Menstruação é um fenômeno biológico natural de perda de sangue que acomete, uma vez por mês, a imensa maioria das mulheres no mundo. Uma mulher que menstrue normalmente entre, digamos,
os 13 e os 50 anos perde em média 22 litros de sangue ao longo da vida, segundo cálculos. Apesar dessa realidade biológica inexorável e da certeza de que a menstruação virá, mensalmente, ao longo de pelo menos uns 35 anos, para a grande maioria das mulheres, este é um tema que entrou para a ordem da cultura, ganhando, em diferentes partes do planeta, várias perspectivas e olhares. No Nepal, por exemplo, a menstruação é símbolo de impureza, fruto do ponto de vista do hinduismo, religião que domina a região. Durante cinco dias do ciclo menstrual, as mulheres que querem estar bem com o mundo e com os deuses não bebem leite, não comem carne, não comem vegetais nem frutas. Não tocam em homens, em plantas de flor, em torneiras de água. Não podem frequentar templos e sequer a cozinha – considerado o templo doméstico. À noite, as mais pobres chegam a dormir em abrigos para vacas.
Em Malaui, na ÁAfrica, menstruar é sinônimo de vergonha. No Japão, a menstruação impede mulheres de prepararem sushi porque ela afetaria a maneira como elas sentem o gosto do alimento. Na Índia, há mulheres que acreditam que a menstruação contagia e contamina. No Afeganistão, existe a crença de que mulheres podem se tornar inférteis se tomarem banho durante período menstrual. No Irã, menstruação é doença.
Mesmo aqui no ocidente, até outro dia, menstruação era o assunto incômodo sobre o qual não se falava. Na propaganda, passamos anos representando o sangue como um líquido azul e dando a falsa ideia de que “naqueles dias” as mulheres podem se sentir livres, leves e soltas – como se o simples uso de uma determinada marca de absorvente tornasse tudo magicamente incrível. Mas é preciso reconhecer que evoluímos na abordagem do tema, e a publicidade das marcas pode se gabar de ter algo a ver com isso, a partir do momento em que assumiu seu protagonismo numa conversa mais franca com as pessoas a respeito do tema. Algumas marcas, como OB, foram precursoras. É sem dúvida um clássico o anúncio da DPZ, ainda nos anos 1970, que mostrava uma sósia da romena Nadia Comaneci, enquanto a marca se colocava como a grande aliada das mais de 2 mil mulheres que disputaram os Jogos Olímpicos em Montreal, no Canadá, literalmente tirando o assunto do armário e causando furor na censura de um Brasil em plena ditadura.
Muitos anos depois, a entrada em cena da internet e das redes sociais deu voz às pessoas que se sentiam incomodadas inlusive com a forma com que o tema menstruação era tratado na publicidade. E foram elas, antes das marcas, que abriram o caminho para falar mais abertamente sobre o tema. Acompanhar o espírito do tempo abriu caminhos e deu origem a campanhas como Like a Girl, de Always, criada pela Leo Burnett em 2014, exemplo clássico de estratégia que deu origem ao termo “femvertising”. Em meio a discussões sobre igualdade de gênero e assédio, a publicidade posicionou a menstruação como símbolo de força feminina, e falar do tema se transformou numa espécie de ativismo. A marca Libresse/Bodyform se tornou ícone ao mostrar sangue menstrual na TV e elevar o tratamento do tema a patamares nunca antes navegados. Kotex entrou em discussões interessantes, como os estereótipos em torno da TPM (#itsnotmyperiod – Your period doesn’t define you). No Brasil, a marca Sempre Livre hoje leva educação para meninas e mulheres que não têm acesso a informações sobre menstruação no Piauí e Maranhão. As marcas assumiram sua responsabilidade e se implicaram na transformação de contextos extremamente sofridos. É assim que se muda o mundo.