Não foram poucas as vezes em que coloquei a cara para defender a publicidade. Em audiências públicas, no Senado e na Câmara, ouvi, em nome de todos nós, acusações da esquerda e da direita, de que não passamos de um bando de mercenários. Mesmo assim, me mantive firme até o fim na tese de que anunciar remédios e produtos para crianças, por exemplo, era um direito inerente à liberdade de expressão.
Não foram dias fáceis, enfrentando a ira, não apenas de políticos, honestamente empenhados em proteger os cidadãos da sanha consumista da publicidade, ou apenas para fazer média com o politicamente correto.
Mas, ainda, o poder de jornalistas, aliados a educadores e militantes anticonsumo, que costumam escrever suas matérias, como verdadeiros manifestos, carregados de adjetivações pesadas ao contraditório. Enfrentei debates ao vivo, com moderadores, muitas vezes, descaradamente tendenciosos.
Já fui vaiado por auditórios lotados de gente do bem. Talvez esse enfrentamento destemido, em nome de uma “causa”, eivada de aspectos discutíveis, seja o fator que sempre me deixa muito confortável para criticar-nos, no que entenda como necessário. Desde que iniciei na profissão, amadureceu em mim a consciência de que a nossa maior qualidade é o senso de oportunidade.
O resto é rotina, por mais criativo que seja o seu cumprimento. O anúncio de oportunidade é sempre bom. Toda a agência que se preze construiu boa parte da sua reputação valendo-se das oportunidades de brilhar, fora do planejado. Esse cacoete, no entanto, pode levar a situações bizarras. Vejamos o caso do vídeo “Crise/Crie”, proposto ao Clube de Criação. A intenção foi a de motivar inscrições para a premiação do anuário. O tipo de briefing que faz brilhar os olhos de redatores e diretores de arte. Nada mais libertário do que um anúncio para criativos.
E, então, a tendência é apostar no excesso. Se não administramos essa compulsão, corremos sérios riscos. O roteiro proposto, nesse caso, carregou na empáfia, numa soberba confiante de que se terá alcançado os píncaros da “sacação”: ninguém jamais pensou nisso antes…
Sim, amigos, a cegueira histórica da humanidade, fixada na crítica, esqueceu de que foram as desgraças que forjaram as graças, de que foi a tortura dos negros o que nos proporcionou o doce lamento do blues e que a guerra é a mãe da tecnologia, por exemplo.
Ou seja, deu-se um momento de verdadeira epifania, em que o criativo sai da sua condição de agente de ideias aplicadas e se converte em filósofo e visionário, verdadeiro revolucionário da interpretação dos fatos, alguém acima das condicionantes impostas por ideologias humanistas, e enxerga a verdadeira natureza da evolução. Ele deduz que, como os seixos, que esfregando-se e aparando-se, em milhões de anos, nós nos aperfeiçoamos no sangue derramado em chicotadas e no dilaceramento dos corpos bombardeados, para quê, para quê?
Para que no futuro houvesse arte a apreciar, livros para ler, música para encantar, utensílios para tornar mais prática nossa vida… Ufa, defender anúncio de remédio até que não foi tão grave.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)