Presidente da Borghi/Lowe, José Henrique Borghi chega ao júri de Cannes pela segunda vez. Representante do Brasil em Press em 2002, agora é a vez de julgar os trabalhos do Cyber Lions, quebrando uma “fila” de jurados vindos da publicidade digital. E com uma “grande responsabilidade”, já que o país trouxe apenas cinco Leões na área nos últimos três anos. Para ele, os brasileiros têm que aprender com o que tem ocorrido em outros países, onde as ações digitais envolvem toda a cadeia do negócio. Ele cita como exemplo o case que no ano passado conquistou GP em Promo e em Direct, para a American Express. “Até o presidente Barack Obama foi envolvido. Foi um trabalho que trouxe benefícios para a sociedade”.
O Cyber hoje
“Cyber hoje é o maior 360º que existe, pois lá dentro você vai encontrar absolutamente tudo. Inclusive este é um dos motivos pelo qual ouvimos que a área pode ser eliminada do festival em um futuro próximo. Hoje não dá mais para identificar o que é um trabalho de Cyber Lions, como era há alguns anos. Você pode ter uma ação interativa nascida em um filme, uma promoção, um longa-metragem, em um evento e até em um outdoor, como foi o famoso trabalho do Jay-Z (“Decodifique Jay-Z com Bing”, da Droga5 para o buscador da Microsoft, que conquistou alguns prêmios em 2011 – entre eles o GP de Outdoor). E ficou difícil também para o jurado analisar o que é genuinamente Cyber. Pois o que te impede de entrar com quase qualquer tipo de campanha ou iniciativa partindo do digital? Antes você tinha um muro separando os meios on e offline. Por isso que acho que é não apenas o maior 360º, como disse, mas o mais completo que existe na comunicação, dentro das categorias definidas por Cannes. E têm ainda todas as subcategorias, que dificultam ainda mais a escolha dos prêmios.”
Pré-votação
“Eu não sei como e quando será o início das votações. Mas devemos ter uma pré-escolha dos trabalhos, com cada jurado fazendo isso de seu país, para chegar lá com uma lista um pouco mais reduzida e já com uma qualidade superior. Não é o shortlist definitivo, claro. Seria um ‘long shortlist’. E a gente inicia fisicamente com a coisa mais peneirada. Como as inscrições foram encerradas recentemente, creio que este movimento de seleção deve estar sendo feito agora.”
Segunda vez
“Eu fui jurado em Press and Outdoor (na época, as áreas, hoje separadas, eram juntas) em 2002. Onze anos depois, as diferenças são impressionantes. Tudo mudou, a começar pelo festival, que ganhou uma amplitude e representatividade que transcende muito a publicidade. Eu não tenho certeza para quem foi melhor isso tudo: se para os organizadores ou para nós, profissionais de comunicação. Mas eu digo que para quem vem da criação pura, um diretor de arte ou um redator, eu não sei se Cannes continua representando a mesma coisa. Para um purista ficou muito fragmentado, pulverizado. Em compensação, se você vem de qualquer outra área – principalmente o cliente, a pessoa que está diretamente dentro do business, com certeza o Festival de Cannes é mais relevante. O encontro migrou definitivamente de algo exclusivo para os criativos para se tornar uma coisa gigantesca. Não dá nem mais para chamá-lo de festival. É uma grande feira de negócios, com inúmeros contatos e reuniões. Se você não se organizar bem, com tantos compromissos que hoje existem já pré-agendados do Brasil, você não vê o que acontece no evento. Este ano eu não irei a muitos deles, pois estarei julgando. Nas últimas edições, todos os dias havia pelo menos um encontro com cliente ou com a rede. Eu, como sou um caxias e gosto de participar muito do que ocorre dentro do Palais, procuro evitar esse excesso de reuniões. Isso quando dá.”
Importância do Leão
“Hoje, ao contrário do que se falava no passado, o prêmio é importante também para o cliente. A exigência chega até a partir de alguns deles, que centram o negócio baseado nos resultados de Cannes, e a partir daí dão as diretrizes para suas redes. A amplitude mudou muito. Só que eu tenho uma máxima comigo que diz: ‘Nós não estamos em um negócio cujo objetivo é ganhar Leão, mas sim matar leão’. Acho que isso também não pode ser perdido. O negócio é o dia a dia. Cannes é exceção, é o baile de gala do publicitário, pois só dura uma semana. E o resto do ano?”
Chance
“O Brasil não tem ido muito bem nos últimos anos em Cyber. E eu irei fazer o máximo que posso para tentar uma performance melhor (foram cinco Leões nos últimos três anos), mas não posso fazer previsão ainda. O que aconteceu é que essa área se modernizou e se sofisticou. Hoje você não consegue mais julgar uma peça porque ela transcende os meios exclusivamente dentro do digital. É uma área que está intimamente ligada com toda a cadeia do negócio, e não só da comunicação. E nós brasileiros temos que aprender muito isso, pois só estamos dentro dessa cadeia em alguns momentos. Lá fora você vê clientes gigantes que usam essa plataforma digital de maneira muito mais complexa e muito mais completa também. Não só com produção mais sofisticada, mas com envolvimento de todas as partes da cadeia. Você vê o case de American Express (“Pequenos negócios ganham um dia”, da Crispin Porter + Bogusky, vencedor dos GPs de Promo & Activation e de Direct em 2012), dos Estados Unidos, tem ‘só o Barack Obama’ falando sobre ele. Olha a complexidade, onde você vê a participação de figuras da sociedade – neste caso, a mais importante de todas – e pontos de contato muito mais complexos. É isso que temos que buscar mais. Eu estou começando a ver trabalhos brasileiros e há muitas ideias boas. Mas o que acho que precisa, e é o que vai dar o tom, como já ocorre há alguns anos, não é exclusivamente a ideia, mas sim esta ideia, sua repercussão e o que ela traz de benefício para a sociedade, consumidor, empresas. Enfim, o quanto ela traz de experiências diferenciadas para o dia a dia real. Provar o discurso da marca e provocar movimentos.”
Ideia x tecnologia
“A tecnologia é sempre bem-vinda e às vezes viabiliza a ideia, coisa que não existia até um passado recente. Hoje, algumas ideias só existem porque há a tecnologia por trás delas. E o que existe hoje também é uma criação da tecnologia. Você tem uma ideia e vai por meio da tecnologia colocá-la de pé. É outra novidade. É uma inversão da lógica da criação. Mas jamais a tecnologia por si só vai conseguir tirar a importância da ideia, porque temos muitas ideias ruins com tecnologias maravilhosas que não resolvem nada. A grande ideia, aliada à boa tecnologia, vai continuar sendo vencedora.”
Favoritos
“São sempre os mesmos, com os EUA à frente. Porque eles têm uma produção maior, e aí também faz diferença na quantidade de prêmios – além de serem mais maduros na área, como dissemos anteriormente. Já há muitos anos descobriram que o Cyber deve trabalhar todos os pontos da cadeia do negócio e envolvem efetivamente todos os pontos de contato. Muitos dos cases premiados lá demoram até um ano, ou mais, para serem concebidos. Criam até produtos, como a pulseira da Nike (o grande case de 2012, Nike+ FuelBand, da R/GA). Isso não se faz da noite para o dia. É projeto para mais de um ano. Fora os testes. É uma coisa que exige muita tentativa e erro. O Cyber Lions está virando isso, uma grande vitrine de oportunidades para novos negócios.”
Publicidade tradicional
“Eu tenho sentido nos últimos anos falta de uma busca maior pela base do que é o conceito da comunicação. O deslumbre da tecnologia pela tecnologia está acabando. Você precisa ter uma boa ideia, saber contá-la de maneira impactante, cativante, seja ela pelo humor ou pelo emocional. E aí a plataforma é o que menos importa. Cada vez menos vamos conseguir encaixar os conceitos dentro de caixinhas. Isso por ter levado à indicação do meu nome, quebrando essa sequência de jurados vindo do digital.”
Seminários
“A minha dificuldade é conseguir acompanhar tudo. Eu sou um apaixonado ainda por todas as mídias ditas tradicionais e tento mesclar essas categorias com as palestras. Mas eu diria que você consegue ver em Cannes, no máximo, 30%, 40% do que o festival oferece. Em relação às palestras, eu dou preferência a quem tem um novo olhar da comunicação do que das coisas técnicas, para tentar trazer inovações ao Brasil. A verdade é que você fica igual a uma barata tonta lá dentro, indo de um lugar para outro, meio que sem rumo. É um tsunami de informações. E isso é melhor. Tem conteúdo para todos os públicos e gostos. Eu vou ver o que perdi depois do festival, na internet. Também acho legal ver as personalidades que são de fora da área e Cannes as tem levado, mas há um olhar sintonizado de alguma forma com o novo olhar da comunicação.”
Júri
“Ainda não conversei com ninguém do júri. Conheço alguns jurados de nome, assim como o presidente, claro, o Bob (Greenberg, fundador e CEO da R/GA), que é uma figura importante da comunicação. Mas também o conheço apenas de vista, não cheguei a conversar com ele.”
Preparação
“Minha preparação já começou. Tenho feito uma coleta de coisas que têm ocorrido no mundo, que não tem o intuito de ser um apanhado real, mas apenas uma coisa minha, uma série de cases que estão surgindo. E divido tudo isso em pastas, organizadas por semana. Tem um pouco de tudo – de coisas mais tradicionais a ideias bem inusitadas, do Brasil e do mundo. É uma varredura que faço em diversos sites, que pego na mídia especializada e portais ligados à nossa área.”