Peguei um táxi no Bossa Nova (Shopping do Aeroporto Santos Dumont). Havia alguns carros do Uber aguardando passageiros. O motorista do meu táxi, com a profundidade da visão da média da catiguria, ameaçou “os uber” de serem as próximas vítimas de uma intifada classista. Ou, no mínimo, nova paralisação da cidade.
Depois de derramar diversos argumentos contrários ao serviço – clandestino, segundo ele – e o quanto eram perseguidos, incluindo o gasto com suborno de policiais e agentes de trânsito, sobretudo no aeroporto e na rodoviária, passou a demonstrar seu arraigado sentimento patriótico, defendendo os taxistas brasileiros da invasão estrangeira. Mas o argumento com o qual ele me venceu foi exposto na chegada ao destino. Sentenciou: “Agora eles estão dando balinha e aguinha gelada, tratando bem, não recusando corrida e tudo. Deixa passar o tempo que o serviço deles vai ficar a mesma merda que o do táxi”.
Eu ando apaixonado pela questão do Uber. Não que tenha interesses diretos, mas acho um retrato da época muito mais importante do que muitos assuntos que andam aparecendo por aí. É que o Uber representa um momento expressivo do choque que a tecnologia vem trazendo para as pessoas desde que o mundo é mundo, mas que nesses nossos tempos cresce de importância pela sua universalidade e rapidez.
Uma coisa salta aos olhos: o modelo Uber foi copiado para muitas outras atividades e a maioria não deu certo. Gente que achava que o segredo estava na tecnologia avançada e criou serviços parecidos esqueceu-se de um fator muito importante: uma nova tecnologia precisa atender a uma sensível melhoria na qualidade na vida das pessoas. Um upgrade em algum tipo de serviço prestado. O sucesso do Uber se deve, sobretudo, aos motoristas de táxi.
As manifestações de truculência de parte dos taxistas tem demonstrado qual o tipo de pessoas que o Estado (no caso a prefeitura) tem dado permissão a atender a população com, supostamente, segurança, cortesia e honestidade. Os argumentos em defesa do que se considerou ser “legal” se baseiam principalmente na obrigatoriedade de pagamento de impostos, taxas e custos de licenciamento para operar, que, de certa forma, é contrabalanceada pelos descontos nos impostos na compra do carro. Também reclamam estar submetidos a uma fiscalização, fato que no Rio de Janeiro, por exemplo, tem sido totalmente ineficaz sob o ponto de vista do usuário. Mas o que eu quero ressaltar é que o Uber teria sido um retumbante fracasso caso não significasse uma magnífica vantagem para quem o usa para se deslocar.
O Uber se vale da insatisfação. Mas, voltemos aos que querem imitar o modelo Uber. Aqui no Rio está surgindo um serviço apelidado de Uber dos médicos, que garante o atendimento domiciliar em qualquer hora do dia e da noite. Acho que milhares de pessoas se sentirão aliviadas em poder contar com um médico registrado, com perfil público, monitorado, atendendo a qualquer hora, para dar aquela fundamental primeira olhada diante de sintomas aleatórios ou de acidentes domésticos. Não sei como funciona, vou saber, mas imagino que, por um preço razoável, debitado em meu cartão de crédito, eu possa ter na madrugada um médico diplomado me dizendo se posso tomar um remedinho e ir dormir, correr para o hospital ou dizer as últimas palavras para a mulher e os filhos.
O editor Guilherme Tolomei me mandou uma mensagem pelo Facebook contando que existe um Uber Garota de Programa. Outra maravilha, para quem precisa. Ninguém corre riscos, pois todo mundo está cadastrado, o sistema monitora a chegada, a saída e o tempo previsto. Ser puta ou cliente ficou mais fácil, rápido e seguro. Não imagino as consequências neste caso. Exploração do lenocínio? Risco de vazamento dos dados? Um caso a se pensar. Estou por fora, inclusive se o sistema atual de prostituição precisa de aperfeiçoamentos. De uma coisa eu tenho absoluta certeza: se houvesse um Uber para criador de propaganda, ia morrer de fome. Não me parece que o mercado esteja ansioso para encontrar criadores mais baratos, rápidos e confiáveis. Mas, vai ver. Se lançarem vou pra rua encher eles de porrada.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)