A relação de Suzana Apelbaum com a internet data praticamente a chegada da conectividade em rede no Brasil. Uma das idealizadoras de agências com foco no digital que ajudaram a construir o mercado, como a MediaLab (1997) e a Click (2000), a criativa deu uma guinada na carreira há quatro anos, quando deixou a rotina de agências de publicidade para encarar o que considera ser o futuro, como head of creative do Google, em Nova York. Na entrevista a seguir, a criativa fala sobre as transformações do mercado, oportunidades no setor de tecnologia e diversidade.
Por que a criação tem sido ponto cada vez mais chave para as empresas de tecnologia como o Google?
O Google levou muito tempo para trazer criativos seniores para a empresa. Nós ainda somos minoria, pouquíssimos, mas é uma área extremamente estratégica e que está crescendo. Do ponto de vista de experiências, os engenheiros de dados têm um mindset que não tem a perspectiva do porquê, se aquele projeto vai conectar com o consumidor. O criativo ajuda a dar sentido para o que os engenheiros estão criando. E o criativo também informa o que precisa para que os engenheiros possam criar. O mindset do cara de tecnologia é experimentação e testes. Mas eles não conectam com o uso criativo da tecnologia. A criatividade é fundamental para que a tecnologia faça sentido, para transformá-la em uma coisa realmente útil.
Ter criativos nas áreas de tecnologia também é vantajoso para trabalhar com as marcas?
Nesses casos, o criativo é mais fundamental ainda porque eles sabem como transformar um insight humano em uma ideia que usa tecnologia. Ajudamos a humanizar a tecnologia. A ideia é a raiz de tudo. É o criativo que tem essa habilidade de conectar um insight abstrato e dar uma leitura criativa usando a linguagem da marca. Esse é meu papel lá. Ajudo as marcas a usarem, a fazerem usos mais criativos e estratégicos das tecnologias, plataformas e dados do Google para contar as histórias delas.
O mercado de propaganda passa por transformações, o que tem levado criativos a considerarem o trabalho em empresas de tecnologia. Como avalia esse movimento?
Acho que os criativos estão um pouco cansados. Há um desejo de criar propaganda e experiências mais úteis, relevantes, que façam parte da vida do consumidor de forma mais interessante. Existe desejo de mudança, e isso é difícil no mercado brasileiro, que ainda é muito ligado em televisão, por mais que o digital tenha crescido. As empresas de tecnologia estão desenhando o futuro das experiências do consumidor e você se sente como parte disso. Paralelamente a esse cenário, o trabalho em agência é muito intenso. Você trabalha de fim de semana, todo dia até tarde. As pessoas querem mais qualidade de vida. As empresas de tecnologia são mais organizadas, oferecem mais equilíbrio. Depois de certa idade isso passa a ser ainda mais importante.
Mas as agências de publicidade também estão nesse caminho de ter um novo olhar nas experiências de marca, certo?
Eu enxergo que as agências estão tentando criar laboratórios de inovação, oferecer outros tipos de experiências, mas talvez algumas marcas não estejam prontas. É todo um sistema conectado. E acaba que as iniciativas de inovação são feitas como que para ganhar Cannes. Não é para criar impacto de forma sustentável. Não estão deixando a inovação permear a cultura da agência. Inovação é aquela anomalia, aquele pedaço que você não sabe muito bem como remunera, nem como investe. Mas existe esforço. Acho que há clientes mais abertos a investirem porque com inovação vem risco, então você tem de poder bancar. Há poucas marcas com coragem e grana.
Qual é seu papel hoje no Google?
Existem 150 clientes prioritários do Google nos Estados Unidos. O que caracteriza ser um cliente prioritário? É um acordo de negócios que determina o valor de investimento, seja no YouTube, pesquisa, dados, workshops etc. A gente fornece informação e insights. Meu time é chamado de strategic value ad. Quando você gasta determinado valor com as nossas plataformas você tem acesso a esse grupo de criação com estrategistas, criativos orientados por tecnologia, designers e produtores. Você tem acesso a esses cérebros que entendem tudo dos produtos Google e muito de marca, que podem descobrir insights inusitados para agências e clientes. Pensamos em campanhas mais impactantes usando tecnologias do Google. Enfim, tudo que é novidade, as marcas querem usar, mas não sabem como ou por quê. A gente ajuda. Essa tecnologia do Google pode ser perfeita para executar a ideia e aqui está um cara de tecnologia que vai te dizer exatamente como produzir isso.
As agências dos anunciantes também entram nessa conversa?
Sim, a gente trabalha totalmente em parceria. Se o briefing vier da agência, a gente funciona como uma consultoria. Ajudamos a levar a ideia para um outro caminho, mostramos como uma tecnologia do Google funciona, ou seja, ajudamos a inovar no digital. Às vezes, o cliente vem direto com a gente. Nesse caso, pode ser que eles envolvam a agência, mas não é regra. De qualquer maneira, a gente sempre avisa as agências que se relacionam com aquele cliente que ele está nos procurando, assim, as mantemos como parceiras. Não produzimos internamente, mas temos produtoras de vídeo que executam os projetos para a gente.
As agências não se sentem como concorrentes com o que vocês fazem na criação?
O mercado brasileiro e o americano são um pouco diferentes, mas teve sim um momento em que as agências ficaram preocupadas de o Google ultrapassá-las ou entrar em contato direto com o cliente, mas a gente não tem o menor interesse nisso. A gente sabe que são as agências que vão influenciar na compra de mídia de qualquer maneira. O Google não vai ser uma agência de propaganda, nós queremos empoderar as agências para que elas façam um trabalho melhor nas nossas plataformas, esse é nosso objetivo. Quanto mais as marcas fizerem um trabalho bacana na plataforma é um ganha-ganha.
Falando no melhor uso dos recursos do Google, no ano passado, a David fez uma campanha para o Burger King com o Google Home que foi bastante discutida.
O Google acabou não gostando, eu entendo totalmente esse ponto de vista porque você está comprometendo a experiência do usuário e, de certa forma, sendo invasivo. Mas, do ponto
de vista criativo e impacto da mensagem, eu acho a ideia brilhante, fez um uso inovador da ferramenta, mostrou um jeito bem bacana de contar uma história. Não sei dizer se os consumidores ficaram irritados, mas achei engraçado. Se fosse uma situação que acontecesse toda hora, aí não acho que seria legal. Mas foi criado para gerar impacto, uma ação de PR para ser um gimmick. Ajudou a construir a marca, mas não incentivaria esse recurso como uma forma de propaganda porque daí fica pentelho. E se ficar chato, não vai funcionar para a marca.
Você é uma das pioneiras no digital com a agência Click e mesmo antes disso, com a Media Lab. Como enxerga a evolução do mercado no Brasil?
A propaganda no digital está cada vez mais legal de se fazer. Está se misturando com a cultura popular, tem se provado que o consumidor só vai engajar com conteúdos que ele julgar interessante, com isso, a propaganda está caminhando naturalmente para entretenimento e utilidade. Isso expande muito o que a gente pode entregar. Eu vejo que nos EUA isso está a anos luz. Recebemos briefing pedindo branded content, então, a gente nem precisa recomendar para o cliente. Essa parte avançou muito no Brasil, os clientes começaram a entender valor. Tenho visto clientes se movimentando, fazendo investimento mais sérios em ferramentas de conteúdo. Acaba sendo mais divertido esse trabalho porque a gente não precisa evangelizar.
Há algumas discussões sobre a criação voltada para o digital. Muitos acreditam que ela fica comprometida devido a fatores como performance. Você concorda?
Muito pelo contrário. Acho que o criativo deve estar absolutamente ciente de quais são os objetivos de negócios do seu cliente e se o objetivo é performance e conversão você tem de ser criativo para entregar. Vejo dados como inspiração e guia para o meu processo criativo. Eles não são resultado final, não ditam as minhas ideias, apenas me dão um norte mais consciente. O criativo que está pensando sem resultado de business deveria estar fazendo arte.
Como é estar na liderança de mercados duplamente masculinos (o de criação e o de tecnologia)?
É uma experiência muito intensa, desafiadora em todos os níveis, profissional, pessoal, mas é maravilhoso. O Google é um lugar especial que te incentiva, te dá muito apoio, inclusive, para mulheres. Eles levam a diversidade muito a sério. Tem várias iniciativas para apoiar liderança feminina, existe um senso de comunidade, um desejo genuíno de representação não só da mulher, mas de todas as raças, formas de pensamento etc. Estou há sete anos em Nova York, mas no Google é o lugar onde me senti mais apoiada para lidar com esse desafio, que, sim, é muito pancada.
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