A mídia programática é o tema do momento. Já consolidada em meios digitais na Europa e na América do Norte, mais especificamente Estados Unidos e Canadá, essa espécie de bolsa de valores da propaganda chegou ao Brasil com a potência de uma avalanche prestes a cair sobre o mercado de compra e venda de anúncios. Agências correm para criar estruturas capazes de usar esse sistema, anunciantes sofrem para entender um modelo no qual não sabem exatamente em quais veículos seus anúncios vão parar e empresas que já trabalham com tecnologia há anos usufruem da expertise adquirida pelo domínio das ferramentas que compõem esse novo modelo.
“É uma quebra de paradigmas. Os players do mercado precisam se habituar e buscar conhecimento sobre o tema. É a única forma de entender o ecossistema da mídia programática e saber tirar vantagem disso”, diz Leila Guimarães, vice-presidente comercial da boo-box, empresa especializada em direcionar investimentos publicitários em mídia independente e que já utiliza mídia programática para buscar os blogs com audiências mais relevantes para cada cliente.
“Hoje as pessoas confiam mais no que leem em blogs e redes sociais do que nos veículos de comunicação de massa”, diz Marco Gomes, fundador e CMO da boo-box. “O benefício da mídia programática é poder comprar espaços para anúncios em meios nos quais a audiência realmente está conectada com o conteúdo de uma campanha, pois a transação é feita a partir dos inventários que definem o público-alvo”, acrescenta. Segundo Gomes, isso representa um avanço ao modelo em que veículos enviam relatórios sobre a própria audiência para que, a partir dessas informações coletadas em amostragens, agências e anunciantes determinem quais meios receberão os investimentos.
De acordo com os executivos da boo-Box, que trabalha com uma rede de 500 mil blogs e atinge 60 milhões de internautas, a consolidação da mídia programática já está exigindo uma adaptação principalmente dos responsáveis de mídia das agências. “Estão buscando profissionais do mercado financeiro, engenheiros e especialistas em algoritmos para atuar nesse mercado”, diz Gomes.
Caio Barsotti, presidente do Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP), entidade responsável por normatizar práticas comerciais entre anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação, concorda que a mídia programática veio para ficar e oferece otimização no processo de compra e venda de anúncios. No entanto, o publicitário que trabalha há mais de 30 anos no mundo da propaganda não observa um abalo tão estrutural no esquema de trabalho dos players do mercado. “Não me parece que todo desenvolvimento tecnológico que a gente vem presenciando tenha abalado estruturas. O que a mídia programática traz, olhando pelo viés da mídia online, é a possibilidade de melhorar a relação custo-benefício de campanhas para cada target”.
Em relação a suposições de que o modelo de plano de incentivos pelo qual agências ganham comissão pela quantidade de anúncios veiculados por clientes seguindo uma série de princípios de qualidade e prazos poderia atrasar a consolidação da mídia programática no país, Barsotti responde enfaticamente que as agências não têm interesse algum em fazer isso e inclusive estão se adaptando para entender e obter os benefícios do sistema. “Não faz o menor sentido – a acusação. O modelo brasileiro de plano de incentivos está construído em marcos regulatórios legais e ambientes de autorregulação que abrangem uma série de compromissos com a qualidade sobre o trabalho realizado no setor”.
Segundo o presidente do Cenp, o caminho para um debate construtivo é analisar como a própria mídia programática deve evoluir para corrigir problemas, como dados de audiência gerados de maneira fraudulenta ou inventários mal elaborados que podem fazer com que anúncios terminem em sites indesejados. “Há muitas empresas nesse meio que trabalham de maneira transparente e operam corretamente no Brasil, mas existem outras que vendem o mundo dos sonhos justamente porque não atuam transparentemente e ainda cobram por cada operação realizada”, explica.
“O nível de insegurança do anunciante é monstro. Os sistemas de monitoramento ainda não são capazes de oferecer a confiança adequada. Existem sacanagens com robôs que são possíveis de se fazer. O fato de não haver tabela de preços é outro aspecto que traz insegurança. Esses são os verdadeiros obstáculos de crescimento para o setor”, opina Barsotti, dizendo que o Cenp já está atento ao tema para oferecer propostas que criem um ambiente seguro em torna da mídia programática para ajudar anunciantes, agências e veículos a negociarem por meio da rede.
Além do digital
Se engana quem pensa que a mídia programática funciona exclusivamente em meios digitais. O sistema já está sendo usado também em mídia impressa e, nos próximos anos, há grandes chances de se expandir para as TVs. O aquecimento desse nicho, inclusive, já movimenta fusões e aquisições. Um exemplo é a Media Math, empresa global que fatura, em média, US$ 300 milhões, que anunciou nesta quarta-feira (18), nos Estados Unidos, a compra e venda de mídia programática em jornais e revistas para um de seus clientes, a Time Inc., maior editora do país norte-americano e dona de 18 títulos que atingem 89 milhões de leitores em diversos segmentos.
Assim como acontece na internet, o sistema funciona por meio de uma única interface em que compradores de mídia se conectam diretamente com os anunciantes para efetuar a negociação. “Por meio de nossa ferramenta, é possível acessar todas as segmentações e publicações das editoras e jornais e criar campanhas, falar com leitores de segmentos específicos. Antes, o responsável pela compra de mídia precisava negociar com cada um dos veículos sem garantia de dialogar com o público escolhido” explica Marcelo Sant’Iago, country manager da MediaMath no Brasil.
Para o executivo, o modelo é considerado positivo para ambos os lados e experiências como esta mostram que isto pode se expandir além das fronteiras do digital “A tendência de crescimento é muito forte. A tecnologia veio para ajudar e não roubar o emprego de ninguém”, diz Sant’Iago.
Mudanças
O novo CEO da Predicta, André Santos, acrescenta que o crescimento da mídia programática é inexorável e que esse é um assunto muito quente no mercado. Para o executivo da empresa especializada em marketing digital, o modelo vai mudar inclusive a forma de precificar os portais. “O valor dos anúncios não será mais medido somente pelo posicionamento do portal, mas sim pela capacidade de conhecer mais a sua audiência, o que ela quer, seus hábitos de consumo. É aí que está o valor da mídia. Já há grandes anunciantes que não estão mais fechando pacotes como antes”, afirma ele.
Para o executivo, o modo tradicional de comprar espaço nos portais por seções e a compra programática devem conviver, uma complementando a outra. Ele também diz que em tempos de crise como a que estamos vivendo no país a mídia digital tende a crescer, já que é uma mídia mais barata. “A crise traz algumas oportunidades. As grandes empresas tendem a investir mais em digital em um ano de crise, porque é mais barata e é totalmente mensurável. Com a alta do dólar, nosso preço também se tornou mais competitivo porque a maioria dos nossos concorrentes são de empresas internacionais”, avalia Santos. De acordo com ele, o mês de março esquentou para a Predicta e está melhor do que o mesmo período do ano passado.
*Colaborou Kelly Dores