Uma das cenas de ficção científica dos anos 1990 produzidas em Hollywood mais cultuadas é a do filme Demolidor. A tenente Lenina Huxley, interpretada por Sandra Bullock, convida o sargento John Spartan, de Silvester Stallone, para fazer sexo. Enquanto o homem, que havia sido congelado e despertado em 2032, espera a “troca de fluídos”, a moça do futuro surge com um equipamento de realidade virtual e mostra como é que se faz. Fora a crítica irônica de um futuro que parece inevitável, a cena apresenta a personagem nativa da geração que hoje é apelidada pela letra Z totalmente entusiasmada em compartilhar uma experiência imersiva com o colega do século passado. Coincidência ou não, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos observa justamente essa tendência de pessoas cada vez mais interessadas em experiências de realidade virtual (RV).

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Segundo estudo conduzido pela organização de profissionais Advanced Imaging Society, de Hollywood, que entrevistou mil pessoas, sete em cada dez adultos entre 18 e 60 anos já se mostram altamente entusiasmados em relação à RV. De acordo com a entidade, um dos pontos mais surpreendentes é que a aceitação em relação a esta nova forma de consumir entretenimento ocorre em todas faixas de idade.
No plano geral, a pesquisa revela que 73% dos homens e 65% das mulheres demonstram entusiasmo em consumir conteúdo por meio de realidade virtual. Apesar de ser mais alto entre os mais jovens – 72% entre as pessoas de 18 a 29 anos –, o número entre o público de 30 a 44 anos chega a 70%. Até mesmo na faixa etária de 45 a 60 anos, que reúne pessoas geralmente consideradas mais conservadoras quanto ao uso de novas tecnologias, a disposição atinge 62%.

Outro dado interessante destacado pelo presidente da Advanced Imaging Society, Jim Chabin, é a quantidade de gente que confessa estar mais animada com RV do que com outras tecnologias ligadas à indústria do entretenimento que surgiram nos últimos tempos. “Dois terços dos respondentes disseram que estão mais empolgados com a realidade virtual do que estiveram antes com a TV de alta definição ou o 3D”, comenta.

Tendência
A avidez pela realidade virtual não é exclusividade apenas dos consumidores. As empresas também estão atentas para usar tecnologia em ações B2B, como relatou para o programa de TV australiano The Drum a diretora de marketing da agência governamental de comércio da Nova Zelândia, Lauren Bartlett. “Para nós, a realidade virtual é praticamente mais efetiva no B2B do que no B2C”, disse.

No Brasil também já existem várias empresas que estão incorporando a realidade virtual em suas estratégias, inclusive com agências de publicidade por trás das ações. E se engana quem pensa que apenas empresas com grandes orçamentos estão aptas para usar a tecnologia.

A agência Azza, por exemplo, que se apresenta no mercado como sendo uma agência de comunicação que tem DNA de inovação, criou uma iniciativa de live marketing para a Rodobens Imobiliária na qual os interessados nos imóveis conseguiam visualizar os apartamentos que ainda não haviam sido construídos por meio da experiência de realidade virtual. O passeio virtual contemplava até mesmo efeitos sonoros e sensorais, como vento e aroma, além de simular todos os espaços do empreendimento, desde o elevador e áreas comuns, com direito a mergulho na piscina, e vistas reais filmadas dos andares altos.

Também já podem ser vistos no YouTube vídeos brasileiros filmados em 360 graus que podem ser observados de maneira totalmente imersiva com o uso do Cardboard, do Google, ou do Gear VR, da Samsung. Ao conectar o óculos ao celular, o usuário tem a oportunidade de “invadir” o cenário do conteúdo apresentado.

Desafios

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Ao contrário do que pode se imaginar, a produção de conteúdo apto a ser exibido em RV é acessível para boa parte da população, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Uma câmera capaz de gravar em 360 graus pode ser comprada por valores que vão de US$ 400 a US$ 4 mil. Equipamentos mais profissionais são mais caros, mas tampouco custam fortunas. Isso faz surgir a expectativa de que, em breve, a internet será inundada por youtubers e produtores de conteúdo que criarão vídeos para serem vistos em realidade virtual.

Daí surge o desafio mais importante em relação a essa tendência: criar uma narrativa que consiga entreter e surpreender o usuário por todos os lados. “É o elemento mais importante a ser pensado. Se a narrativa for ruim, na RV é ainda mais fácil as pessoas se cansarem”, explica Ricardo Laganaro, diretor de cena da O2 Filmes, produtora brasileira que começou a se aventurar pela realidade virtual há três anos e atualmente aparece como referência mundial na área de entretenimento em experiências imersivas.

Um dos trabalhos da O2, dirigido por Laganaro, é o videoclipe Farol, da cantora Ivete Sangalo, que foi gravado em 360 graus e se converteu no vídeo mais visto da internet filmado nesse formato. Para o diretor, é um exemplo de aplicação prática do recurso com narrativa pensada cuidadosamente para o modelo fora do segmento de games, onde a tecnologia também tem sido utilizada com êxito em vários casos.

Outra obra brasileira que merece destaque é o documentário em curta-metragem Rio de Lama, produzido pela Academia de Filmes, Maria Farinha Filmes e Beenoculus, lançado no último mês de abril. Dirigido por Tadeu Jungle, o filme mostra as consequências do desastre humano e ambiental de Mariana, em Minas Gerais, onde o rompimento de barreiras da Samarco – joint venture formada pela sociedade entre a Vale e a BHP Billiton – causou mortes de pessoas e animais, vítimas desaparecidas, feridas e desabrigadas, além de 660 quilômetros de rios e córregos poluídos pela lama.

Segundo Jungle, a ideia de utilizar a nova tecnologia para gravar um trabalho como esse é a possibilidade de colocar as pessoas dentro da dimensão real do desastre. “Eu vinha pesquisando realidade virtual desde o ano passado e acredito que seja uma nova maneira de narrar e tenho certeza que veio para ficar. Não vai acabar com nada, nem com o cinema e nem outra fonte de entretenimento, mas traz uma nova arte de contar histórias”, diz. Quando aconteceu isso em Mariana, depois de observar muito a RV, pensei que esse era o lugar onde eu tinha de levar as pessoas. Uma experiência como essa ajuda a não esquecer. É um documentário ativista”, complementa.

Para o diretor, outras áreas como o jornalismo e a educação têm tudo para se beneficiar da realidade virtual. “Imagina noticiar uma passeata e colocar o espectador dentro do momento conturbado de um país ou passar um filme nesse formato para um aluno que está estudando história. Você coloca ele dentro da história que ele está estudando por dois minutos e ele nunca mais vai esquecer”, acredita Jungle, mostrando que, além dos consumidores e marcas, também há produtores de conteúdo bastante motivados.