Hoje em dia é possível dar opinião sobre tudo. A timeline é uma infinita página em branco para ser preenchida da maneira que se bem entender – para o bem e para o mal. As redes sociais são um tatame de opiniões e visões de mundo sem fim, batalhando pela razão absoluta. Pessoas bloqueiam-se umas às outras quando discordam ou partem para agressões mais pesadas (virtuais, ainda bem), para o escárnio, para a baixaria. Tudo em defesa de opiniões, opiniões, opiniões. Opinar ou divergir de alguém tornou-se algo perigoso, que pode encerrar amizades, criar conflitos de grandes proporções, ofender muitas pessoas, incomodar legiões, levar a pedidos de desculpas públicos.

Divulgação

Com tantas opiniões por aí brotadas da enxurrada de informações disponibilizadas diariamente, nunca o mundo precisou tanto dos “especialistas”. É uma curadoria necessária para não enlouquecermos. Os especialistas analisam, pegam na nossa mão, nos mostram a luz no fim do túnel – ou a falta dela. Queremos ouvi-los. Gente que analisa política, economia, comportamento, diversidade, o futuro do planeta, tendências de moda, tecnologia, alimentação, amor, amizades, internet, esportes, sexo, relacionamentos, música, violência, publicidade, jornalismo, literatura, história, cinema, astrologia e o que mais vier.

Talvez por isso seja tão insuportável e tenha causado tamanho estranhamento uma talentosa atriz brasileira ter se apresentado em rede nacional dizendo: não saberia opinar. A grande estrela do cinema nacional Glória Pires foi sincera e “autêntica” diante do olhar estupefato da audiência que assistia à entrega do Oscar na TV Globo e admitiu: “não vi”, “não sei”, “sou ruim de previsões”.

Monossilábica, limitou-se a expressões insossas sentada na cadeira onde se esperava a presença de um “especialista” – que fizesse comentários interessantes e ajudasse a plateia não especialista a entender melhor a escolhas da Academia de Cinema. E por especialista, aqui, leia-se simplesmente, alguém com informação suficiente para emitir alguma opinião consistente sobre os filmes e profissionais de cinema premiados. O resto é história: a resposta da Glória nas redes sociais assumindo ter encarado o programa como uma conversa informal entre amigos na sala de casa, levantando a bandeira da autenticidade.

Sobre isso tenho uma opinião: Glória errou feio, desrespeitou a plateia da TV Globo e confundiu mesmo um programa sério e importante com o sofá da própria sala, de onde não deveria ter saído naquela noite. Talvez uma artista tenha licença poética para não fazer seu dever de casa, mas o fato é que o mundo de hoje não perdoa mais com facilidade quem age de forma desconectada e, principalmente, não procura saber. Um jornalista ou uma empresa que agisse dessa maneira descuidada estaria crucificado com bem mais do que memes irônicos.

Isso me remete ao mercado publicitário e a esses tempos de imprevisibilidade, mudanças de comportamento, novas tecnologias e velocidade das coisas, o sólido se desmanchando no ar. As agências – tradicionais oráculos de anunciantes desde a era dos especialistas Mad Men – parecem não ter mais todas as respostas. Porém, reconhecer a falta de respostas sobre comunicação de marcas nesses tempos líquidos (talvez mesmo gasosos?), é perder negócios. Não há perdão.

Há um “salve-se quem puder” no ar, onde alguns posam de especialistas sem ser, e a maioria busca suas respostas assumindo o risco e a experimentação como realidade. O que aflige a publicidade hoje é que as respostas deixaram de ser estanques e previsíveis. Os novos especialistas não podem mais parar de “fazer seu dever de casa”, procurando conviver com a transitoriedade das coisas e se aprofundando diariamente em novas soluções e possibilidades. Dá um trabalho danado sobreviver nesse nosso admirável mundo novo, onde não há espaço nem para a mais autêntica ignorância.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK