O blockbuster Avatar reproduz a obsessão do homem por outros mundos, busca que pode encontrar no metaverso um terreno fértil para cavar novas experiências de marca (Divulgação)

O metaverso alardeia a próxima fronteira do marketing. Mas o mundo habitado por avatares não é tão novo assim. Cunhado no livro Snow Crash em 1992, explodiu no cinema em 2009 com o blockbuster Avatar, que promete a continuação The Way of Water para dezembro do próximo ano. Em 1999, Matrix já trazia a obsessão do homem por universos paralelos. Tem ainda o tempo às avessas da série alemã Dark e o mundo invertido de Stranger Things, ambas da Netflix.

Será que, agora, essa mania ultrapassará os limites da ficção científica? Por enquanto, só o avatar de Jake Sully mantém o privilégio de conviver entre os Na’vi de Pandora. Mas, atrás das telas, há um mundo inexplorado à espera de experiências sem precedentes para as marcas.

A tentativa de colonização já foi feita antes. Quem não se lembra da febre do Second Life em meados de 2003? “O mercado não estava preparado para essa inovação. Foi uma boa ideia na época errada”, diz André Miceli, coordenador do MBA de marketing e negócios digitais da FGV.

Agora vai?
Desta vez, o metaverso “chegou para ficar e estamos vendo apenas o começo”, acredita Claudio Lima, CEO da Druid, que já ajudou a criar concessionária e test drive de Jeep, delivery do iFood e loja de eletrônicos do Submarino. Outras marcas se preparam para entrar no metaverso. “Desde aplicativos de redes sociais a instituições financeiras, clientes de vários segmentos estão interessados em descobrir como o metaverso vai afetar os seus negócios no futuro”, avisa Lima.

Claudio Lima, CEO da Druid: negócios no futuro (Divulgação)

Tonico Novaes, CEO da Campus Party Brasil, evento de tecnologia que ocorrerá entre os dias 11 e 15 de novembro em formato híbrido, admite que a tecnologia não é nova, mas ganhou impulso na pandemia da Covid-19, quando “avançamos em 18 meses o que deveríamos ter evoluído nos últimos 18 anos”, critica. “Entramos, de fato, no novo milênio”, frisa.

Hoje, o avanço da tecnologia blockchain e a penetração de smartphones, videogames e computadores fincam as raízes do metaverso com “ferramentas e páginas de streaming que permitem acompanhar, via influenciadores, o que acontece nesses ambientes”, explica Lima.

O potencial para mixar as realidades virtual e aumentada ainda ganhará o empurrão da tecnologia 5G, que deve gerar mais de US$ 100 bilhões no PIB do país e criar 200 mil empregos na próxima década, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da consultoria KPMG. Velocidade, tempo de resposta e conexão devem massificar o uso das máquinas, “entregando o metaverso como realidade para todo mundo”, projeta Novaes.

Atenção
Com o poder de influenciar legiões de fãs, o metaverso atrai marcas ávidas pela atenção de uma audiência que cresce à base de inovação. O benefício é fazer parte de um ambiente escolhido pelo próprio consumidor, ponto de partida para negócios monetizados pelas criptomoedas. De acordo com a Bloomberg Intelligence, o segmento deve movimentar a cifra de US$ 800 bilhões em 2024.

Paulo Benetti, CEO da Outplay: geração Z (Divulgação)

Jogo mais assistido do servidor de GTA RP do Brasil, o Cidade Alta, por exemplo, soma dois milhões de views no YouTube diariamente. “Conversamos com a geração Z, não se limitando ao público gamer, influenciando na forma de consumo dessa audiência ao replicarmos a moda e os espaços da vida real, frequentado e controlado por criadores de conteúdo”, conta Paulo Benetti, CEO da Outplay, dona do Cidade Alta, que possui mais de quatro mil jogadores ativos e mil criadores de conteúdo.

Em 2021, o primeiro Carnaval gamer com Monobloco e patrocínio de Tinder, Trident e Engov After totalizou 19 milhões de visualizações. Da parceria com a Loud, veio também o Baguncinha, que alcançou mais de 300 mil views simultâneos. “Foi o primeiro megaevento metaverso do Brasil com drops de roupas e três clipes musicais. Teremos a segunda edição com artistas e celebridades gamers”, antecipa Benetti.

Parada LGBTQIA+ para Facebook, ação de OOH em games para a Mentos e lançamento de NFTs são outras iniciativas já feitas no metaverso da plataforma. “Não é uma febre passageira. O cenário vai mudar quando as marcas começarem a entender melhor como funciona a parceria”, avalia Benetti.

Outra prerrogativa é compreender os valores preconizados pelos jovens, público que está prioritariamente no metaverso. “Os valores mudaram. A geração Z busca economia compartilhada, marcas regenerativas, inclusivas e com propósito. O geek virou líder de comunidade e não adianta arrotar o que você não é”, recomenda Novaes.

Douglas Santos, head de gaming da Cheil: banalização

Tapete vermelho
Puxado por marcas nativas digitais, o território estende o tapete vermelho para qualquer empresa com produtos direcionados ao target que já trafega por rotas virtuais. “São jovens que frequentam shows dentro do Fortnite, e acreditam que realmente foram ao evento”, comenta Novaes. O status do mundo físico se reproduz no virtual. “É um público que vai gastar sem fazer muito juízo de valor”, aponta Miceli.

Grifes de luxo marcam pioneirismo. Enquanto a italiana Guggi amplia a sua presença no Roblox com instalações artísticas virtuais como a House’s Gucci Garden Archetypes, a Louis Vuitton lançou uma coleção no universo de League of Legends (LOL), e a Vans apresentou o Vans World, ambiente de skate no Roblox. Já Valentino desenhou modelos que podem ser baixados e aplicados como nos games.

Frotas de outros mercados também navegam nessas águas. Na ilha virtual da rede de fast-food KFC é possível interagir com personagens e fazer pedidos por meio de delivery. “O metaverso é uma mistura de realidades, quase todos os produtos e serviços encontrarão espaço para existir ou explorá-lo como ferramenta de marketing e experiência”, comenta Lima.

Entraves
Nessa viagem capitaneada por empresas como Tencent, Epic Games, Animal Crossing, Roblox e Facebook – que no dia 28 de outubro anunciou a holding Meta, já associada ao metaverso -, novos recursos permitirão experiências imersivas cada vez mais intensas. Mas o horizonte não é tão claro.

Carnaval gamer no metaverso do Cidade Alta (Divulgação)

“O metaverso ainda está sendo construído. O que temos hoje são experiências que tentam se aproximar do conceito, e um termo que vem caindo no banal antes mesmo de se tornar concreto”, pondera Douglas Santos, head de gaming da Cheil, que lançou Brahma Duplo Malte no servidor de GTA Cidade Alta em 2020. Com mais de 40 influenciadores e presença da cantora Anitta, a estreia foi assistida por mais de 1,3 milhão de pessoas.

A interoperabilidade é uma das barreiras. Segundo Santos, players do mercado de games ainda não permitem que os jogadores recriem conteúdo gerado pelo usuário em outras plataformas. “As empresas proprietárias dessas plataformas devem abrir mão de algum controle”, adverte.

O metaverso requer uma infraestrutura ainda inexistente, que vai além de um jogo. “A internet nunca foi projetada para algo próximo a essa experiência”, lembra Santos. Regras de censura, controle de comunicações, fiscalização regulatória e segurança são alguns dos desafios pronunciados.

Horda de inúteis
O impacto social também sinaliza ameaças. “A humanidade pode encarar uma horda de inúteis nos próximos anos”, alerta Miceli, citando hipóteses levantadas por estudiosos. A projeção considera fatores como programas de renda mínima, o desapego dos jovens a posses materiais e o acesso a tecnologias de imersão.

“Se o indivíduo tem o que precisa, não quer tanta coisa, e tem onde estar, dá para imaginar uma geração sem produzir riqueza para a sociedade. Deixaremos de evoluir”, teme Miceli.

O risco social demanda maturidade no uso do metaverso para evitar que o isolamento da realidade cause uma vida distorcida e confusa, sem uma segunda chance para voltar ao jogo. “Alguém fraco fisicamente no mundo real pode ser forte no metaverso”, exemplifica Miceli. A relação das pessoas com a própria visão deve ser preservada para evitar contornos perigosos na cibercultura.