As mudanças no segmento de produção cinematográfica continuam gerando polêmicas e dúvidas entre os profissionais. Encontro realizado nesta quarta-feira (1º) pela Apro (Associação Brasileiras das Produtoras de Audiovisual) mostrou a inquietude do mercado e a insatisfação de alguns players que foram prejudicados e se viram de uma hora para outra “fora do jogo”. Entre as reclamações, alguns associados cobram uma atitude mais forte da entidade, logo que a IN (Instrução Normativa) 95, criada pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), está em vigor desde o primeiro dia de janeiro deste ano.

João Paulo Morello, advogado da Apro, começou a sua apresentação sobre as novas regras afirmando que a Apro e a Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) têm trabalhado em conjunto para buscar uma modificação do texto na Ancine que regula o processo de co-autoria. Pela IN 95, para a vinda de um diretor do exterior para um trabalho em parceria com um par nacional, a produtora precisa existir, no mínimo, há cinco anos e ter titularidade de mais de 300 obras brasileiras registradas. Caso contrário, a obra precisa ser registrada como estrangeira, o que obrigaria a produtora a pagar R$ 200 mil de Condecine pela obra. “É uma exigência absurda”, declarou. “Nós não estamos dormindo. Temos atuado de forma intensa”, disse na tentativa de acalmar os ânimos de alguns associados da entidade.

Este ponto foi questionado recentemente por Apro, Abap e Fenapro (Federação Nacional das Agências de propaganda) em carta enviada ao presidente da Ancine, Manoel Rangel. Além do expressivo aumento para produções com custo inferior a R$ 10 mil, saindo de R$ 100, preço anterior, para R$ 2,38 mil, em TV aberta, e R$ 3,57 mil, em todos os segmentos. Até o momento de acordo com as entidades, não houve um posicionamento da agência reguladora.  Para Isabelle Tanugi, produtora executiva da Zohar Cinema, que recentemente fez ao lado da Gorgeous o filme “Keep walking, Brazil” para Johnnie Walker, com a presença de diretor estrangeiro, a medida é “sem sentido”. “Vocês não estão protegendo o Brasil. É nonsense para o mercado, para os técnicos. Estou abismada que a Apro não tenha entrado com uma liminar contra esta nova MP, que é inconstitucional”, disse a produtora, que desenvolve muitos projetos direcionados ao mercado externo.

“Por que determinar que uma obra é estrangeira apenas porque o diretor é estrangeiro, se todo o resto é brasileiro? Quem determinou que o diretor é a peça-chave na produção? O que definitivamente não é. É uma falta de respeito, inclusive com os técnicos”, indaga Isabelle. Teresa Carvalho, diretora de Relações Corporativas da BossaNovaFilms, tem o mesmo posicionamento da colega. “No momento em que apenas se fala de globalização, não faz nenhum sentido você considerar uma obra estrangeira apenas porque um diretor estrangeiro veio produzir aqui. Por que não? É um talento como qualquer outro profissional.” Como exemplo, citam a concorrência para a construção do novo MIS (Museu da Imagem e do Som) do Rio de Janeiro, vencida por um escritório novaiorquino.

A PBA Cinema, originária da produtora argentina Primo Buenos Aires, é outra produtora que reclama da situação atual, especialmente por operar com diretores estrangeiros. “Nós estamos sem poder trabalhar diante da indefinição. Temos recebido solicitações de grandes agências, mas isso está prejudicando o mercado com a ameaça das taxas”, afirma Mayra Gama, produtora executiva e diretora, que normalmente produz as obras em parceria com os pares argentinos. De acordo com Mayra e Nívio Alves de Souza, também produtor executivo (os dois são ex-Tamborim Filmes), a produtora estava em negociação com dois diretores brasileiros, que agora foi interrompida diante do quadro.  Com entrada no mercado em 2011, a produtora fez 12 projetos em 10 meses. “Não é negócio para nós ter uma produtora só brasileira”, explicou.

Outro lado

Por outro lado, há quem considere que as novas regras chegam em um bom momento e fortalecem o mercado, como Breno Castro, sócio e diretor de atendimento da Zeppelin Filmes, produtora brasileira criada em 1991. “É um instrumento desejado e necessário em um mercado maduro como o brasileiro”. De acordo com ele, elas servem para proteger e fomentar a indústria em torno do parque produtivo nacional, o que antes não era feito. “Faz-se necessário para que não existam relações oportunistas”, afirma. A sua concepção, porém, é de que no tocante à co-direção, se criou “uma certa casta” que acaba por prejudicar novos talentos e produtoras. Castro considera que faltou uma “ação mais firme” da Apro em defesa do que chamou de “alguns pontos polêmicos e prejudiciais a alguns setores da categoria”.

Em meio às dúvidas e reclamações dos associados, a Apro se mostrou de mãos atadas. Ela aguarda posicionamento da Ancine e trabalha as questões no nível administrativo; ao mesmo tempo que algumas produtoras querem ação; outras estão contentes com o novo momento; e entidade não pretende entrar em nenhum imbróglio judicial com a agência governamental, o que causaria, além de uma possível demora, um desgaste- não só para a entidade, mas também para as produtoras que fazem projetos com dinheiro de programas de fomento. A recomendação é: sigam as leis vigentes para evitar autuações futuras e análise caso a caso.

Com uma postura mais política, Leyla Fernandes, presidente da Apro, afirma que a proposta da Ancine não é de proteger algum grupo de produtoras em específico, e sim resguardar o direito do diretor. “No entanto, redigiram de uma maneira que ficou difícil contemplar todo mundo”, diz. Pelo entendimento das entidades do setor, a Ancine poderia optar ou pela definição dos cinco anos de existência da produtora ou pelo 300 títulos registrados. Um número menor também não é descartado. “Estamos tentando ver o que faremos o mais rápido possível”, disse a executiva.

Durante o evento, ficou visível também que alguns pontos importantes, como a definição de “varejo” não está clara para o mercado. Pela IN 95, o registro de um título para obras em geral fica restrito a até cinco versões, com a pagamento de uma única Condecine, enquanto, para varejo, o número chega a 50. No texto da IN está descrito da seguinte forma: “Obra Audiovisual destinada a publicidade e propaganda, exposição ou oferta de produtos à venda sem transformação significativa, diretamente para o consumidor final para uso pessoal e não comercial”. O que isso significa é uma incógnita para muitos profissionais. “Enquanto há dúvidas, nós estamos entregando filmes. Não temos tempo”, disse Karina Vadasz,  produtora de RTV da Loducca, sobre a ausência de informações concretas. “As coisas nãos estão muito claras. São muitas dúvidas. E não sabemos como proceder”.

Leyla Fernandes, presidente da Apro, pediu que os players mantenham a mesma postura que aplicavam antes. Pela sua definição, varejo se restringe a comerciais em grande escala e quando o “miolo” da campanha é o mesmo e só há  alterações dos produtos. Ela afirmou também que, apesar de ainda não formalizado, a Ancine não vai considerar preço como uma característica de mercado.