Para Renata Melman, o design brasileiro evoluiu quando passou a ser visto como linguagem

 

Design chegou ao Cannes Lions em 2008 com o objetivo de celebrar o seu uso criativo para influenciar consumidores. Mesmo com forte participação de países europeus – como a Alemanha, que arrematou 26 Leões em 2011 –, o Brasil vem conquistando seu espaço. No ano passado, JWT e Loducca conquistaram cada uma um Leão de ouro: a primeira, com projeto para o hotel Emiliano, e a segunda, com a premiada campanha “Balões”, para a MTV. As perspectivas para o país em 2012 são uma incógnita. Renata Melman, sócia e diretora de criação da 100% Design, é a representante brasileira que julgará os trabalhos da área em Cannes. Em entrevista ao propmark, ela fala sobre como a participação nacional pode crescer no festival. “É um dilema”, avalia. Para ela, é necessário que escritórios e agências unam-se cada vez mais como um time único. “Para aumentar o número de prêmios conquistados, é necessária a construção da ideia de importância do design: conscientizar não só o cliente final, mas a comunidade de comunicação também.”

Preparação
“Acompanhei Cannes nos últimos anos sob a perspectiva do design. Minha preparação consiste em estar a par do que já foi feito, quais jurados já passaram pelo festival e sobre como é feito o julgamento dos vencedores na minha área. O desafio é estar aberto. Como jurada, meu trabalho é trazer audiência para uma área criada recentemente no festival (Design foi incluído em 2008). O design tem uma linguagem própria, um tipo de trabalho que é amplo e que envolve algo que é mais permanente. Ele designa uma marca, cria o seu escopo e sua personalidade, atributos que podem durar anos. Meu preparo está em ser mais aberta a mensagens novas que possam trazer efetividade para a categoria no Brasil, estar aberta a essa nova linguagem do design. É um grande aprendizado estar no festival. A propaganda já tem um longo histórico no evento, há uma referência muito maior da publicidade ali, mas design ainda está construindo a sua história em Cannes.”

Insights
“Buscarei julgar o que é efetivo, mas não só a efetividade de negócio, e sim a mensagem social e a linguagem emocional que cada marca irá apresentar. O efetivo é fundamental, mas também há outro lado que precisamos estar preparados para olhar e que deve fazer parte dos valores de qualquer marca: o intangível, o que emociona, a construção de relacionamento. Irei observar como trazer esse tipo de insight em Cannes por meio do design, tanto a efetividade quanto os valores intangíveis.”

Aumentar premiações
“É um dilema fortalecer a presença de trabalhos brasileiros. Estamos sempre lutando no Brasil para que o design tenha valor e para que conquiste um espaço dentro da comunicação das marcas. Na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos, o design já possui outro valor em termos de mercado. Como consequência, há menos inscrições de projetos nacionais. Por outro lado, temos contado nesses anos todos com o apoio da Apex-Brasil (Agência de Promoção das Empresas Exportadoras) que, muitas vezes, patrocina o design brasileiro. Creio que essa seja uma das grandes causas para ter ocorrido uma união dos escritórios de design com as agências, como se fosse um time único. Esses escritórios se juntaram de alguma maneira para conquistar um certo respeito e atingir um número considerável de inscrições. É importante ressaltar que a Apex teve grande participação nisso. Mas há outro ponto: para aumentar o número de prêmios conquistados, é necessária a construção, no mercado brasileiro, da ideia de importância do design: conscientizar não só o cliente final, mas a comunidade de comunicação também. A compreensão do papel que o design tem na construção da marca, para os clientes, é um processo que ainda está engatinhando.”

Evolução positiva
“É claro que o design está melhor que há cinco anos porque, hoje, ele é visto como uma linguagem. É uma ponte pela qual você transmite para o consumidor um resultado gráfico, efetivo. Quanto mais valor o design conquista com o cliente e com a comunidade de comunicação, mais teremos reconhecimento e oportunidade de estar presente em Cannes, assim como estão outros países do mundo. É uma onda, um ciclo.”

Reflexo econômico
“Cannes é um reflexo cada vez maior da economia, da presença das marcas na economia global. Portanto, quanto mais o design puder contribuir para a efetividade do papel econômico das marcas no Brasil, maior será nossa participação em Cannes e nosso reconhecimento. Aparentemente, ele é um festival voltado para criativos e com o intuito de dar prêmios, mas, no fundo, é quase como um laboratório do que acontece no mundo. E o design faz parte, hoje, de como traduzir o mundo. Há ferramentas nessa área para traduzir um comportamento ou uma linguagem por meio de um resultado.”

Missão
“Minha função como jurada é atuar em Cannes. Mas claro que, como brasileira, tem uma função minha de ser portadora de valores do design nacional. Não sei se terei espaço para tanto, mas o farei no momento em que estiver me expressando dentro do júri. Irei traduzir isso tanto na maneira como vou me colocar perante os outros jurados quanto pela maneira como me relacionarei com as pessoas. O júri é um mundo concentrado. E que mensagem deixaremos para esse núcleo? Minha missão será apresentar a síntese do Brasil para a comunidade global de comunicação.”

Chances
“É sempre uma grande incógnita as chances do Brasil, e é algo que não depende só do jurado brasileiro. Há toda uma linguagem sobre aquilo que vai e que não vai ser premiado. Acredito que o país tem conquistado seu espaço. Tem crescido com dificuldade porque ainda não estamos tão alinhados à linguagem de potências mundiais nesse quesito. Há uma voz, da Europa e dos EUA, que dita um conjunto de regras, não só para o design como também para a propaganda. Mas, assim como a indústria nacional de publicidade ao longo dos anos conquistou o seu espaço, a nossa comunidade também está nessa corrida.”

Crescimento
“Nosso crescimento será exponencial quando conseguirmos, consistentemente, valorizar o que o Brasil tem de bom. Vou procurar trazer isso para dentro do júri com a minha voz: semear um pouco da ginga brasileira, do resultado efetivo, mas com toque de humor e de beleza. O estético não é o mais importante, mas faz parte do design. Falando de Brasil, não dá para abrir mão desse lado mais orgânico, do natural, da esfera de trazer resultados que signifiquem maior proximidade com o consumidor final. O Brasil é sempre visto como um país que foi descoberto. Portanto, vou procurar trazer um pouco desse novo olhar. Se puder fazer um marco, vou levar a ginga brasileira para algo que possa ser bonito e efetivo ao mesmo tempo.”

Indicação
“Foi uma grande surpresa e senti um grande orgulho em receber a indicação. A palavra que exprime o que senti é gratidão pelo reconhecimento ao meu trabalho, traduzido por meio da 100% Design, pela qual me expresso com a minha equipe. Também senti orgulho pelo Brasil por, mais uma vez, estar fazendo parte desse time de jurados. Sempre somos tão críticos nesse segmento e tão exigentes que, quando chega um momento desse, temos que agradecer e comemorar. Não sinto que é um mérito próprio. Sinto que fui escolhida como um canal para transmitir os valores do design brasileiro para o mundo por meio de Cannes. E, recebendo essa missão, tenho que fazer o melhor por meio da minha articulação e experiência, para ser uma partícula dessa informação de forma efetiva. É um canal de ampliação dos horizontes do design nacional.”

Design perfeito
“Fundamentalmente, uma peça de design tem que funcionar. Há tecnologias e ferramentas que permitem ao designer ser efetivo para trazer resultados funcionais. Entretanto, hoje não é só mais a tecnologia pela técnica: é importante também que ela emocione. A Apple, por exemplo, saiu muito na frente porque construiu uma marca. O design, além de efetivo, tem que construir uma linguagem; traduzir a mensagem de perpetuar uma informação ao longo dos anos, carregar um valor, que seja de conforto, bem-estar, humor ou de qualquer coisa que se proponha a fazer.”

Inovação
“O design precisa de três pilares: tecnologia, inovação e linguagem. Se um design não é inovador, ele parou no tempo. O lance da Apple é ela nunca parar no tempo. O design nunca estaciona, está sempre se aprimorando e acompanhando a evolução orgânica do comportamento humano. Isso é o mais importante. Por que uma marca muda? Por que uma embalagem é reformulada? Ela não ficou velha à toa. O consumidor muda, o design muda. Não existe design que é estável. Para mim, ele retrata cada vez mais o tempo presente. É possível planejar de forma estratégica e criar projeção para as marcas, mas não prever o design futuro. Ele tem que traduzir o que o consumidor tem de referência para o hoje. O bom trabalho traz uma certa afinidade com o que o consumidor tem de expectativa, cria empatia. O consumidor vê e sente: ‘eu reconheço essa marca’. As companhias sabem disso e estão cada vez mais contando as suas histórias. Um bom designer conta uma história.”

Paixões
“Sou designer há 20 anos. Design é uma interface para eu me expressar como ser humano. É interessante como nossa profissão vai tomando espaços inteiros em nossa vida. Além dele, tenho outras paixões, como o yoga, a dança – pratico street dance e hip hop –, sou uma apaixonada por arte e estudo cabala também. Sempre procurei fazer atividades além do design, buscar coisas que me permitam se expressar de forma mais livre. Faço yoga há 12 anos, tenho formação no tema, fiz aulas na Califórnia e já dei aulas também. Isso mudou a forma como vejo o meu trabalho e também o modo de eu me colocar no universo. Procuro sempre e a cada vez estar conectada com o que a minha alma sonha, com o que os meus valores me guiam.”

Conquista
“Um dos meus maiores hobbies é estar perto do meu filho. Com ele, eu volto a ser criança e a fazer coisas que há muito tempo não fazia. Ele me ajudou a redefinir as prioridades da minha vida. Posso dizer que, ao poder ser designer, praticante de yoga, dançar e estar perto dele, uma das minhas maiores conquistas nos últimos anos foi tempo.”