Na guerra entre verdadeiro e falso, até grandes anunciantes estão preocupados. Se para vender sabonete, Unilever e P&G estão atentos contra notícias falsas, o que devem fazer plataformas digitais e os governos quando o assunto é eleições?
A mais popular rede social do mundo vive sua maior crise. Não é para menos: o Facebook está sendo acusado de ter repassado dados de quase 90 milhões de usuários à Cambridge Analytica, consultoria que ajudou a manipular as eleições americanas a favor de Donald Trump, há dois anos. A empresa pode ter desrespeitado um acordo fechado com as autoridades americanas há sete anos, no qual prometia não violar a privacidade de seus usuários.
Em razão disso, a Comissão de Informação do Reino Unido, sede da Cambridge Analytica, quer que Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook, seja convocado para depor a uma comissão parlamentar sobre o escândalo de vazamento de dados.
O estopim da crise aconteceu com a publicação de investigações realizadas pelos jornais “The New York Times” e “The Observer” (edição dominical do “The Guardian”) e pela rede de TV britânica, Channel 4. Nos vídeos divulgados pelo canal, executivos da Cambridge Analytica contam a jornalistas (que se passaram por representantes de um partido político do Sri Lanka interessados em contratar a consultoria) como manipularam as eleições no Quênia, usando dados dos usuários de redes sociais e espalhando notícias falsas (fake news). “Trabalhamos com dois elementos fundamentais da ação humana, a esperança e o medo. Não vale a pena enfrentar uma campanha política com base em fatos, é tudo sobre emoções”, diz um dos executivos, no vídeo. E afirmam: “Estamos chegando ao Brasil.”
Isso é muito sério. Notícias falsas, já sabemos, causam estragos, não só para marcas, mas também no meio político e na sociedade. Lembra do hambúrguer de minhoca do McDonald’s? A lenda pré-internet até hoje afasta gente das lanchonetes (tente digitar no Google “Mc”, de McDonald’s: hambúrguer de minhoca ainda vem entre as primeiras sugestões de busca).
Pensando bem, dá saudade do tempo em que notícia falsa era só um sanduíche de minhoca. Na era das redes sociais, lidamos com uma avalanche de mentiras que pipocam não só no WhatsApp, no Facebook, no YouTube, mas também em memes, no Twitter, em todo lugar, em todo momento. E nem sempre são tão óbvias quanto um hambúrguer de vermes de jardim. Vai dizer que você nunca ficou em dúvida diante de um post supercompartilhado?
Na guerra entre verdadeiro e falso, como a indústria da comunicação – e aqui me refiro a agências de propaganda, veículos de jornalismo e plataformas digitais – deve agir? E o governo, qual seu papel? O jornalismo profissional precisa ser privilegiado. A fonte de notícia com credibilidade (seja um grande jornal, uma agência de notícias, um blogueiro respeitado) deve ter tratamento especial pelas mídias sociais para se diferenciar do que é inventado para lesar marcas, candidatos – ou só para gerar fluxo.
O que vimos recentemente, porém, é exatamente o contrário. Além das acusações de vazamento de dados dos usuários, o novo algoritmo do Facebook, que prioriza postagens de amigos e família, reduz o alcance de conteúdo distribuído pela imprensa.
As plataformas não podem simplesmente dizer que não têm como identificar fontes de notícias falsas – e por isso tirar tudo de uma vez da sua “timeline”, tanto o falso, quanto o verdadeiro.
Elas têm tecnologia para reconhecer você em suas fotos. Para decidir que anúncios exibir para cada usuário e muito mais. Como podem dizer que não conseguem distinguir “fake news”, espalhadas por robôs que republicam conteúdo, de notícias verdadeiras? O que elas dizem, aliás, já não é mais tão confiável, como o caso Cambridge Analytica está mostrando.
Considerando que grandes redes sociais são monopólios da atenção do internauta, governos (e não apenas o brasileiro) não podem ficar de fora da discussão. Não defendo – de forma alguma – a censura. Mas sim uma legislação que trate do caso. Esses conglomerados de disseminação de informações não podem continuar operando cheios de segredos e com tão pouca transparência. A pressão dos governos, da Justiça e do Poder Legislativo é fundamental. A legislação eleitoral brasileira, por exemplo, prevê punição para notícias falsas espalhadas em campanha política por: TV, meios impressos e rádio. Nem cita internet.
Ministros do Tribunal Superior Eleitoral têm se reunido com executivos do Google, Facebook, Twitter e WhatsApp para discutir formas de combate às “fake news”. Sabe-se pouco, até agora, da colaboração dessas empresas.
Enquanto isso, notícias falsas se alastram a passos largos. Basta ver o que aconteceu após o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Muitas começam simplesmente com comentários, no mínimo, violentos, como os da desembargadora Marília Castro Neves, que espalhou dados infundados sobre Marielle.
No cenário das eleições, porém, a coisa é mais profissional. Notícias falsas são espalhadas por robôs (softwares que se dedicam a publicar posts em vários perfis – geralmente falsos – em redes sociais). Mais de 20% das interações no Twitter no impeachment, em 2016, foram geradas por robô, segundo o diretor de análise de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurélio Ruediger.
As “fake news” são um prato apetitoso para o internauta desavisado. Brilham na mente de pessoas sedentas por histórias mirabolantes. Confirmam preconceitos de gente intolerante. E se espalham como rastro de pólvora. Uma cadeia digital que se autoalimenta, enriquecendo as grandes plataformas de mídia social e empobrecendo o debate de ideias.
O assunto é tão sério que dois dos maiores anunciantes do planeta, Unilever e Procter & Gamble, ameaçam reduzir radicalmente suas verbas para anúncios digitais. Não querem suas marcas em plataformas que possam associar, por meio de mídia programática, seus anúncios a “fake news”.
Se para vender sabonete, Unilever e P&G estão tomando medidas tão drásticas, como devemos agir, em um ano de eleições?
Paulo Sant’Anna é vice-presidente de mídia da agência mcgarrybowen e presidente do Grupo de Mídia de São Paulo