Presidente do Sinapro-SP e VP do Cenp afirma que as bonificações de volume pagas às agências pelos veículos de comunicação foram banalizadas ao longo do tempo

Jornalista e publicitário por formação, Dudu Godoy está fora do dia a dia das funções de executivo em agências, mas acumula hoje postos em várias entidades do mercado publicitário, como a presidência do Sinapro-SP e a vice-presidência do Cenp, onde ele divide a gestão com o presidente Luiz Lara, que assumiu em dezembro passado. Nesta entrevista, entre vários temas sensíveis para a indústria da comunicação, ele fala sobre a importância da discussão do ambiente digital e das conversas com o IAB e a ABA para voltarem à mesa de negociações da autorregulamentação publicitária. Um dos assuntos que ele afirma que vai entrar em pauta na nova gestão do Cenp é a revisão das BVs, as chamadas bonificações de volume, pagas pelos veículos de comunicação às agências de publicidade, o que ele considera atualmente uma “caixa-preta”.

Hoje você está 100% dedicado às entidades do mercado publicitário?
Sim, trabalhei no Grupo Dentsu até agosto de 2020 e até dezembro de 2022 estou na fase do non compete. Não tenho cargo executivo nas entidades. Só estou devolvendo aquilo que a indústria me deu. Hoje, eu sou presidente do Sinapro-SP  (Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de São Paulo), pelo segundo mandato, que vai até 2023, vice-presidente do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) e VP da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda). Eu também sou VP do Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político, do qual sou um dos fundadores. A gente fundou essa associação justamente para melhorar a imagem do profissional do marketing
político.

E melhorou a imagem?
Existe uma melhora, porque existe uma associação, existem regras para estabelecer relações mais sérias. Há uma diferença grande entre o que era o marqueteiro há um tempo com o que a gente está propondo. A proposta é estabelecer a ética profissional. Ter tudo declarado em termos financeiros. Outro viés é que o financiamento público (fundo eleitoral) trouxe para nós uma responsabilidade muito maior, porque trata-se de dinheiro público para as pessoas fazerem campanha privada.

Como mudar a visão sobre quem faz marketing político?
Se você não faz, alguém vai fazer marketing político. Existe um espaço importante. É uma causa, uma batalha. A imagem do mercado publicitário é boa e um tempo atrás vários grupos internacionais de comunicação pararam de atender contas públicas, mas depois começaram a voltar. Quando você pensa em regras de fiscalização, existem quatro vezes mais estepes na conta pública do que na privada. Na conta pública, além do compliance de contas privadas, é preciso prestar contas, por exemplo, para o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria-Geral da União). O Sinapro tem uma ação direta em todos os editais públicos das prefeituras. O nosso advogado, Paulo Gomes, trabalha e olha todos os editais para ver se não há desvios sobre contas públicas, que é um mercado muito grande no Brasil. A conta pública gera um volume gigantesco para o mercado de comunicação.

Vocês têm ideia de quanto a comunicação pública movimenta no país?
Ainda não, porque o Cenp-Meios não divide verba pública e privada. Mas temos um projeto, que já está na Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), para ressuscitar o IAP (Instituto para Acompanhamento da Publicidade), que contabiliza todos os investimentos das agências fornecedoras do governo federal. O IAP foi desativado no governo Michel Temer.

Qual o objetivo do guia de licitações que o Sinapro-SP vai lançar?
O objetivo é orientar as prefeituras e autarquias, tanto para quem contrata como para quem fornece. A licitação pública de publicidade tem a sua subjetividade. A ideia é ajudar as prefeituras a não criarem problemas para o Ministério Público, para que saibam o que podem comprar e executar.

Que temas são mais sensíveis na publicidade brasileira hoje?
A compreensão do ambiente digital é o tema mais urgente da publicidade, para clientes, plataformas e agências. O problema não está concentrado na agência de publicidade e também não está no anunciante, e também não é só um problema das plataformas. Se não houver uma conversa entre esses elos, o mercado vai ter muita dificuldade para estabelecer a relação, porque as demandas e os profissionais são diferentes. Financeiramente, também é preciso ter um tipo de referência e as plataformas não podem mais fugir da ideia de que elas recebem dinheiro pela publicidade. Isso ainda é muito obscuro no mundo inteiro.

Godoy: 'a compreensão do ambiente digital é o tema mais urgente da publicidade'

E quais são as reivindicações das agências?
É preciso entender que as agências são provedoras de serviços. Por que um veículo paga honorários para uma agência? Porque nós envelopamos o trabalho para eles, buscamos a melhor rentabilidade para os clientes, as melhores pesquisas. Trabalhamos com mídia programática, com todas as plataformas, desenhamos estratégias. Falta um pouco de entendimento do que cada um faz o que e como a gente pode construir uma relação nesse novo ambiente. Nós estamos hoje construindo uma ponte, que está bem avançada, com o IAB (Interactive Advertising Bureau). A autorregulação do mercado publicitário beneficia a todos no sentido de que o governo fica no seu canto e nós  resolvemos as nossas questões, porque senão a tendência é de o governo, os deputados, criar leis, que começam a nos colocar dentro de um ‘quadrinho’ e o nosso mercado é muito dinâmico. É por isso que estamos dialogando com o IAB para eles voltarem para o Cenp, estamos construindo isso com bastante diálogo, estabelecendo os princípios digitais com os princípios da comunicação.

Existe alguma reivindicação para que as agências sejam remuneradas pelas plataformas?
Não. A ideia é estabelecer uma relação clara, de abertura, para mensurar os dados, porque hoje os sistemas das plataformas são fechados. Quando eu presto contas para o meu cliente, relato as ações e devolvo para ele o custo-benefício. Os relatórios de publicidade dessas plataformas não são abertos e as agências precisam dessa transparência. Esse é o ponto mais crítico, difícil de convergência. Na área de remuneração, já estamos convencidos que não haverá uma tabela, porque os preços são muito dinâmicos, é programático mesmo. Outra questão é a identificação do CNPJ de quem fez a publicidade.

E como está a relação trabalhista no mercado?
Eu parto do ponto que não acredito no empresário 100% e também não acredito no trabalhador 100%. Acho que essa regulação precisa ser escrita, estabelecida por uma regra, acordada entre as partes. A construção da vida empresarial é muito nova. A responsabilidade empresarial é muito diferente da atuação profissional. Em uma empresa, você não pode ter a maioria das pessoas trabalhando como pessoa jurídica. Há ainda muita informalidade entre as agências no interior, que não fornecem vale-refeição para os funcionários, por exemplo. Existem muitos profissionais, na maioria recém-formados, que pensam que para abrir uma agência basta se unir a duas ou três pessoas e contratar gente para atuar só como PJ. Isso não está certo. É claro que os encargos são altos, isso pode ser discutido, há coisas que podem ser mudadas. Em 2019, muito antes da pandemia, por exemplo, o Sinapro já começou a colocar regras na convenção coletiva sobre o trabalho híbrido com ponto remoto. Isso era um problema para nós. A primeira coisa que uma empresa precisa fazer para evitar problemas trabalhistas é estabelecer o ponto remoto.

Assim como o IAB, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) também rompeu com o Cenp. Como está essa conversa para a entidade voltar para a mesa?
A ponte é mais difícil porque tem questões mais complexas
e envolve poder econômico. Um ponto sobre a remuneração das agências, que são os honorários, chamado desconto-padrão, é pago pelos veículos de comunicação. E esse desconto-padrão de 20% é fixado pelas Normas-Padrão da Atividade Publicitária, e está previsto na Lei nº 4.680/65. E o valor é padrão exatamente para não banalizar as relações. Agora tem um ponto que as agências concordam com a ABA – e eu falo isso como VP do Cenp e presidente do Sinapro – que são as Bonificações de Volume (as chamadas BVs).  Por muito tempo, por conta de os veículos terem seus pacotes comerciais, como esportes, por exemplo, eles passaram a pagar incentivos para as agências que venderem mais para seus clientes. Ao longo do tempo, na minha opinião, esse incentivo foi se banalizando pelas agências de publicidade, veículos de comunicação e pelos próprios anunciantes, porque passou também a ser negociado dentro do pacote. No começo,
o incentivo era a ideia de que eu pago mais porque você vai vender e para isso precisa adaptar para o cliente. Nesse sentido, a ABA está certa, porque esse
incentivo não pode ser uma caixa-preta e é ruim para as agências de publicidade. O Cenp já sinalizou para ABA, Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) e Fenapro que nós vamos colocar o tema das BVs em pauta, junto com os veículos de comunicação, sobre como pode ser essa transparência. Esse tema vai entrar na pauta das reuniões do Cenp.