A brasileira e diretora de criação da Clemenger BBDO em Melbourne, na Austrália, Carmela Soares está no júri de Marketing Digital do D&AD 2019, que será realizado em Londres entre 21 e 23 de maio. Com mais de 100 prêmios e 17 anos de experiência usando tecnologia para incrementar o storytelling das marcas, ela, por e-mail, compartilhou opiniões sobre criatividade e realidade digital. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
PARADOXOS
A pergunta ‘Como você analisa o paradoxo da mídia digital, com crescentes investimentos e engajamentos, de um lado, e, de outro, problemas de privacidade e uso indevido de dados?’ tem tantas respostas… A primeira delas é a separação de algo chamado “mídia digital”, quando na verdade se está falando de mais de 90% de toda a mídia. A palavra digital perdeu relevância há anos, quando se tornou tão predominante que o “não digital” virou especialidade. O meu segundo comentário é que estamos passando por uma transformação tão grande quanto a revolução digital do fim dos anos 1990. O problema agora não é como lidar com a tecnologia em si, mas com a revolução de inteligência e experiência. Ser contra ou a favor é irrelevante, porque a transformação está ocorrendo e não vai parar. A relevância e o papel do ser humano estão mudando, e não temos escolha a não ser nos adaptar a essa nova era.
MENOS DINHEIRO
Em tempos de remuneração apertada e a obrigação de entregar mais trabalho com menos dinheiro, algumas agências acabam focando em vendas de espaços em lugar de estratégias centradas em comportamento humano. Pensa bem. Banner. Quando foi a ultima vez que você clicou – ou melhor ainda, notou um banner? Como é que ainda tem agência que vende e cliente que compra banner?
INOVAÇÕES DIGITAIS
Eu adoro tecnologia e cresci em agências e times digitais. Mas acredito que finalmente essa divisão se tornou invisível. Inovação é ideia boa, não necessariamente ideia digital. Palau Pledge, por exemplo. Assinar uma promessa num carimbo no próprio passaporte. Eu acho isso muito inovador. Mas não é digital. Em termos de usar tecnologia em propaganda e marketing, praticamente o mundo todo tem boas idéias. Mas os Estados Unidos e a Inglaterra acabam se destacando porque têm mais investimentos dedicados ao craft e ao desenvolvimento de tecnologia.
CRITÉRIOS DE EFICÁCIA
Em primeiro lugar, a ideia. Tem de me dar um susto ou inveja. Em segundo lugar, os resultados. Mas não impressões ou visualizações. Precisam ser resultados baseados na reação das pessoas.
DESAFIOS DA INTERAÇÃO
As plataformas digitais, em si, facilitam a interação. Mas o modelo das agências vai ter de mudar. Uma das campanhas mais recentes que trabalhei aqui na Austrália teve mais de 200 filmes diferentes, para consumidores diferentes. Isso num país com 22 milhões de pessoas – imagina aplicar isso no Brasil. Agências terão de mudar para criar duas velocidades de trabalho: uma utilizando o máximo da criatividade humana, para criar ideias únicas, surpreendentes e adaptáveis; e a segunda usando tecnologia e inteligência artificial para amplificar, multiplicar, personalizar e distribuir versões da ideia original.
FUTURO DAS REDES
Olha, essa pergunta é grande. Vai precisar de uma edição especial do PROPMARK só para debater o futuro das megaplataformas. Porque isso cruza com o futuro da humanidade. Quando sair a edição especial me chama para contribuir.
VIRALIZAÇÃO
O viral morreu, viva! Já faz uns anos que não vejo isso num briefing. Em júris internacionais ninguém mais leva a sério o número de visualizações como resultado.
FAKE NEWS
O marketing digital não pode fazer nada para combater fake news. Só as pessoas podem combater esses problemas.
PUBLICIDADE BRASILEIRA
A criatividade brasileira é imbatível. Mas a propaganda brasileira tem uma reputação péssima. Quando criativos brasileiros mudam para o exterior, enfrentam vários problemas em lidar com a realidade das agências e clientes. A propaganda brasileira precisa parar de pensar em Cannes e focar em trabalho real, usar a imbatível criatividade brasileira pra resolver problemas de verdade.
PUBLICIDADE AUSTRALIANA
Somos um país relativamente pequeno, com a mesma população da cidade de São Paulo. As verbas são pequenas, porque a capacidade de ROI é limitada. E ainda assim somos o terceiro país mais premiado do mundo. Isso porque a Austrália tenta criar oportunidades em briefings reais, com clientes reais. E isso cria uma cultura de criatividade, não de prêmio. Prêmio é consequência.
EXPECTATIVAS D&AD
Estou superinteressada em discutir o melhor trabalho do mundo com um júri bem diferente. Acho que teremos debates bem diversos e o bônus vai ser recalibrar o que é excelência nos dias de hoje.