Neste exato momento, milhares de profissionais de transporte individual nas principais metrópoles do país “vazam pelo ladrão”. Muito especialmente na cidade de São Paulo. Em 24 meses, a disrupção é ampla, geral e irrestrita. Primeiro, o Uber disruptou os táxis. Depois, os “99” disruptaram os táxis e os “Ubers”. E agora, todos se disruptam todos. É o verbo do momento!
Lembra? Em casa que falta pão, todos choram e ninguém tem razão? Sobra oferta, falta procura. Sobram alternativas individuais de transporte, mas faltam indivíduos. E como a velha lei da oferta e procura não foi e jamais será revogada, os preços despencam e os passageiros comemoram. Ao menos, por mais alguns meses e até o mercado se reequilibrar e milhares dos profissionais desistirem da suposta e ilusória mina de ouro.
A melhor fotografia sobre o que está ocorrendo nesse território foi tirada semanas atrás pela revista São Paulo da Folha, em matéria de ótima qualidade assinada pelo Rafael Belago. No exato momento da fotografia, os passageiros – clientes – revelam-se em estado de graça. Têm mais alternativas, pagam menos, são melhores atendidos e ganham mimos – balas, água e até sucos. Mas, de toda a cadeia de valor, são os únicos verdadeiramente felizes. Até quando?
Enquanto isso, uma nova realidade vai se revelando aos demais integrantes da cadeia de valor, claro, com exceção dos passageiros/clientes. Lembram que meses atrás comentei que ao entrar no elevador do prédio onde se encontra minha empresa peguei um profissional falando que nas horas vagas fazia uns bicos no Uber e estava tirando livre “8 mil reais por mês”. Claro que não fez as contas direito, mas era outro momento.
Hoje, a realidade é a seguinte, segundo a Folha: “No último dia 8 de junho, o motorista Carlos, do Uber, começou a trabalhar às 5 da matina com uma corrida para Guarulhos. Para poder ganhar o mínimo necessário teve de ir até as 4 do dia seguinte e dar umas dormidas no carro… na segunda-feira anterior, tudo o que conseguiu foi faturar R$ 12… Isso mesmo, 12 reais!”. Todos os profissionais minimamente inteligentes, espertos ou tentando sobreviver aumentaram a impressão de cartões e dão para todos os passageiros implorando que os acionem diretamente sem passar pelos aplicativos…
Já os taxistas mergulham na miséria. Segundo o sindicato da categoria, na cidade de São Paulo, a queda no movimento neste ano, em relação a 2015, é de 45%. Pior ainda, aplicativos “amigos”, que não cobravam nada, agora esfolam e ainda exigem que os taxistas façam promoção de preço! Por outro lado, os passageiros começam a descobrir que algumas das supostas maravilhas não são bem assim… Incomodam-se com o Uber estimular seus motoristas, indicarem outro e ganharem um bônus de R$ 700 sem nenhuma outra exigência ou critério. Incomodam-se com o fato de as pessoas poderem se cadastrar sem precisar ter carro, podendo usar o carro de outra pessoa ou alugar um… E incomodam-se, principalmente, pela não necessidade de entrevista pessoal e nenhum tipo de treinamento presencial…
E alguns motoristas do Uber, como já vêm ocorrendo em outros países, organizam-se para em qualquer momento recorrerem à Justiça do Trabalho alegando vínculo empregatício. É isso, amigos, tempos de murici – cada um cuide de si! Nada a ver com os “Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro, que o senhor tem a seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado…”. Os bondes se aposentaram, os ônibus se modernizaram, os passageiros não morrem mais de bronquite e só de dengue, os táxis e os taxistas mergulharam no inferno da concorrência bagunçada, do vale tudo, da disrupção. Mais dois ou três anos para a poeira baixar e conseguir-se ver, minimamente, o novo formato dos sistemas de transportes das grandes metrópoles do mundo. Até lá, caos! Tomara que, depois de quebrados quase todos os ovos, revele-se um magnífico omelete.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)