Ganho a vida projetando experiências digitais, em que a utilidade e a emoção surgem a partir de uma tela de computador, smartphone ou tablet. No último par de décadas, nosso mundo foi invadido por telas e confesso que, de tempos em tempos, preciso me afastar delas para manter alguma sanidade.
Foi o que fiz num recente retiro de férias na Bahia. Não levei o laptop, escondi o controle da TV e deixei a bateria do iPhone morrer de morte morrida, logo no primeiro dia.
A vida na Bahia não era difícil. Da rede pra praia, da praia pro rio, do rio pra piscina, da piscina pra rede. Os ciclos se repetiam com sutis alterações, como mudanças das marés e dos ventos ou a inclusão de uma moqueca – preferencialmente antes da rede.
Felizmente não sinto síndrome de abstinência das telas, mas não posso falar o mesmo sobre o olhar do designer de experiência. A jornada formada pela repetição dos ciclos me levou a um incrível estado de “flow”. Flow é o termo escolhido pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi para definir um estado de consciência no qual as pessoas experimentam uma profunda satisfação e envolvimento com o que fazem, em seu clássico livro Flow, the Psychology of Optimal Experience. Segundo o autor húngaro este estado pode ser atingido com o design de interfaces perfeitas, livres de ruído, em que o usuário pode se conectar diretamente com o conteúdo ou serviço oferecido.
Conforme descobri no retiro, o flow, cálice sagrado do designer de produtos digitais, é facilmente encontrado nessa atmosfera baiana. Tomo como exemplo uma visita vespertina à barra do Rio Sucuruiuba, em Mogiquiçaba. No exato lugar onde o rio encontra o mar, a maré vazante traz uma corrente delicada que torna a experiência desta tarde mais do que agradável. O contraste de temperatura entre a morna água salgada do mar e a fria água doce do rio indica que é melhor estar aqui do que tanto no mar quanto no rio.
O nível perfeito de desafio que a velocidade da água proporciona não permite a chegada do tédio nem o cansaço do esforço. É como se aquele local exato tivesse sido projetado pelo mais brilhante designer da galáxia. Não é necessária nenhuma distração além de simplesmente estar lá, ficar lá por algumas horas sem percebê-las passar. Afinal, o que é Experiência do Usuário além da gestão do que as pessoas sentem enquanto usam determinado produto?
Mais tarde, quando o sol preguiçoso se punha tardiamente, estou na praia, abaixo de uma cobertura de sapê presa por quatro bambus fincados na areia. Aos poucos a temperatura cai, mas a areia ainda está morna, o que me faz rolar da espreguiçadeira para o chão. Por mais que a brisa sopre grãos de areia com constância, o drink está protegido, pois em vez de copo ele é servido dentro de um coco amarelo, com sua água gelada compondo a receita, especialidade da casa. Quando as primeiras estrelas apontam no céu, dá vontade de examiná-las com meu aplicativo Skyview pra saber o nome de cada constelação. Nem sei onde está o telefone. Logo abandono a ideia e me divirto adivinhando o nome de cada astro.
A ausência de todos os estímulos digitais com os quais nos habituamos é paradoxalmente inspiradora. Não paro de pensar em trabalho, mas pra quem trabalha com o que gosta isso não passa nem perto de ser um problema. Desde a Bahia, o detox tecnológico passou a ser necessidade básica semanal. A desconexão aumenta o valor da conexão, como o artista que se afasta do quadro para entendê-lo melhor.
Marcelo Gluz é designer, empreendedor e sócio da Outra Coisa (http://outracoisa.co), empresa
de experiências mobile