O SBT está vendendo imagens via NFTs com registros históricos de Silvio Santos em atrações como o primeiro ‘Teleton’, em 1998/Foto: Divulgação

Movido a tendências e inovações, o mercado de comunicação e marketing não poderia ficar de fora do universo dos NFTs (non-fungible-token, ou tokens não fungíveis), que vem movimentando a economia criativa. NFT é um certificado registrado via blockchain que atesta a originalidade e exclusividade de um bem que só existe no ambiente digital. Esse ativo pode ser uma obra de arte, imagens, músicas, memes, itens colecionáveis, enfim, qualquer coisa que se enxergue valor. Para se ter uma ideia da dimensão desse novo mercado, o primeiro tweet foi vendido recentemente por US$ 2,9 milhões via leilão como NFT pelo presidente do Twitter, Jack Dorsey. O post, publicado em 21 de março de 2006, dizia apenas: “just setting up my twttr”.

Mas, afinal, que valor tem isso? “O grande fundamento econômico do NFT é a raridade. Se consigo provar que aquele artigo digital é raro e algumas pessoas querem concorrer para ter aquele artefato único, existe um valor econômico desse bem. Quanto vale uma garrafinha da Coca-Cola? E se ela for da década de 1950? Não é nem a questão da idade, é o apreço que temos pelo produto. O NFT conseguiu criar o conceito de escassez, raridade no ambiente digital, que antes não existia e era dominado pelo famoso ‘control C + control V’, originando um novo mercado também”, pontua Adrian Kemmer Cernev, professor de blockchain e criptoativos da ESPM-SP.

Para o empresário Luiz Calainho, um dos sócios da Digitiva, agência de construção tecnológica que em parceria com a banda Charlie Brown Jr. desenvolveu NFTs com imagens exclusivas do vocalista da banda, Chorão, as marcas que se conectam com essa tecnologia estão passando a seguinte mensagem para o consumidor: estou na ponta, no lugar mais contemporâneo em termos de tecnologia.

Imagem inédita do vocalista Chorão, do Charlie Brown Jr., lançada pela Digitiva/Foto: Divulgação

“Em primeiro lugar, se tem inovação, disrupção como vantagem de posicionamento. Em segundo lugar, as companhias se aproximam dos consumidores a partir de uma nova forma de distribuição de seus ativos. E o terceiro ponto é o impacto econômico. É claro que agora ainda é pequeno, mas na medida que for avançando vai chegar a um negócio de alto impacto econômico, sob o ponto de vista de uma nova vertical de negócios. Sair na frente faz toda diferença”, ressalta Calainho, um dos principais nomes do cenário cultural brasileiro e controlador da L21 Corp., que tem sob seu guarda-chuva diversos negócios.

Na semana passada, o SBT mostrou seu vanguardismo ao anunciar a venda de obras digitais de seu acervo via NFTs, em parceria com a InspireIP. A emissora é a primeira empresa de mídia do Brasil a investir nessa tecnologia como frente de negócios. A iniciativa faz parte das comemorações dos 40 anos do canal de Silvio Santos. Foram lançadas quatro imagens históricas do apresentador à frente de atrações icônicas: Onde tudo começou – 1981; De casa nova – 1996; Topa Tudo por Dinheiro – 1992 e Teleton – 1998.

“A oferta destes NFTs para os fãs do SBT e do Silvio Santos simboliza também um novo momento do SBT no processo de transformação digital da emissora”, diz Fernando Pensado, head de inovação do SBT. Na visão de Caroline Nunes, CEO da InspireIP, o pioneirismo do SBT vai ajudar a popularizar os NFTs no Brasil. “O leilão de NFT do SBT vai permitir que o conhecimento sobre criptomoeda e blockchain chegue a toda a população. Teremos netos, pais e avós pesquisando sobre a tecnologia, querendo participar do leilão, dando lances. É muito mais que um simples leilão de NFT. É uma revolução cultural”, avalia Caroline, mestre em propriedade intelectual pela University of Southern California, nos EUA.

Luiz Calainho: “Sair na frente faz toda diferença”/Foto: Divulgação

Os lances das imagens do ‘homem do baú’ serão feitos via Matic – uma criptomoeda, sendo que o valor inicial de cada imagem correspondente a R$ 40 e o incremento para cada lance é de R$ 10. Será gerado somente 1 NFT para cada imagem, o que torna o objeto ainda mais exclusivo. O leilão será encerrado em 30 de setembro.

Tsunami de tecnologia
Calainho reforça que o mercado vive um verdadeiro tsunami de tecnologia, avançando em muitas frentes, formatos e, obviamente, com as empresas se reinventando, encontrando seus caminhos. Ele compara o momento atual do universo dos criptoativos com o início da internet discada e aposta que em pouco tempo todas as marcas vão abraçar essa tecnologia como uma nova frente de negócio.

“Eu costumo dizer que a gente está nesse mundo dos criptoativos como se nós estivéssemos em 1995, quando a internet começou a surgir. Essa é uma linguagem que vai ser corriqueira para todo e qualquer segmento. A visão que eu tenho é que o mercado de blockchain transita em um ambiente diferente de internet e é um processo em construção, como a internet também foi ao longo dos últimos 25 anos. Eu posso garantir que em cinco, dez anos, o mercado inteiro fará parte dessa jornada”, avalia.

Conrado Caon: “NFT tem associação de longo prazo”/Foto: Divulgação

Outro projeto de NFT da Digitiva será desenvolvido junto com a Aventura, maior produtora de musicais do país, da qual Calainho também é sócio.

Trata-se de um NFT de um clipe do fechamento do primeiro ato do espetáculo Merlin, quando Raul Seixas e Paulinho Moska produziam a música Sociedade Alternativa. “Vamos eternizar esse momento. Serão 30 unidades. As 30 pessoas que comprarem esses NFTs terão direito a um passe livre com dois assentos, durante um ano, para assistir todo e qualquer espetáculo que a Aventura produzir em 2022”.

Marcas
E como é o interesse das marcas pelo universo de NFTs? No Brasil, aparentemente e por enquanto, ainda é pequeno. Das agências consultadas pelo PROPMARK, todas afirmaram que não têm projetos para os clientes nessa área.

Mas o CTO da brandtech Adventures, Conrado Caon, reforça que no mundo existem diversos casos de aplicações de NFTs em campanhas e posicionamento de marcas internacionais. Ele afirma também que a Adventures está em conversas avançadas com marcas para desenvolvimento de projetos com NFTs para gerar awareness.

Em relação ao valor dos NFTs para marcas, Caon destaca pilares como inovação, diferencial tecnológico e pioneirismo. Outro fator é o de associação de longo prazo com o cliente. “Quando o cliente passa a ser um portador de um NFT de uma marca é eterno. Ao contrário de outras coisas que você adquire e o valor deprecia, no caso de NFTs, em muitos dos cenários, se valoriza, inclusive com possibilidade de mercado secundário, em que você compra algo e a posteriori pode revender por um valor maior. Um outro ponto bastante importante é que o NFT pode ter múltiplas facetas de design. Pode ser muito associado com arte digital”.

Segundo o CTO da Adventures, um potencial muito grande dos NFTs é relativo a experiências relacionadas a um evento, por exemplo, como a compra de um tíquete de um jogo de futebol, um show de rock histórico. “Geralmente os lançamentos de NFTs são feitos de propósito com diferentes graus de raridade e escassez. Pelo blockchain você tem autenticidade plena, o NFT é numerado. As primeiras implantações de NFTs vão atrair um público mais digitalmente conectado, mas é algo que muito rapidamente vai espalhar para outros nichos de públicos. Inclusive um dos projetos que estamos criando é mais de massificação, com fóruns de interesse não tão focados no público altamente conectado ou gamer, e sim para públicos de faixas etárias diferentes”, salienta ele.

Havaianas saiu na frente e desenvolveu uma coleção exclusiva via NFT/Foto: Divulgação

No Brasil, a Havaianas saiu na frente e lançou em maio deste ano uma coleção virtual de Havaianas NFT com cinco intervenções artísticas em um shape inédito que não existe ainda no mundo físico. Todas as artes foram inspiradas na felicidade: Happy Feet; A Step to Happiness; Happy Citizen; Happy Spring; Happy Heels.

As peças foram feitas em colaboração com o designer e artista Adhemas Batista, radicado em Los Angeles. Parte do lucro arrecadado com o leilão foi destinado ao projeto Favela Galeria, um museu a céu aberto localizado na zona leste de São Paulo, ao lado de onde Adhemas começou a desenhar antes de iniciar carreira em publicidade.

“O retorno (da ação) foi muito positivo! Especialmente por valorizar dois aspectos que fazem parte da essência de Havaianas: inovação e arte. Somos uma marca inovadora por natureza, sempre trazendo novidades em shapes, estilos e a busca por novidades também passa por tecnologia. O nosso objetivo era encontrar uma forma diferente de entrar nesse movimento, inovando em relação ao que a maior parte das marcas havia feito até então; no nosso caso, colaborando com artistas que fazem e/ou fizeram parte da história da marca e apoiando uma causa com a venda da arte em leilão. Conseguimos resultados positivos tanto na venda do produto em si, mas, especialmente, nas conversas geradas, que foram muito potentes”, conta Mafê Albuquerque, diretora de comunicação global de Havaianas.

Mafê Albuquerque: “Retorno muito positivo para Havaianas”/Foto: Divulgação

A Império Serrano também ousou e é a primeira escola de samba a entrar no mercado de NFTs. A agremiação de Madureira vai tokenizar uma fantasia vitalícia em um de seus carros alegóricos, quatro ingressos vitalícios para o Carnaval, a bandeira da porta-bandeiras do desfile de 2022 e uma criptoarte em 3D, em único e exclusivo NFT. A ação é promovida pela Abrakazum, dos sócios Juno Moraes, Kelpo Gils e Raphael Lós, em parceria com a empresa canadense UREEQA. O valor inicial do leilão é de R$ 100.000,00, ou, na cotação atual, U$S 20.400,00 e está disponível no site.

Adrian Kemmer Cernev, professor de blockchain e criptoativos da ESPM-SP, cita cases como de Taco Bell, Pringles e Pizza Hut, nos Estados Unidos, com lançamentos de gifts promocionais. “As latinhas digitais de Pringles, por exemplo, foram vendidas a US$ 2 mil, porque têm o princípio de raridade. Parece uma grande bobagem, mas daqui a dez anos esse colecionador digital vai ter algo que ninguém tem. O NFT garante isso, você tem um toke não fungível que é reconhecido como um certificado digital”.

Segundo o especialista, o grande lance é a ideação do NFT. “Esse ambiente cripto explodiu de valor. Eu acho que as marcas que ainda não entraram nesse universo estão comendo bola”, avalia. Como disse Cernev, o mercado de NFT pode parecer uma bobagem, mas não é – somente em agosto movimentou um volume de US$ 2,3 bilhões. Outro ponto que os especialistas concordam é que NFT não é, definitivamente, uma onda passageira. E aí, vai embarcar nessa?

A Império Serrano vai tokenizar uma fantasia e é a primeira escola de samba a entrar no mercado de NFTs/Foto: Divulgação