Estudei teatro na Escola de Arte Dramática. Entrei na São Francisco e na EAD, no mesmo ano. Durante todo o primeiro ano consegui fazer as duas escolas, trabalhando no período da tarde – direito de manhã, teatro à noite – e, no segundo ano, não conseguindo mais organizar os horários, deixei o teatro. Mas estudei o suficiente para levar um mais que merecido pito de um dos professores. A insuportável, como pessoa, e brilhante, como atriz e professora, Maria José de Carvalho. Dava aula de impostação de voz. Nos tempos em que os recursos de som nos teatros eram precários e ou se colocava a voz de forma correta ou se colocava a voz de forma correta.
Um dia, sem a menor necessidade, sem ter o que fazer e na busca de um brilhareco ridículo, fiz uma pergunta estúpida. Perguntei se o excesso de impostação não poderia prejudicar o coração. Fez-se o silêncio. Durante segundos todas as atenções concentradas no olhar de Maria José de Carvalho, que incandescia. Maria José emudeceu, verteu fogo pelos olhos, narinas e orelhas, e falou, pausadamente: “Não me encha o saco”. Foi o “não me encha o saco” mais “não me encha o saco” que já ouvi até hoje. Todas as pessoas na vizinhança, ali perto da Estação da Luz, onde era a EAD, ouviram…
“Saia da sala imediatamente e volte daqui cinco minutos. Se você quiser mesmo ser ator não venha me falar de prejuízos e danos físicos. Toda profissão tem seus desafios e dificuldades. Portanto, pense nesses cinco minutos se quer mesmo ser ator, se quer continuar o curso. Se sim, volte para a classe, e jamais repita tamanha manifestação de preguiça e ócio. Tudo, absolutamente tudo, pode, potencialmente, fazer bem e fazer mal. A escolha é de cada um de nós. Fora, o que está esperando…”.
Nos jornais de semana atrás músicos reclamando do espetacular pianista e maestro argentino Daniel Barenboim. Que é duro, pega pesado, assusta. E, no entendimento deles, faz bullying. Foi acusado de humilhar alguns dos músicos da orquestra na Staatsoper – onde é diretor musical –, principal casa de concertos e óperas de Berlim, Alemanha. Barenboim respondeu como Maria José de Carvalho fez, mais que merecidamente, comigo.
A – “Nasci na Argentina, então há um pouco de sangue latino no meu corpo e fico aborrecido de vez em quando… Praticar o bullying é humilhar alguém e implica a intenção de querer causar mal a alguém, de até mesmo ter prazer nisso. Isso não faz parte de meu caráter…”; B – “Uma orquestra não pode funcionar o tempo todo se sua dinâmica for colocada em votação democrática. Alguém tem de liderar, tomar decisões e ser o responsável final”. Ou seja, disse o que a Maria José, coberta de razão, me disse, talvez, apenas de uma forma mais serena, comedida e educada. Disse: “Não me encham o saco”. Mais ou menos o que meu adorado mestre e mentor, Peter Drucker, sempre recomendou: “Se um navio começa a fundar, o comandante não convoca uma reunião: decide!” Faça o mesmo com suas escolhas. Pense muito antes, e, uma vez definida a direção, não perca tempo com eventuais possibilidades de não dar certo. Muito menos com frescuras, mimimis, diletantismos…
Tempo, energia e todos os demais recursos são sempre insuficientes para você permitir que vazem por alimentar tragédias, fracassos, e dar atenção aos fracos e preguiçosos. Uma vez o Boni, integrante da Academia Brasileia de Marketing, me disse: “Madia, jamais faço check-ups… Quem procura acha”. Assim, sempre, repito, fuja e abomine futilidades, diletantismos, frescuras e, especialmente, perda de tempo. Ganhamos 40 anos de vida nos últimos 100, e vamos ganhar muito mais nos próximos 100. Mas, mesmo assim, insuficientes para a missão que nos foi confiada. Só pensamentos positivos; sempre!
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)