Executivos contam o que mudou no papel do relações públicas com as empresas
Nos últimos anos, o papel de relações públicas mudou muito. Deixou de ser apenas um produtor de release e vai além da manutenção de uma linha direta com a imprensa. Hoje, o PR mais que gerencia crises, mais que administra conflitos para evitar arranhões na imagem das marcas. Ele cria e conduz estratégias de comunicação. E esse trabalho se intensificou com a chegada do digital, pois ampliou oportunidades na construção de conteúdo.
Esta é a opinião de Edson Giusti, CEO da Giusti, para quem nunca se falou tanto em narrativa, porque o mundo digital trouxe novas vozes para a conversa. “Temos notícias e versões. Nem falo de fake news. Falo de versões e interpretações. E as empresas perceberam que podem controlar seu conteúdo de maneira mais proprietária. Garantindo, com mais curadoria e planejamento, o que vai ser publicado sobre sua marca, seu propósito e seus valores”, explica.
Segundo ele, a empresa tem de pensar em se comunicar com a sociedade. A mídia é apenas uma parte dela. “O PR é quem pode ajudar na organização de toda a comunicação do cliente com todos os públicos. Não tem novidade nisso. Isso está nos livros acadêmicos de relações públicas. A diferença é que a repercussão se tornou muito mais imediata no mundo de hoje. A repercussão, tanto positiva quanto as grandes crises, ocorre de uma maneira avassaladora no mundo digital. Ou você está preparado, com uma comunicação integrada e alinhada com seus propósitos de marca, ou você pode perder o controle sobre sua comunicação. Principalmente em uma crise”, analisa.
Para ele, o novo papel do PR é ajudar empresas e governo a falar com a sociedade. “Não vender apenas produtos e serviços. Vender é um território da propaganda. PR é diálogo”, avalia o CEO da Giusti.
Ele comenta que o anunciante de hoje é um cara que amadureceu muito e as empresas já sabem como usar o PR. “Reconhecem que não somos mais apenas relações com a mídia. Há uma nova geração de executivos que amadureceu com o digital e nos demanda esse novo PR, que envolve campanha de relações públicas, estratégia, social, produção de conteúdo, influenciadores, eventos e muito mais”, relata.
Há quem possa pensar que o trabalho das agências de publicidade e o de PR podem ser conflitantes, mas ele é categórico: “De maneira alguma”. Ele afirma que trabalha de forma integrada com as agências.
“Além de saber trabalhar num ecossistema integrado, atendemos agências também como suas agências de PR, parceria que, inclusive, resultou em alguns Leões em Cannes. Este ano, por exemplo, vimos o case da nossa cliente Centauro (O uniforme que nunca existiu) ganhar o único Leão em Glass. Quando a gente fala em uma categoria que avalia o propósito por trás de uma ideia, o diálogo e a repercussão que o PR traz junto à sociedade é fundamental. Isso nos ajudou em uma cultura mais criativa dentro da própria disciplina de relações públicas e resultou na expressão do nosso atual posicionamento: Giusti Creative PR”.
Para o executivo, embora o PR hoje vá além, a assessoria de imprensa ainda é
importante para as marcas. “A imprensa é um dos pilares da sociedade. As empresas sempre terão de se relacionar com ela”, argumenta.
Sobre a edição do Festival de Cannes, onde Brasil já conquistou alguns Leões, na área de PR, mas nos últimos anos não chegou nem perto de um dos cobiçados troféus, ele lembra que foi jurado em 2016, edição em que o Brasil trouxe vários Leões. Mas, ele concorda que o país “já teve anos melhores”. “Realmente este ano não foi bom. Com a pandemia, acho que o mercado teve um olhar muito para dentro. Temos sim que dar mais foco para Cannes e outros festivais. E concordo que temos de aprender a produzir cases para premiações internacionais. Temos bons cases nacionais, mas com pouco entendimento para jurados estrangeiros. Sofri isso quando jurado. Precisamos nos empenhar mais”, acredita.
A Giusti entrou recentemente para o Grupo FSB muito em função da mudança do papel do PR. Conforme ele, fazer parte de um grande grupo de comunicação permitiu que a sua agência ganhasse robustez no que ele chama no grupo de Prigital. “A Giusti conseguiu em pouco tempo ganhar tração para essa transformação digital, com acesso não só a investimentos nessa área, como também para a formação de talentos, aquisição de cultura e visão a longo prazo das mudanças que o digital está trazendo para a indústria”, conclui.
Renata Gomide, diretora de marketing do Grupo Boticário, fala sobre a evolução do pensamento de PR. Para ela, o profissional da área tem hoje papel fundamental no sucesso das estratégias de comunicação das marcas. “Precisamos, cada vez mais, ser relevantes para participar das conversas de forma natural e espontânea e, para isso, é indispensável que a construção das nossas narrativas parta do que as pessoas têm interesse em ouvir, e não apenas do que as marcas querem falar”, argumenta.
Para Renata, a principal mudança consiste em tirar o PR de uma atuação limitada ao meio ou final do processo de comunicação, o que muitas as marcas faziam – visando apenas uma divulgação tradicional na mídia –, e passando a uma atuação em que a disciplina esteja no centro da estratégia, desde o começo da definição do pensamento que indicará os caminhos do storytelling.
O anunciante hoje acredita que o PR passa mais por ouvir o que está acontecendo no mundo, conhecer profundamente a cultura da marca e, a partir disso, montar um conceito de comunicação. “É desse processo que nasce o pensamento sobre como vamos nos conectar e nos manter cada vez mais próximos dos nossos consumidores. Vejo hoje o PR menos sobre ‘divulgar’ uma campanha e muito mais sobre como construir essa campanha em conjunto com todo o time envolvido – do cliente às outras agências”.
Ela fala que isso já ocorria em algumas empresas, mas não era o padrão e poucas sabiam explorar todo o potencial dessa postura. Hoje, já vemos cada vez mais bons exemplos dessa conexão em diferentes empresas. Afinal, a especialidade de um bom PR é entender quem são as pessoas que queremos impactar, alinhadas ao posicionamento da marca, e o que podemos fazer para amplificar a conversa que queremos provocar.
O Grupo Boticário tem alguns exemplos de atuação de PR na comunicação da marca. Uma delas foi a campanha protagonizada por Gretchen, considerada a rainha do bumbum, em janeiro deste ano para o lançamento de Cuide-se Bem Pessegura. A concepção de ideias e conceitos para a ação, assim como o insight da Gretchen para estrelar o clipe da nova versão de Freak Le Boom Boom, bem como os conteúdos do lançamento, tiveram participação da agência PROS, responsável pela frente de relações públicas do Boticário, e a AlmapBBDO, responsável pelas campanhas da marca.
Daniela Graicar, CEO da PROS, também fala da mudança de atuação do PR. Para ela, sem dúvida, a disciplina vem evoluindo bastante nos últimos anos. “Acredito que a principal mudança tenha sido finalmente deixar de lado a visão de que somos simplesmente quem conta as ações de uma marca via imprensa, mas sim como uma parte crucial da estratégia de comunicação, que ajuda a criar histórias, baseadas em como as empresas querem e precisam ser percebidas, atuando diretamente na construção da reputação e do engajamento”, conta ela, acrescentando: “O PR precisa ser um aliado das marcas no entendimento das conversas mais relevantes e estratégicas, entender como elas podem participar de forma orgânica e positiva e construir narrativas que pluguem essas conversas aos princípios e objetivos de cada cliente. Isso pode vir, sim, de sugestões de pauta, mas não pode mais se limitar a isso. Ativações, campanhas, eventos, hoje há dezenas de formatos para se gerar conversação, papel que o PR pode e deve fazer, sem se limitar à assessoria de imprensa clássica”.
Para Daniela, com tantos meios de comunicação, influencers e temas de conversa, o PR criativo e estratégico deve ajudar as marcas a encontrar o melhor caminho para tornar uma história conhecida, admirada. “Por isso, é muito importante que o PR esteja envolvido desde o início de qualquer estratégia de comunicação, assumindo ou auxiliando outros parceiros nesses objetivos”, explica.
Ela comenta ainda que as marcas esperam que o PR seja um aliado para torná-las relevantes em meio a tanto ruído que o mercado enfrenta hoje. “Também buscam, cada vez mais, parceiros com DNA criativo para não apenas amplificar histórias, e sim criá-las a partir do profundo entendimento do que a marca quer reforçar para o público”, analisa.
Segundo ela, o trabalho das agências de publicidade e de PR são – e devem ser – muito mais complementares do que conflitantes, o que contribui para os mesmos objetivos de marca. “O interessante é perceber que o mercado, especialmente anunciantes mais maduros, já entendeu que as ‘big ideias’ podem muito bem vir das agências de PR e assumir o protagonismo em muitas campanhas. Hoje temos diversos cases em que as ideias e as ações que geram toda a conversação vieram da PROS, com as agências de publicidade das marcas criando as campanhas que divulgam essas iniciativas na mídia, ampliando a base de contato”.
Para ela, o trabalho do relações públicas junto à imprensa também é muito relevante na construção da estratégia. O que mudou é que, antes, o trabalho era quase 100% centrado nos jornalistas e o sucesso era medido pelo número de matérias conquistadas. “Hoje, a gente entende que a influência pode ser exercida por uma série de outros players, que vão desde o público interno (cada vez mais ouvido) a influenciadores digitais e todos os stakeholders das marcas”, afirma.
Thays Aldrighe, idealizadora da Rede Tecere, também vai na linha da maturidade da gestão dos negócios para justificar a mudança de atitude do PR. “À medida que essa maturidade aumenta, o PR vai se tornando cada vez mais estratégico para as marcas. E isso inclui a visão que as lideranças das empresas têm em relação ao trabalho de PR, que não é mais requisitado só pelo head de comunicação de uma marca. Hoje, muitos integrantes do board já contam com a participação do PR nas tomadas de decisões que impactam na construção e reputação da marca”, revela.
Hoje, ela afirma que enxerga o papel do PR como aquele que tem a visão 360º do negócio do cliente e consegue colocar a gestão da marca a favor da estratégia desse negócio, considerando todos os stakeholders da marca e todos os pontos de contato dela com seus públicos.
A diferença entre o PR do passado e o de hoje, segundo ela, é a visão integrada da comunicação. “Ele consegue apoiar as iniciativas de negócio da companhia, contribuindo com melhores resultados, sejam eles relacionados à imagem institucional da organização ou à performance de uma ação comercial, por exemplo”.
Fabiane Abel, head de broadcasting da Soko, acredita que a mudança do perfil de PR tem a ver em o profissional não ser mais a ponta final dentro da régua de comunicação, entrando apenas na parte de amplificação, mas fazendo parte de todo o processo de criação garantindo o potencial de earned media das histórias que queremos contar. Para ela o papel do PR é o de ressignificar a forma como se conecta as marcas com os consumidores.
“O novo PR vem para trazer uma comunicação mais próxima e conectada, com o objetivo de gerar identificação do consumidor a ponto de tornar ele também um storyteller daquela mensagem”, diz.
Segundo ela, o PR ainda tem um papel fundamental de construção e manutenção da reputação de marca, que é histórico e nunca vai mudar, segue sendo fundamental, mas tem um outro lugar que é esse de conectar o consumidor de forma mais potente e com histórias que fazem mais sentido para ele, que não seja apenas da marca pela marca, ou de produto.
“Hoje, o consumidor quer se sentir pertencente e conectado com o que ele consome de marca. As marcas estão cada vez mais centradas nos consumidores e o PR também precisa refletir isso”, afirma.
Thays declara ainda que o anunciante espera criatividade na entrega de ações com potencial de earned media e não mais apenas amplificação. “O PR tem ganhado um papel cada vez mais estratégico assumindo, muitas vezes, a prioridade da comunicação da marca, e do investimento em diversas estratégias”, comenta.
Sobre o reconhecimento do trabalho de PR nos festivais internacionais, ela acha que ainda há um longo caminho a percorrer no sentido da valorização da atuação. Para ela, a categoria no Festival de Cannes deveria ser revisitada para uma área de earned media. “Muitas vezes, os jurados ficam procurando uma essência de PR que já existe como uma história de earned media muito forte, mas que eles não notam”.