Bauru, 7 de fevereiro de 1954, domingo de sol e calor. Eu nasci 11 anos antes e morava naquela mesma casa. Avenida Rodrigues Alves 979, telefone 792. Na frente da minha casa centenas de moleques recebendo o fardamento para o Campeonato Infantojuvenil de Futebol, organizado pelo Diário de Bauru, em parceria com a Gazeta Esportiva. Dentre os clubes na avenida, o Baquinho, Bauru Atlético Clube. Meu aniversário era na quarta, dia 10. “Pai, não dá para você arrumar para eu fazer um teste no Baquinho?”. Meu pai, Carlos Araújo Souza, era secretário da Prefeitura, só andava de terno, gravata e chapéu, e diretor do BAC. O presidente era o João Fernandes, que trabalhava na Sanbra e amava futebol. Contratou Waldemar de Brito para treinar o Baquinho. 9 anos antes, no dia 15 de setembro de 1945, João Ramos do Nascimento, mais conhecido como Dondinho, notável artilheiro e cabeceador chegava a Bauru, com a mulher, Celeste; a sogra, Ambrozina; o cunhado, Jorge Arantes; e os filhos Maria Lucia, Jair (Zoca) e o mais velho, 4 anos, Edson (Dico). Mais tarde virou Pelé…

O BAC precisava de um centroavante cabeceador. A missão foi confiada a meu pai. Soube de um centroavante que estava fazendo umas partidas pelo Frigorífico Cruzeiro. Foi a Cruzeiro, contratou, e para viabilizar arrumou um emprego para Dondinho no Centro de Saúde… O presidente do Cruzeiro, Luiz Quartim Barbosa, que 20 anos depois veio a ser meu sogro. Pai da Katinha. Chego ao primeiro treino. Waldemar de Brito olha em minha direção e pergunta. “Seu nome?: “Chico”; “Que posição você joga?”: “qualquer uma”, respondi. Parou, pensou e disse, “Chico, hoje você não vai treinar. Vai assistir o treino e do meu lado decidir sobre a posição que quer jogar. Não existe isso de qualquer uma. É essencial ter uma compreensão de tudo, ser generalista no conhecimento e na vida, mas cada um de nós precisa escolher um caminho, uma especialização… No dia seguinte voltei e passei a treinar no meio do campo. O infantil, onde eu jogava, treinava contra o juvenil, onde jogava o Dico. E a vida não foi fácil… Quando vim para São Paulo, 1957, jogava basquete, e fui jogar no infantil do Palmeiras. Mas, o ano de 1954, foi o melhor ano de minha vida no quesito futebol. Todos os domingos, eu e meu querido primo José Fernando Souza de Franco íamos cedo para o campo do BAC, assistir à preliminar onde jogava o Baquinho, e o Dico com a camisa 10. Ele, Pelé. Nunca mais na minha vida tive emoções tão fortes como nas preliminares e vitórias do Baquinho. 100 gols em 23 jogos. 27 de autoria dele, Pelé. Cruzei pessoalmente com o Pelé mais duas ou três vezes pela vida. E nunca mais cruzei com Waldemar de Brito, que faleceu em 1979, mas o que me disse naquele dia em que não treinei marcou minha vida para sempre.

Fui me reencontrar com suas palavras nas memórias de meu mestre e mentor Peter Drucker, um circunstante como se dizia, que tinha uma capacidade monumental de enxergar toda a cena em todas as dimensões, e, com isso, o poder de contextualizar, condição essencial para recomendações precisas de consultores de empresa. Como ele era, como sou. Da mesma forma que encontrei as palavras de Waldemar de Brito em Conan Doyle e seu Sherlock Holmes, que desvendava todos os mistérios com a ciência e a arte da dedução. E isso marcou definitivamente minha forma de ver e de pensar. De planejar. E entender a diferença essencial entre criar e inovar. E a profunda admiração que tenho pelo inovador Steve Jobs. Que não criou nada, apenas juntou com sensibilidade o que já existia e estava dominado. Jobs era zen budista. Dizia: “Acho que as diversas religiões são diferentes portas para a mesma casa”. Se fosse católico ia recomendar ao papa Francisco que cuidasse de sua beatificação. Leio as histórias dos santos, que sempre começam com dois milagres. Jobs salvou a vida de milhões de pessoas, e mudou o patamar social de nossas vidas para sempre. Acho que deveria ser santificado… Criar é um dom. Inovar, uma técnica. E aos que nem têm o dom e não dominam a técnica, recomendo o 7º mandamento do comandante Rolim. “Quem não tem nem a capacidade de criar ou inovar precisa ter a coragem de copiar”. Quando ele disse isso todos se sentiram envergonhados. Mais adiante copiar foi rebatizado para benchmark e todos se sentiram mais que à vontade para. E o mundo nunca mais foi o mesmo… Para melhor, sempre. Muito melhor.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)