O tom de cautela dos profissionais do mercado de comunicação diante dos possíveis impactos do coronavírus no Brasil e no setor de publicidade cedeu lugar a uma sensação de pânico, que se consolidou na semana passada com a declaração do Covid-19 como pandemia por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), com decisões como a dos Estados Unidos em proibir voos provenientes da Europa, e os reflexos dos cancelamentos ou adiamentos de eventos que fazem parte do estilo de vida das pessoas, como shows, festivais e partidas de futebol, além de outros esportes.
Nesse contexto, o mercado vivenciará uma situação inédita nas próximas semanas, sem prazo para terminar. Dos 98 casos reportados em todo o Brasil na sexta-feira (13), o número pode saltar para 460 mil apenas no estado de São Paulo, segundo informações do governo, que trabalha com uma escala entre 1% a 10% da população infectada.
“Agora, apertaram o botão vermelho de pânico. Óbvio que com redes sociais e fake news há muita informação que não é verdade. Mas já vemos movimentos na Europa e Estados Unidos, que estão uns 15 dias na nossa frente na disseminação, como o fechamento de escolas. O impacto será direto e vamos sentir a situação verdadeira nas próximas 48 horas”, resume Erh Ray, sócio e CEO da BETC/Havas.
Assim como outros players do mercado, a agência acionou um plano de contingência que vinha sendo desenhado nas últimas semanas, em alinhamento com a operação global da rede Havas. Uma parte do time atuará em home office a partir desta segunda-feira (16) e um dos dias da semana será utilizado para um teste em que 100% da equipe estará em casa. O formato visa adaptação a um cenário de “parada total” da cidade de São Paulo ou do país, repetindo o que ocorre em lugares da Europa e na China, em que transportes públicos, por exemplo, estão parados. “No Brasil, nunca convivemos com isso. As pessoas vão ter de aprender a lidar com algo novo e vemos que isso pode trazer novos costumes e processos para o trabalho”, afirma Ray.
Em relação aos negócios, o impacto no curto prazo é inevitável, conforme revelam alguns dos líderes do mercado, e a preocupação é em minimizar perdas e se preparar para a volta da atividade econômica. Há anunciantes segurando a produção e a mídia em algumas estratégias que ficarão para depois ou que podem até deixar de existir. As previsões de resultados das agências para o ano já estão em revisão. Mas a roda não pode e não deve parar. “Uma coisa que garanto é que teremos de colocar coisas no ar. A mídia vai ter de continuar e, especialmente se as pessoas ficarem confinadas em casa, teremos de colocar mensagens no ar. A comunicação vai continuar a existir, como já foi em momentos de guerras e desastres. O varejo precisará seguir forte, as estratégias de branding terão de seguir ativas porque as marcas precisam estar fortalecidas em um momento de busca pela confiança. As mensagens vão mudar, serão mais táticas que estratégicas. Até porque todo mundo vai ter de entregar resultado”, resume Ray. “O mercado precisa agir com cautela e não espalhar o pânico”, diz.
Para Kevin Zung, COO da WMcCann, as pessoas terão uma nova rotina de consumo e isso influencia na maneira como a agência vai conectar marcas com consumidores. “Além disso, vemos eventos importantes com grandes patrocínios sendo cancelados ou adiados e clientes sendo cautelosos com investimentos. É um momento de atenção e cuidados redobrados. Nós já estamos nos antecipando e nos preparando para os mais diversos cenários, mantendo nossos funcionários seguros e entregando os trabalhos da melhor forma possível justamente para que impactos não sejam sentidos com intensidade”, avalia.
“O coronavírus vai mudar a rotina do mundo inteiro, definir novas prioridades na vida dos consumidores e anunciantes, mas acredito que, quando o ápice passar, as coisas devem voltar ao normal aos poucos”, completa. Segundo ele, a WMcCann fez um teste de home office para 100% da agência na última sexta-feira (13). “É para nos anteciparmos a possíveis emergências. Esta é uma boa prática que está sendo realizada por outras empresas. Essa é uma crise sem precedentes e não tem como a gente saber o que vai acontecer. Preciamos ter calma e cautela para tomar as melhores decisões”, conclui.
Para Mário d’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), ainda é cedo para qualquer prognóstico e os grandes projetos e campanhas não estão adiados. “As agências ainda não sentiram diminuição de ritmo. Mas quase todas estão atentas às orientações das autoridades em caso de surgimento da doença em seus escritórios”, avalia.
Marcos Lacerda, head da Havas +, pontua que há uma certa estabilidade no mercado, com cerca de 80% da verba já investida em pacotes de mídia, mas com possíveis impactos em 20% que ocorrem em decisões de investimento para ações mais pontuais. “Infelizmente, haverá impacto e a velocidade de contaminação assustou. Em outras crises, também, o digital não era tão forte e a informação correu rápido, junto com a desinformação. Nesta semana, no Brasil, estamos vivendo o auge do pânico. O medo faz com que as pessoas se previnam, comprem menos, saiam menos de casa. Uma parte do nosso tempo será dedicada a esse assunto e focada na estrutura que teremos na empresa para atender à situação”, diz Lacerda. Sob o ponto de vista de negócios, ele compara o efeito do coronavírus ao Carnaval, com a ideia de que o ano vai começar apenas após a crise arrefecer, o que ele acredita que ocorra em julho. O primeiro semestre, portanto, promete ser complicado, com mudança nas previsões de crescimento e em ações imaginadas. “No segundo semestre, teremos de trabalhar o dobro para produzir o mesmo”, afirma.
Vitor Barros, CEO da Propeg, aponta que, agora que os casos tendem a crescer de forma exponencial nos próximos 10 a 15 dias, as autoridades federais, estaduais e municipais terão um papel fundamental e suas decisões vão ditar o rumo do consumo e o impacto no setor. “Estamos desenvolvendo campanhas de utilidade pública para nossos clientes alertando sobre os cuidados necessários para prevenir o máximo possível a disseminação do vírus. A China, onde tudo começou, já demonstra quase o fim do problema, assim como Japão e Coreia do Sul. O que veremos é uma rápida volta do consumo reprimido nestas economias”, avalia, apontando, no entanto, que o primeiro trimestre trará resultados abaixo dos esperados e o consumidor tende a adotar posição mais cautelosa.
Visão de fora
A reportagem consultou profissionais no exterior, para entender o cenário de uma forma mais ampla e em locais onde o ciclo do vírus já está mais adiantado que no Brasil. Alex Okada, diretor criativo global da MullenLowe de Londres, avalia que o principal impacto para o mercado é a disrupção dos processos e a incerteza em relação a como algumas mensagens serão percebidas neste contexto. Diversas marcas globais, inclusive, revisaram sua publicidade na semana passada, por conta do contexto da pandemia.
“Nós trabalhamos com grandes marcas diretamente envolvidas com a questão. Bayer e Unilever são clientes meus. Nos dois casos, tivemos uma série de reuniões canceladas, projetos adiados ou necessidade de adaptar planos. Também atendemos NHS, que é o sistema de saúde no Reino Unido. Então, a necessidade de esclarecer ao público e ajustar as mensagens em um curto espaço de tempo está sendo fundamental. Nos últimos dias, recebemos updates deles a cada 30 minutos”, afirma. A agência já está incentivando o trabalho remoto e possui um sistema de acompanhamento do estado de saúde dos funcionários.
Okada observa que vivemos agora o pior momento psicológico, que é o da expectativa da chegada do vírus. “Diferentes governos estão adotando diferentes estratégias. O Reino Unido está tentando adiar o pico de infecções para ter tempo de preparar o sistema de saúde. Na China, já estão gradualmente voltando à normalidade. A médio e longo prazo todos os países voltarão à normalidade, mas com novos e bem-vindos hábitos sanitários. Estamos com um pensamento proativo. Pensamos como esta crise pode afetar a percepção das marcas a longo prazo, muito mais do que no resultado comercial a curto prazo. Já estamos com formatos de trabalho remotos e reuniões virtuais, mas também estamos mantendo os projetos originais em andamento. A tendência é a volta e precisamos estar preparados para isso”, reforça.
Na Bélgica, diz Gabriel Araújo, CCO global da Ogilvy Social Lab, os maiores impactos estão na limitação das viagens e desinformação, e há planos de home office se os números de casos crescerem. “Acredito que num cenário de médio prazo o impacto mais significativo está no turismo. Temos visto voos fantasmas decolando ou sendo cancelados devido ao pânico instalado na população. Em algumas áreas, o impacto será maior que em outras, mas o impacto para a indústria de propaganda não dá pra saber no momento”, avalia. A função do publicitário, diz, tende a ganhar relevância. “Acredito que nós temos um papel importante de ajudar a disseminar as informações verdadeiras e evitar o pânico gerado pela falta de informação”, analisa.
“Shootings dentro e principalmente fora do território americano sendo cancelados, produções inteiras sendo canceladas sem previsão de retorno, clientes cortando budgets de campanhas e lançamentos de produtos pela preocupação e incerteza do mercado em um futuro a curto prazo. Os hábitos de consumo mudaram totalmente durante esse curto espaço de tempo e tende a ser ainda mais drástico”, aponta Bruno Regalo, diretor de criação, Head of Art & Design da TBWA\Chiat\Day Los Angeles. “Mas sou um otimista, tendo a acreditar que em breve vacinas sejam criadas e popularizadas ao redor do globo e as coisas melhorem, encerrem as quarentenas e as pessoas voltem a suas rotinas, assim como o mercado de maneira geral. A China já está dando os primeiros sinais de recuperação após o ápice do vírus, temos que aguardar e torcer para que em breve as coisas voltem a normalidade”, completa.
Papel social
“Não preciso dizer que o mercado, de forma geral, está sofrendo um impacto extremamente significante com a desaceleração da economia. E nós, juntamente com as marcas, temos um papel social e crucial de informar e não desinformar; É imperativo trabalharmos com informações e visões realistas do problema. A mensagem do anunciante precisa ser verdadeira e dentro do seu entendimento, não uma abordagem oportunista. A mensagem precisa trazer soluções que amenizem o momento”, corrobora Ana Leão, managing director da Isobar Brasil.
Para Bernardo Romero, sócio e CCO da The Bloc, de Nova York, se a tendência dos lockdowns (fechamentos) de cidades permanecer, mais consumidores estarão em casa e assim meios como a TV podem se beneficiar. Mas também há a possibilidade de grandes eventos, como a Olimpíada, serem adiados ou cancelados. Na agência, especializada em healthcare, há impactos negativos pelo cancelamento de convenções e eventos onde está grande parte do faturamento da empresa, mas coisas positivas. “Um de meus clientes, uma empresa de sequenciamento de DNA, vem trabalhando incessantemente para descobrir como chegar a uma vacina”, afirma. “Todas as medidas de contenção estão sendo tomadas, tanto pela minha empresa quando pelo governo dos Estados Unidos, para que consigamos passar por esse momento. Sou um eterno otimista, mas, como dono de empresa e pai, tenho tomado todas as precauções cabíveis para que a minha família, colaboradores e clientes estejam protegidos”, avalia.
Eventos
No setor de eventos, o impacto será grande e a tendência é que sejam migrados para o ambiente online, como já anunciou o SXSW. “Devemos usar a tecnologia como nossa aliada. A possibilidade de criação de webinars, realização de treinamentos online e geração de conteúido permite que as marcas se mantenham próximas a seu público nesse período”, diz Natalia Reia, sócia-diretora da agência BTO+. A empresa avalia que os eventos estão, em sua maioria, sendo adiados para o segundo semestre, não cancelados.
Para Silvana Torres, presidente da Mark Up, a preocupação é diária com os eventos sendo cancelados no Brasil e em todo o mundo. “É algo que todos da área de live marketing precisarão enfrentar e se unir em prol da melhor forma de superar esse problema. Ainda é difícil saber a proporção desse impacto no dia a dia do nosso negócio, já que os grandes eventos podem ser reduzidos, adiados ou, na pior das hipóteses, cancelados. O mercado terá de se preparar para isso, mudar os planos e pensar em alternativas mais inovadoras e tecnológicas”, diz.
Alexis Pagliarini, presidente-executivo da Associação de Marketing Promocional (Ampro), fala que o setor sofre um impacto imediato com o cancelamento de eventos. “Como entidade representativa do setor, estamos em contato estreito com os órgãos de saúde para gerar informações serenas e avalizadas. De qualquer maneira, há a esperança de que os adiamentos que estão por vir sejam breves, gerando um momento positivo mais à frente, quando a fase mais crítica passar, compensando de alguma forma as perdas imediatas”, acredita.
*Colaboraram Danúbia Paraizo, Jéssica Oliveira e Marina Oliveira