Em um mercado impactado diretamente pela queda de assinaturas e vendas em banca, a revista Vogue encontrou novos caminhos. Em 2018 publicou 351 páginas de branded content no impresso, um crescimento de 40% em relação ao ano anterior. Os resultados, somados ao seu grande carro-chefe, o Baile da Vogue, têm mantido a Globo Condé Nast no azul.
A festa de Carnaval se tornou benchmark não apenas para o mercado de luxo, mas também
para marcas como Danone, Pantene, Havaianas, Pepsi e Elma Chips. Na entrevista a seguir, Daniela Falcão, CEO da editora, fala sobre o mercado editorial e expectativas para o baile, no dia 21 de fevereiro.
O Baile da Vogue completa 15 anos em 2019. Qual é o balanço do evento do ponto de vista de marca e patrocínios?
Até 2010, o baile da Vogue ficava no 0 x 0 em termos de receita. Era uma forma de a Vogue se consolidar. Ele tinha uma receita, mas não era uma fonte importante dentro do cardápio da revista. Era uma questão de reforço de marca. Com a criação da Globo Condé Nast veio o desafio de pegar os produtos que não eram necessariamente rentáveis, para que passassem por mudanças. E o baile da Vogue foi o que teve mais sucesso nesse sentido. É de longe o evento que tem renovação mais rápida e duradoura de patrocínios.
A base do evento está no luxo e sofisticação. Como continuar sendo relevante para as marcas?
A gente sabe que com a avalanche de eventos no mercado, se manter relevante é muito difícil. As marcas têm questionado cada vez mais se vale a pena patrocinar eventos que não sejam próprios. Essa é uma dificuldade que quem faz eventos proprietários vem enfrentando. As marcas precisam ter segurança de que o investimento seja convertido em outras coisas. E esse é o grande trunfo do baile. Mais do que um nome no back drop, os patrocinadores querem saber como estar posicionados e o tipo de contato com o seu público. E não apenas os convidados, mas quem assiste às lives no GNT ou nas nossas redes sociais. Você conta nos dedos os eventos que conseguem manter o fôlego e o interesse. E o baile da Vogue é um deles.
O baile é uma das principais receitas para a Globo Condé Nast. Quais os riscos para que ele não perca seu valor?
A gente tem muito cuidado para não transformá-lo em um evento corporativo. É um baile para o público da moda. Os patrocinadores sabem disso. A quantidade de ingressos disponíveis é muito bem pensada, porque a gente precisa ter grandes estrelas. As mulheres que fazem o baile acontecer precisam estar lá para que ele tenha graça. O baile gera um excelente faturamento, mas ele movimenta a economia como um todo. Os salões de beleza, as lojas de aluguel de smoking, o setor de festa como um todo comemora. Joalherias nos ligam para saber qual é o tema do baile para que eles possam desenvolver peças específicas. E o setor de hotelaria também se movimenta porque nós trazemos traz muita gente de fora, principalmente do Rio. Essa movimentação da sociedade como um todo é uma prova da relevância do baile, inclusive, para o anunciante.
Há a preocupação em envolver os patrocinadores no processo criativo do baile?
A gente define boa parte do conceito, mas as marcas têm a oportunidade de dar algum direcionamento e expor seus desafios de comunicação. Ao mesmo tempo, as marcas recebem a orientação da equipe que coordena o evento sobre o que dá ou não para fazer. Essa equipe é liderada pela Donata Meirelles, que entende muito da marca Vogue. A Elma Chips, com a linha Sensations, salgadinhos premium da marca, é um case muito bacana. Eles começaram em 2018 com a gente e já renovaram para 2019. À primeira vista você pode imaginar que salgadinho não faça sentido em um baile de gala. Mas tem tudo a ver porque, na hora da larica, você não quer sair da pista de dança e ir até a área do buffet. Se o convidado está com fome de madrugada, não tem nada melhor do que na pista você comer um bom snack.
Nesta edição o baile teve pela primeira vez uma festa de aquecimento. O formato é uma nova propriedade de patrocínio, certo?
Tivemos uma experiência muito bacana do pré-baile com Johnnie Walker. Quando a marca entrou, a gente teve uma longa conversa sobre seus objetivos de negócio. Whiskey tem sido cada vez mais considerado uma bebida para o público feminino. A ideia do pré-baile era fazer com que esse público degustasse antes as possibilidades dos drinks. Para que no baile seja muito mais natural que os convidados pedissem whiskey em vez da champanhe ou gin, por exemplo. A Diageo é um grande patrocinador do baile, ao lado da Pantene, mas temos este mesmo cuidado com patrocinadores menores. Qualquer ação é pensada com muito cuidado. O leitor percebe como autêntico quando o relacionamento com a marca é de verdade.
O baile é um evento restrito. Quais estratégias a Vogue utiliza para amplificar as conversas sobre a festa?
A transmissão ao vivo, por exemplo, é uma propriedade muito desejada. Durante três anos ela foi da Riachuelo. Neste ano, Magnum será o patrocinador. As ativações, acima de tudo, são baseadas em conteúdo. Quando a gente pensa nos formatos, a gente apresenta o produto em uma interface própria para o público que está ali. A ideia é que os convidados postem a respeito porque são formadores de opinião. A gente quebra a internet durante as duas horas de transmissão do GNT e no live do Facebook e Instagram. O assunto reverbera na madruga inteira, sem contar a repercussão na imprensa especializada. Estamos presentes em todas as colunas sociais.
De que forma a experiência do baile contribui para desenvolver os demais eventos da editora?
O Geração Glamour é o que mais se beneficia. Muitas marcas vêm até nós por causa do baile. Mas sobretudo por uma questão etária, a gente olha o público que a marca quer atingir, e consegue direcionar melhor para o evento ideial. Em alguns casos é o Geração Glamour o mais indicado, que é um evento bem mais jovem. Nos dois primeiros anos ele não deu lucro nenhum. No terceiro ano ele teve uma receita melhor. No quarto ano, estouramos e agora ele se mantém estável porque a Glamour é uma revista que depende muito do mercado de beleza e o segmento sofreu uma série de transformações. Mas a expertise é a mesma, só que o Geração Glamour é para um público mais jovem, envolvido com causas. E muitas marcas fecham logo o combo, patrocinando mais de um evento da casa. O Boticário foi assim, e a Diageo entrou também para o Men of The Year, da GQ.
Fora os eventos, quais outras formas de receitas têm dado mais certo?
As marcas que a gente trabalha sabem da nossa entrega e confiam na nossa produção. Elas querem que a gente comunique e resolva seus desafios de comunicação. Agora estamos com uma série de vídeos da Arezzo no Instagram da Vogue. O desafio era muito simples. Convencer a mulher que tênis não é feito apenas para ir para a academia ou usar no fim de semana. Aí o pessoal aqui quebrou a cabeça para mostrar para nosso público oportunidades diferentes para o calçado. Criamos um editorial de moda com esse conceito em um formato específico para Instagram. Somos autoridade para falar com essa audiência. Algo que muitas marcas sozinhas não têm. Quando fazemos esse tipo de branded content a gente veicula nas nossas redes, mas a marca também compartilha nas redes dela.
Como tem sido o desempenho dos títulos da editora em novos formatos de publicidade?
A mídia display no digital e anúncios no impresso caíram, mas temos uma recuperação graças aos novos formatos. A gente cresceu em branded content 40% em número de páginas no impresso, em relação a 2017, sem contar os feitos no digital. A gente fechou com 351 páginas de branded content em 2018, isso representa crescimento de 37% em relação a 2017. Fizemos 126 eventos para clientes, fora nossos eventos proprietários. Esses projetos para terceiros já representam 9% do total da receita de publicidade e tiveram crescimento de 42% em relação a 2017. As revistas da Globo Condé Nast conseguem se manter no print muito por causa disso. O que as marcas tradicionais deixaram de fazer em anúncio, a gente cresce em branded content.
E quanto às assinaturas? Essa é uma questão que o mercado como um todo tem repensado, certo?
Nossos números estão estáveis. O que tem caído e a gente fica preocupado é a venda em banca. Até porque o sistema de bancas está se transformando. A gente tinha dois pilares muito fortes de vendas: nos mercados e livrarias. E as livrarias colapsaram. A gente não conseguiu frear a queda em banca ou convertê-la em assinatura. Até agora isso não cresceu. A venda em banca vem caindo ano a ano. Claro que chega um momento que ela fica estável. E é por isso também que essa receita deve ser inclusa nos projetos novos. Mas a queda é um desafio.
O que tem sido feito nesse sentido?
Nós, junto com Infoglobo e Editora Globo, começamos a aproveitar o sucesso que temos na audiência no digital para tentar criar maneiras de paywall. Não necessariamente para cobrar ali na hora, mas conduzi-lo a uma assinatura e aí incluir um combo maior de serviços. É pegar esse fã da marca e ir além da revista, oferecer consultoria com os stylists da Vogue e Glamour, convites para os nossos eventos. É o antigo clube do assinante, mas a ideia não é dar descontos em loja, mas fazê-lo se sentir parte da Vogue. Esse clube só funciona com alguém que é fã da marca. A Condé Nast já está fazendo lá fora e a gente está estudando alguns modelos para o Brasil. Mas não temos a ilusão de voltar aos patamares que a gente tinha no passado.