CEO da Edições Globo Condé Nast, Daniela Falcão está no cargo desde o começo de 2017, sendo responsável também pela direção editorial dos quatro títulos da casa – Vogue, Casa Vogue, GQ Brasil e Glamour. Antes, foi diretora de Vogue por um período de 11 anos, sem contar passagens por Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil, Trip e TPM.
Nascida em Salvador, foi apontada em 2017 como uma das 500 pessoas mais influentes da moda internacional, segundo a Business of Fashion. Nesta entrevista, ela revela planos de digitalização de algumas publicações, comenta o momento complicado do setor de moda e os impactos de médio e longo prazo na relação de consumidores e marcas do segmento.
Com a crise do coronavírus, você notou um maior interesse das pessoas pelo noticiário de forma geral?
Vejo o jornalismo fortalecido por dois ângulos diferentes: o da hard news e o das top news. No hard news, há um impacto do isolamento, quando as pessoas têm mais tempo para interagir com conteúdo, sejam informações que obtêm nos veículos ou o entretenimento em plataformas como Netflix. O tempo poupado nos transportes tem sido direcionado a isso e percebemos o crescimento de audiência, seja do conteúdo mais caseiro possível ao dos grandes veículos de mídia.
Vemos uma importância ainda maior em um momento de fake news, inclusive com informações científicas equivocadas sobre o coronavírus. Nesse cenário, as fontes fidedignas crescem de forma natural. Na mídia top news, especificamente de comportamento no nosso caso, estamos tendo a chance única de testar interações novas com o público em todos os formatos digitais e acelerando algumas experimentações. As pessoas querem consumir conteúdo de todas as maneiras e vemos, por exemplo, o sucesso das lives, algo que fazíamos pouco.
Estamos testando os melhores formatos e, mesmo na indústria da moda, veremos mais desfiles e apresentações de coleções feitas por streaming. Além de lives, vemos oportunidades em webinars, e o TikTok. Poderemos oferecer mentorias com profissionais especializados, por exemplo. Há uma chance grande de explorarmos e termos engajamento em novos formatos digitais que ampliem o nosso repertório.
Que oportunidades surgem para os veículos se conectarem mais com as pessoas?
Claro que não haverá tantas lives como hoje, mas ações em horários específicos. Elas vieram para ficar. Também vejo muita oportunidade nas newsletters e o The New York Times tem mostrado o caminho, com uma reformulação de seu morning briefing que, agora, tem conteúdos bem específicos, incluindo um sobre dicas do que fazer em casa durante a pandemia. O conteúdo das newsletters tem ficado mais pessoal, com um jornalista importante coordenando, trazendo mais audiência e engajamento. Nós vamos começar a fazer newsletters B2B, focada em empresários de moda e dividindo inteligência e assuntos que observamos. É um jeito de falar direto, com conteúdo e escala.
O TikTok também se consolidou e traz agilidade e não só na comunicação com a geração Z. Ele é fundamental para veículos mais tradicionais, como o Washington Post, que tem um formato focado em entretenimento. Vejo que o TikTok, as newsletters e as lives são as grandes três novidades digitais que vieram para ficar nesse período. Em geral, percebemos um crescimento de veículos tentando retomar a importância da assinatura digital ou física. Ainda que o assunto de momento seja o coronavírus, há outros assuntos que podem despertar a atenção e vejo mais assinaturas digitais. Talvez os veículos consigam aumentar a questão das barreiras e conseguir dinheiro com assinaturas. É um bom momento para os veículos explorarem mais o seu conteúdo digital.
Que impactos ocorreram no jornalismo de moda nessas semanas e como podemos imaginar o futuro dele?
Estamos vendo uma exigência menor na questão da qualidade impecável de captação e imagem para passar uma mensagem. Especialmente na editoria de comportamento, que trabalha muito com foto, temos visto muitos conteúdos feitos de forma até caseira, inclusive na publicidade, que estão dando certo, e aproximando o leitor de quem está falando. Esse senso de doméstico e informal, e de usar o potencial mais na pós-produção, deve impactar a captação de imagens e conteúdos.
Outra coisa que muda é darmos voz para especialistas e histórias especiais. Notamos que as histórias pessoais têm engajado muito mais. Se vamos falar, por exemplo, sobre sonhos estranhos, em vez de apenas um neurocientista, podemos ter três ou quatro pessoas que falem sobre suas experiências particulares, nos ajudando a criar esse conteúdo de forma colaborativa. Hoje, partimos de uma ideia de pauta, mas não controlamos a narrativa o tempo inteiro. Por isso, os veículos devem dar mais espaço para contadores de história reais.
A crise acelerou a digitalização do conteúdo sobre moda?
Na moda, vemos alguns fenômenos. As marcas não vão poder apresentar coleções em desfiles ou coquetéis, como costumam fazer, pois, mesmo que os shoppings reabram em julho ou agosto, não será possível uma aglomeração. Mas elas precisam comunicar. Alguns desfiles pelo mundo só serão feitos de forma digital e acredito que todos seguirão esse caminho em 2020. Para nós, vamos ter de encontrar maneiras criativas e atraentes de falar de lançamento de coleção, que é a mola mestra tanto sob o ponto de vista comercial como editorial. Antes, éramos pautados pelos desfiles e coleções apresentadas em lojas. Agora, precisaremos fazer isso de maneira virtual. Percebemos muitas experimentações nesse período, incluindo lives com estilistas ou happenings, sempre na busca pelo melhor formato.
Mas toda comunicação de conteúdo, em 2020, terá de passar pelo digital, quanto mais canais eu dominar como veículo, melhor. Algumas coisas jamais voltarão a ser físicas novamente e todos os eventos de moda precisarão de um componente digital para ter engajamento. Daqui a uns dez anos, um jovem provavelmente vai questionar por que antes de 2020 não existiam eventos virtuais. É uma grande revolução.
Como você vinha conduzindo a digitalização das publicações e como a Covid-19 impacta essa estratégia?
A Globo Condé Nast tem quatro títulos e, por mais que sejam fortes e líderes de mercado no digital, eles sempre se mantiveram como fortes no impresso. Acho que hoje já estamos conversando de uma maneira concreta sobre tornar alguns títulos apenas digitais a partir de 2021. A Glamour, por ser voltada a um público mais jovem, já é 100% digital nos Estados Unidos, Inglaterra e México, e começamos a pensar mais livremente sobre essa possibilidade aqui no Brasil. São decisões que se tomam ano após ano e não têm a ver com a crise do coronavírus, mas sobre a estratégia que fará mais sentido para o negócio. Após iniciar o processo, acho que podemos pensar, depois, em Casa Vogue e GQ. Apenas a Vogue que tem outro perfil, de muitas vezes ter a edição impressa como item de colecionador.
Como a Globo Condé Nest tem se portado para enfrentar essa crise e se posicionar para o futuro?
Eu acho que temos uma série de aprendizados. Do ponto de vista de negócios, não é diferente das outras empresas do setor de mídia. Precisamos ouvir os anunciantes e entender as limitações por conta do fechamento das lojas físicas. O que temos de concreto é uma série de ações de branded content que criamos para atender às necessidades do momento. Muitas marcas que não quiseram falar de produto precisam estar próximas do consumidor. Fizemos uma série de ações para o Dia das Mães e já temos para o Dia dos Namorados, sem foco em produto.
Para o resto do ano, a comunicação das marcas com o cliente continuará sensível, mesmo com abertura das lojas. Uma estética que temos aplicado é a da nostalgia. Teremos agora também uma consultoria digital para ajudar pequenos clientes de moda que não têm acesso a agências digitais a fazerem o seu melhor, aproveitando a inteligência que temos dentro da Globo Condé Nast.
Como analisa a recuperação do setor de moda após o fim das quarentenas?
É um setor que trabalha com muito estoque e margens baixas, sem fluxo de caixa e muito vulnerável. Nos Estados Unidos vimos o fechamento de varejistas de grande porte. Esse segmento já vinha sofrendo antes do coronavírus. Quando a vida voltar ao normal, vamos sentir melhor a retração no setor de moda e em beleza também, pois muitas pessoas vão postergar o gasto, por exemplo, com produtos para retocar a tintura do cabelo.
Não são mercados que se resolvem com a reabertura automaticamente. Na moda, o fenômeno da Ásia, onde houve uma correria aos shoppings, não deve se repetir nos outros continentes e, se acontecer, será restrito ao setor de luxo. Haverá um trabalho muito grande para se comunicar nas classes B menos e C, por exemplo. Em nossa previsão, não teremos o faturamento voltando ao normal em julho ou agosto, e dependemos da recuperação do consumo, o que tem a ver com o impacto no emprego e na renda, que não sabemos ainda.
Após essa crise, acredita que pode haver mudanças na forma como as pessoas consomem moda?
Tem um movimento que vem da Escandinávia, o Hygge, em que se prioriza o investimento em estilo de vida de conforto e aconchego em casa. As roupas tendem a ficar mais confortáveis, não necessariamente nos escritórios, mas sabemos que o home office será tendência, porque as empresas viram muita vantagem nisso. Haverá uma mudança não só da roupa, mas da valorização do viver em casa.
Quando voltarmos à normalidade as pessoas vão querer cuidar mais do conforto em seus espaços. Outra tendência é que, em um momento de crise, a conscientização sobre a responsabilidade social das marcas se amplia. As empresas que não demonstrarem o que estão fazendo pela comunidade, vão perder espaço. Em um dos posts que fizemos nos canais da Vogue, perguntamos se as etiquetas de roupas deveriam vir com dados de procedência, assim como outros tipos de produtos já fazem, a resposta foi que sim. A moda precisará explicar e educar mais as pessoas sobre cada peça e o quanto ela está contribuindo para o respeito às comunidades onde são produzidas.
Como você analisa o papel dos influenciadores no segmento de moda e as críticas que eles têm recebido?
Essa relação vai evoluir. A mídia tradicional tem tido seu papel questionado há muito mais tempo e isso, agora, começa a acontecer com os influenciadores. Mas vemos excelentes alternativas para eles, como a função fundamental de explicarem o papel social que as marcas que eles representam possuem nos aspectos social e ambiental. Eles precisarão escolher bem as marcas com quem se relacionam e ter mais responsabilidade na hora de comunicar.