásia de maneira geral, mas o principal fator, a princípio, foi querer estudar sua moda. Eu queria ver a moda asiática e japonesa com o meu olhar.
A origem asiática do seu pai teve alguma influência nessa mudança para o Oriente?
Eu não diria que a origem do meu pai foi uma questão que me influenciou, até porque eu fui para o Japão e não para a China. Mas posso dizer que, estando um pouco mais próximo da cultura asiática, isso pode ter me influenciado, ainda que de forma pequena, a ter explorado outras culturas asiáticas. Fui para a China recentemente, para explorar minhas origens e acabei adorando. Encarei a viagem até como uma oportunidade de ficar por lá. Então posso dizer que dessa forma me influenciou um pouco.
No que ser filho do Erh Ray, um dos maiores publicitários do Brasil, e da Fabiola Kassin, uma pesquisadora de tendências reconhecida que atuou como produtora e organizadora de um dos movimentos de moda e cultura mais vibrantes de São Paulo como o Mercado Mundo Mix, contribuiu para a escolha da sua carreira e da sua ida para Ásia?
Os meus pais ajudaram imensamente na minha carreira no Brasil, principalmente a iniciá-la. E sou extremamente grato por isso. Fico muito feliz pela abertura e liberdade que eles me deram de poder explorar esses outros lugares. Nem todos os pais conseguem dar tanto suporte para o filho poder explorar o mercado em um lugar tão longe, como o Japão. Um dos motivos que me fizeram querer vir para cá foi porque meus pais sempre me ajudaram muito a me direcionar para o que eu realmente queria. E eu senti que tinha chegado a hora de tentar fazer o próprio caminho e construir a minha história. E vir para o Japão – um lugar tão longe, onde quase ninguém que eu conhecia no Brasil conhecia alguém daqui, nem mesmo meus pais – foi algo que tive de fazer por conta própria, sem conhecer ninguém e criar as minhas conexões e meus trabalhos. Eles me ajudaram muito no Brasil e sou muito grato por isso. Mas o Japão foi uma decisão minha, para eu tentar fazer a própria história.
Quais aspectos da estética ou da cultura do Japão ou mais especificamente Tóquio, uma cidade altamente visual e simbólica, alimentam sua inspiração e projetos?
Tóquio é uma cidade que tem de tudo. Tem o caos e a calma ao mesmo tempo. O que eu gosto da cidade – e sempre faço questão de falar para as pessoas – é que Tóquio é uma cidade onde você consegue explorar não só horizontalmente, mas verticalmente. Tem muitos prédios e muitos lugares aos quais são dados grande atenção. Quando você está em uma cidade, normalmente você anda pelas ruas e explora as lojas e estabelecimentos que estão a sua frente, mas Tóquio é uma cidade tão grande, que tem vários edifícios nos quais você precisa entrar e explorá-los em um sentido vertical. Em cada andar você acha um bar, um restaurante, uma loja, um escritório. Todo negócio aqui, mesmo que seja um negócio pequeno, tem uma atenção e um cuidado extremo. Então você sempre vai achar umas pérolas escondidas nestes lugares. Há muito o que explorar em Tóquio e eu acho muito interessante que isso também entre na questão da cena underground do Japão, que é onde nascem todas as novidades da arte e da moda. E eu gosto disso, gosto de como as pessoas no Japão se expressam, principalmente no mundo da arte, e como têm esse espaço criativo para poder desenvolver coisas novas.
Seria possível comentar o que você considera real ou o que faz parte apenas do imaginário brasileiro sobre o Japão?
Em sua maioria, os japoneses são bem mais frios que os brasileiros. E eu, sendo brasileiro e vivendo a cultura do Brasil, que é uma cultura quente, de amizade, pessoas muito abertas e receptivas, percebo que o japonês tende a ser receptivo para os turistas, mas ele é mais íntimo e um pouco mais frio como pessoa. O que não é ruim, mas para mim acaba sendo uma coisa que não estou acostumado e me causa estranhamento, pelo jeito que nós somos. Eu também diria que é verdade que o japonês é organizado, cuidadoso com a limpeza e muito respeitador. A cultura social deles é muito mais forte, às vezes, mais até que as próprias leis. Eles estão muito mais preocupados em saber o que os outros acham do que realmente se é algo legal ou ilegal. Então, você não vai ver lixo na rua; eles vão esperar o sinal vermelho até ficar verde – mesmo que não tenha carro – e isso é algo culturalmente ensinado. Não vai ter grandes problemas se a pessoa não fizer certas coisas ou fizer ao contrário, mas tem uma pressão social tão grande que simplesmente eles não vão fazer.
Para quem trabalha com comunicação ou na indústria criativa, em geral, no Brasil, o quão aberto ou não é o Japão para brasileiros?
Eu acho o japonês aberto para o turista, mas com a quantidade de turistas que tem vindo recentemente, acredito que eles estão um pouco cansados. Eles são receptivos, mas tem essa diferença cultural que precisa ser respeitada, tanto para o brasileiro quanto para o japonês. E é uma mistura, tem japonês que é mais aberto para a cultura do Brasil e tem outros que são menos. Então, tem de balancear. Mas eu acho que para todo mundo que tem a possibilidade de vir para o Japão, deveria experimentar a vida aqui e ver como ela é. E todo brasileiro que vier, precisa ter essa consciência de que o Japão tem uma cultura diferente e precisa ser respeitada. Se você respeitar e fizer tudo da maneira correta, eles vão estar abertos para você.
O que você diria para outros jovens criativos brasileiros que cultivam o interesse da experiência profissional asiática?
A Ásia tem um extremo potencial. É um lugar que tem tanta cultura e tantos profissionais na área criativa, tem tanta coisa acontecendo que todo mundo que tiver a oportunidade deve vir para cá, pelo menos por um tempo. Você aprende muita coisa com os asiáticos, você se inspira em qualquer lugar e a cada segundo onde você está, seja no Japão, na Coreia do Sul, na China... A língua é uma diferença, mas hoje em dia eu acho que não é desculpa – ainda mais com o Google Tradutor e tudo o mais que há disponível. O choque de cultura aqui é tão grande que mexe com seu cérebro. Foi exatamente esse choque cultural que eu tive quando vim para o Japão que me fez querer trabalhar com moda. Tem de vir.