Ultimamente, o grande desafio das marcas tem sido manter a relevância no meio do clutter com discurso e posicionamento que façam sentido e consigam ultrapassar as expectativas das pessoas. Parte-se do princípio que com o essencial – a qualidade do produto – tudo vai bem, obrigado. Reputação é algo construído ao longo do tempo, a muitas mãos e a partir de muitos elementos, mas em torno de um só valor: a confiança. Para algumas marcas, basta ter um bom preço e funcionar durante um curto espaço de tempo. Para outras, se espera que durem uma eternidade. É tudo uma questão de promessa e expectativa, investimento e perspectiva de retorno. Se algo é barato, mas bonito, paga-se pouco e não se espera nada além da beleza efêmera. Quando é caro, o sarrafo sobe e a entrega envolve outro elementos. Uma relação de confiança se baseia na entrega de algo prometido – a chamada promessa da marca, seja ela qual for.
A partir daí, e da repetição de experiências positivas, vividas ou testemunhadas, a relação é construída. Pode evoluir, eventualmente, para novas expectativas. Marcas se tornam grandes justamente porque conseguem sustentar suas promessas ao longo do tempo e entregar mais. Muitas vezes, vão além das promessas, ampliando sua gama de benefícios para o intangível, para o mundo das ideias, da defesa de causas, e por aí vai. Controversa e longe de ser unanimidade, a Nike é uma marca gigante, que já viveu crises importantes no passado, como quando foi denunciada por trabalho escravo, nos anos 1990. De lá para cá, procurou transformar a imagem de seus processos de produção, mas as etiquetas “Made in Cambodia” sempre dão margem a especulações a respeito de seus processos de fabricação. Uma busca simples na internet leva a várias pautas sobre trabalho duro e mal remunerado nas fábricas que atendem não só a Nike, mas outras importantes, como Puma e Asics.
Apesar disso, a qualidade dos produtos se manteve, no geral, ok, vestindo alguns dos maiores atletas do planeta. Quando algo como o episódio da última quarta-feira (20) acontece, as especulações fervilham e exigem respostas rápidas. Em pleno campeonato de basquete universitário nos EUA, o jovem Zion Williamson saiu lesionado logo nos primeiros minutos de disputa entre Duke e North Carolina, em um lance em que seu tênis Nike rasgou. Em comunicado, a Nike prometeu trabalhar para identificar o problema. A disposição para apurar o que denominou “acontecimento isolado” talvez deva ir além. Mais fundo no caldeirão de seus processos de fabricação, quem sabe reconhecendo que ele dá, sim, margem a problemas, e pode ser aprimorado. Concentrada em seu posicionamento de comunicação ousado e extremamente interessante, a Nike talvez tenha deixado o barco correr naquilo que há de mais básico. Mas quando uma parte da engrenagem afrouxa, alguma falha acaba aparecendo. E, muitas vezes, da pior maneira. Como uma aeronave que cai, escancarando um processo de falhas na manutenção e funcionários insatisfeitos que vinha se arrastando, silenciosamente, por anos.
Para a Nike, endereçar de maneira mais definitiva as suas práticas de produção pode até não revelar um retrato de Dorian Gray escondidinho no quarto escuro. Mesmo que o acidente nada tenha a ver com os processos de produção, dar conta de torná-los ainda mais confiáveis será, no mínimo, uma resposta à altura do episódio que envolveu Zion Williamson. E servirá de exemplo para outras marcas, inclusive quem fez humor com o acidente e tem, possivelmente, os próprios telhadinhos de vidro.